Recorde de encalhes de jubarte no Brasil não é tão ruim quanto parece

Os 124 casos registrados em 2017 trazem um lado positivo: a recuperação da espécie que foi quase caçada à extinção.

Por João Paulo Vicente
Publicado 16 de fev. de 2018, 20:11 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
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Baleia-jubarte salta próximo ao litoral do Espírito Santo. O estado registrou 34 jubartes encalhadas em 2017, número menor apenas que o da Bahia, com 44 casos.
Foto de Leonardo Merçon, Amigos da Jubarte

As baleias-jubarte nunca encalharam tanto no Brasil quanto em 2017. Os 124 casos registrados pelo Projeto Baleia Jubarte, um recorde desde que o monitoramento começou em 2002, geram imagens poderosas e tristes, como a de uma carcaça gigante apodrecendo ao sol em plena Ipanema, no Rio de Janeiro, ou os inúmeros filhotes encalhados vivos, mas sem muita chance de sobrevivência depois de se perderem das mães. Por outro lado, também são um sinal do sucesso dos programas de conservação estabelecidos nas últimas duas décadas – de 3,5 mil no começo dos anos 2000, estima-se que a população de jubartes que nadam em águas brasileiras seja de 20 mil hoje em dia.

“Mesmo com o número alto de encalhes, nós consideramos essa temporada normal”, diz Adriana Colósio, coordenadora de resgate do Projeto Baleia Jubarte. Isso significa que o aumento no número de baleias faz com que ocorram mais mortes por causas naturais, como doenças, velhice e ataques de predadores contra filhotes. Não é possível ignorar, porém, os casos antrópicos, ou seja, resultantes de ação direta ou indireta dos seres humanos.

Instalado em Caravelas, no sul da Bahia, o Projeto está no meio da área preferida das jubartes para procriarem, o Banco de Abrolhos. Para chegarem até as águas quentes e calmas da região, os animais da espécie nadam mais de 18 mil km desde a Antártida. É uma jornada exaustiva, que demanda uma grande reserva de energia obtida com o consumo de krill antártico.

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Nance Hauser é bióloga e tem certeza que foi salva pela baleia. Outros especialistas não têm tanta certeza.

O problema é que fenômenos climáticos como El Niño e La Niña tem afetado a abundância de krill na Antártida. Em 2010, quando se registrou o recorde anterior de encalhes, com 96 casos, o papel da falta de krill ficou nítido. Naquele ano, outras espécies que se alimentam nas mesmas regiões da jubarte, como lobos-marinhos e outras baleias, também morreram em número maior que o esperado.

Outro ano atípico foi 2015, quando as jubartes nadaram mais próximo à costa e se concentraram nas regiões sul e sudeste. Por conta disso, ficaram suscetíveis à atropelamentos por embarcações e emalhes – quando ficam presas em redes de pesca. Nesse ano, inclusive, a necropsia de uma baleia que encalhou no litoral de São Paulo mostrou que o animal se alimentara de uma espécie de krill encontrada em águas brasileiras, o que não ocorre em condições normais.

Em 2017, por sua vez, a influência do krill não está tão clara, ainda que não possa ser desprezada. “Nesse ano, condições ambientais como ventos e correntes contribuíram para trazer mais animais para nossa costa. Tanto as carcaças daqueles que morreram no oceano, quanto baleias vivas, que, se estiverem debilitadas, são carregadas pelas correntes”, explica Adriana.

Dos 124 encalhes de jubartes, cerca de um terço, 44, ocorreu na Bahia – estado seguido por Espírito Santo (onde fica uma parte do Banco de Abrolhos), com 34 casos, e Rio de Janeiro, com 19. 43% eram filhotes, 25% juvenis e 14% adultos. 29% eram machos e 25% fêmeas. Não foi possível identificar faixa etária e sexo em 18% e 46% das carcaças, respectivamente.

Apesar dos números de indefinição parecerem altos, a coordenadora do Projeto Baleia Jubarte conta que uma das características dos encalhes do ano passado foi o grande número de animais encontrados em bom estado de conservação. A partir daí é possível fazer diagnósticos mais precisos sobre as causas de mortes. E um dos primeiros padrões encontrados pode ser preocupante: segundo análises preliminares feitas pelo Laboratório de Patologia Comparada de Animais Selvagens da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, um número considerável dos filhotes apresentaram lesões compatíveis com infecções umbilicais.

“A infecção umbilical pode ter sido um fator importante para a causa de encalhe desses animais, porém outras potenciais causas estão sendo investigadas”, diz Kátia Groch, pesquisadora do Laboratório. Kátia explica que infecções como essas costumam ser multifatoriais, mas que o sistema imunológico deficiente ou imaturo dos filhotes junto com a presença de agentes infecciosos como bactérias, por exemplo, são os maiores elementos de risco.

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    “Hoje, carecemos de informação patológica retrospectiva suficiente para comparar esses achados. No entanto, em um estudo recente sobre alterações patológicas em baleias-jubarte na costa brasileira, reportamos alguns casos de infecção umbilical em filhotes encontrados encalhados em anos anteriores a 2017”, conta a pesquisadora.

