Por que estas aves carregam chamas em seus bicos?

Povos indígenas da Austrália há tempos observam os falcões de fogo espalharem incêndios florestais em todas as savanas tropicais do país.

Por Michael Greshko
Publicado 11 de jan. de 2018, 18:09 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
milhafre-preto
O milhafre-preto (fotografado no Zoológico Tsimbazaa, Madagascar) é uma das aves que podem espalhar fogo na Austrália.
Foto de Joël Sartore, National Geographic Photo Ark

A Austrália conhece bem incêndios: a paisagem, vigorosa, se adapta e resiste às chamas, muitas causadas por seres humanos e por raios. Mas os povos aborígenes australianos há muito identificaram uma terceira causa: aves.

Em entrevistas, observações e cerimônias que datam de mais de um século, os povos indígenas do Território do Norte da Austrália sustentam que um grupo coletivo de aves que chamam de “falcões de fogo” pode controlar o fogo, carregando bastões em chamas para novos locais em seus bicos e garras.

A ideia é que essas aves de rapina usam incêndios para ajudar na busca por comida, se alimentando de insetos e outros pequenos animais que tentam fugir das chamas. 

As histórias, compiladas em um estudo recente publicado no periódico Journal of Ethnobiology, podem levar alguns a repensar a forma como os incêndios se espalham em savanas tropicais como as do norte da Austrália.

"Não estamos descobrindo nada", adverte o co-autor Mark Bonta, bolsista da National Geographic e geógrafo na Universidade Penn State. “A maioria dos dados com os quais trabalhamos é em colaboração com os povos aborígenes. Eles já sabem disso há provavelmente 40 mil anos ou mais ".

LOUCURA ALIMENTAR

Por décadas, as pessoas no norte da Austrália consideraram os falcões de fogo – o milhafre-preto (Milvus migrans), o milhafre-assobiador (Haliastur sphenurus) e o falcão-marrom (Falco berigora) – partes da ordem natural. 

De acordo com o co-autor Bob Gosford, advogado australiano de direitos indígenas e ornitólogo, essas aves de rapina prosperam em incêndios florestais, subindo e pousando perto das linhas de fogo do incêndio nas savanas tropicais da Austrália.

“O milhafre-preto e o falcão-marrom vão até as linhas de fogo porque lá é um frenesi de caça”, disse ele em uma entrevista de 2016 à Australian Broadcasting Corporation. “É um frenesi alimentar, porque saem dessas pastagens pássaros pequenos, lagartos, insetos, todos fugindo do incêndio.”

Todos os anos, até 75% das savanas tropicais da Terra queimam, representando cerca de metade da biomassa que queima anualmente em todo o mundo, de acordo com um artigo de 2015.

A Austrália não é exceção a essa regra. De 1997 a 2011, cerca de 18% dos 1.890 quilômetros quadrados de savana da Austrália foram afetadas por incêndios a cada ano, em média. Algumas regiões têm incêndios uma vez a cada dois anos.

“Eu vi um falcão pegar um graveto em chamas em suas garras e derrubá-lo em um local com grama seca a meia quilômetro de distância. Ele esperou com seus companheiros pelo êxodo louco dos roedores e répteis queimados e assustados”, escreveu Waipuldanya Phillip Roberts em I, the Aboriginal (Eu, o aborígene, em tradução livre), uma autobiografia de Roberts de 1964 compilada pelo jornalista australiano Douglas Lockwood.

“Quando essa área foi queimada, o processo foi repetido em outro lugar.”

FALCÕES ARDILOSOS

Depois que Gosford encontrou essa passagem pela primeira vez, ele começou a coletar depoimentos sobre esse comportamento das aves, que ele persegue obstinadamente desde 2011. Embora ainda não o tenha testemunhado em primeira mão, alguns de seus co-autores bombeiros já viram.

Anteriormente, alguns especialistas locais tinham dúvidas se os falcões provocavam os incêndios intencionalmente, ou simplesmente faziam isso sem querer.

“Se [os falcões] errassem a presa e pegassem um graveto, eles então soltariam esse graveto ou pedra”, escreveu Anthony Molyneux, do Parque Deserto Alice Springs, em 2011. “Se o graveto estivesse queimando ou em chamas, então outro incêndio seria iniciado”.

O novo estudo impressionou ornitólogos estrangeiros, mas mais detalhes certamente aparecerão.

Embora Gosford e seus colegas tenham solicitado fotos e vídeos do comportamento, eles ainda não receberam nenhuma filmagem utilizável. Eles esperam documentar o comportamento em campo no final deste ano, estudando de perto uma série de queimadas controladas administradas por bombeiros locais.

“Quanto mais a notícia se espalhar, melhor”, diz Bonta. “É só uma questão de tempo.”

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