    Para Adriana Colósio, esses casos também podem ser um indicativo da ação humana. “Talvez isso ocorra por conta de poluição, qualidade da água. Novamente se relaciona a questão ambiental com a interferência humana”, afirma.

    De qualquer forma, eram todos filhotes os oito espécimes de jubarte que encalharam em Alagoas e foram registrados pelo Instituto Biota de Conservação. O número é um recorde para o estado: desde que o Biota foi fundado em 2009, apenas quatro outras jubartes haviam sido encontradas por ali – uma em 2010, duas em 2012 e uma em 2013.

    Waltyane Bonfim, coordenadora de pesquisa do Biota, reforça a posição de Adriana sobre a influência das condições ambientais como correntes, ventos e temperatura no aumento dos encalhes, afinal, Alagoas teve um inverno atípico com excesso de chuvas. Além do estado, apenas dois outros ao norte da Bahia registraram encalhes de jubarte em 2017: Sergipe, com dois casos, e Ceará, com um.

    Isso não é raro, ou pelo menos não deveria ser. A ocorrência histórica da jubarte abrange todo o litoral do Nordeste e do Sudeste do país. Mas a espécie foi caçada até chegar à beira da extinção e uma das principais estações baleeiras no Brasil ficava em Costinha, na Paraíba. Por muito tempo, o óleo de baleia foi um produto amplamente utilizado como lubrificante e combustível – cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador eram iluminadas com lamparinas que queimavam a gordura das baleias.

    Com o rareamento da espécie, os poucos animais que ainda vinham ao Brasil se concentravam na sua principal área reprodutiva no país, o Campo de Abrolhos. Esse quadro começou a ser revertido em meados do século 20, quando a comunidade internacional passou a discutir e questionar a continuidade da prática. Finalmente, em 1986, entrou em vigor a proibição da caça às baleias estipulada pela Comissão Internacional da Baleia – o Brasil, por sua vez, publicou uma lei na mesma linha no ano seguinte, em 1987. “Mas como a população continua crescendo, a cada temporada reprodutiva esperamos mais baleias em todo o litoral ao norte da Bahia, inclusive aqui em Alagoas”, explica Waltyane

    Baleia na rede

    Com uma estrutura enxuta e orçamento limitado, o Biota precisa da população para ganhar capilaridade na atuação. São duas frentes: um aplicativo chamado BiotaMar, que permite a qualquer pessoa que encontrar uma baleia ou golfinho na praia mandar foto e localização precisa para o Instituto, e o projeto Encalhou?!, que promove oficinas educativas sobre como agir de maneira correta em caso de encalhes enquanto os biólogos e veterinários capacitados não chegam.

    “Com certeza esse maior contato com a população pode facilitar o acesso aos animais e influenciar um pouco no aumento de registros, mas pelo fato de a campanha já ser algo contínuo ao longo dos anos e o aumento no número de registros ter sido grande de um ano para o outro, podemos acreditar que encalharam sim mais animais esse ano”, diz Waltyane.

    Fora as jubartes, o Biota também registrou o encalhe de duas cachalotes – o que não é raro, segundo a coordenadora de pesquisa do Instituto – e uma carcaça cuja espécie não pôde ser identificada. “Em relação a outras espécies de baleias, não tivemos aumentos nos números de encalhes e não temos dados alarmantes”, conta Fábia Luna, coordenadora do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Aquáticos (CMA) do ICMBio. “Diferente das jubartes e francas, outras espécies são mais oceânicas e nem sempre as carcaças chegam ao litoral”, diz ela.

    As baleias francas se concentram no litoral da região Sul em suas visitas ao Brasil. Mas ao contrário das jubartes, elas apareceram com mais timidez em 2017. Foram dois encalhes, dentro da média dos últimos anos, mas o número de animais avistados foi o menor desde 2001, conta Karina Groch, coordenadora do Projeto Baleia Franca, em Imbituba, Santa Catarina.

    Assim como as jubartes, as francas se alimentam de krill antártico e sobem para o litoral da América do Sul para parir os filhotes em águas de temperatura mais amenas. De novo, há uma correlação entra a diminuição da presença das francas no Brasil e a menor oferta de krill causada por fenômenos climáticos.

    “Em anos de menor abundância de krill na Antártica, as francas podem não engravidar ou irem para a Argentina”, diz Karina. Ao contrário do Brasil, ela conta, a Argentina viu um recorde de avistamentos de francas e nascimento de filhotes em 2017. “Apenas uma pequena porcentagem das baleias francas que existem no Atlântico Sul gosta de vir para Brasil. É um quebra-cabeça bem complexo de entender que ainda não fechamos”, afirma ela.

    Além das francas, o Projeto Baleia Franca também registrou três encalhes de baleias-de-bryde em Santa Catarina. Duas apareceram mortas nos primeiros meses de 2017, mas a terceira, que apareceu em dezembro na Praia de Baixo, no município de Paulo Lemos, trouxe uma boa notícia para fechar o ano. “Nós conseguimos retorná-la viva para o mar, um feito quase inédito. Não temos conhecimento que uma bryde já tenha sido resgatada assim no mundo. Foi nosso presente de Natal.”

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