Entre cobras e lagartos: Brasil é o terceiro país do mundo em diversidade de répteis
De cada cem espécies deste grupo no planeta, oito ocorrem aqui. Metade das formas brasileiras não é encontrada em nenhum outro lugar do mundo.
Cobras, lagartos e jacarés não estão entre os animais favoritos da grande maioria das pessoas. Com exceção das tartarugas, o sentimento mais comum em relação aos répteis é de que são criaturas perigosas, ameaçadoras ou até mesmo nojentas. Se você é uma dessas pessoas, é hora de reavaliar esses conceitos, pois estamos cercados de cobras e lagartos por todos os lados.
O Brasil é o terceiro país com o maior número de espécies de répteis no mundo, atrás apenas do México e da Austrália, segundo estudo que buscou listar todas os animais deste grupo existentes no país. O trabalho, publicado em abril de 2018 na revista Herpetologia Brasileira, mostra que 795 destes vertebrados foram registrados por aqui. Isso é equivalente a quase 8% de todas as espécies existentes no mundo (cerca de 10,7 mil).
Das quase 800 ocorrências no Brasil, a grande maioria é de serpentes, com 405 espécies, e lagartos, com 276. Além destas, foram registradas 36 espécies de quelônios (tartarugas e jabutis) e seis crocodilianos. Um outro grupo chama atenção pela alta diversidade: as anfisbenas. Também conhecidas como cobras-de-duas-cabeças, as anfisbenas são animais de corpo alongado e com patas ausentes ou muito reduzidas. Esses animais, pouco conhecidos até mesmo pelos especialistas, são raramente observados, pois passam a maioria do tempo enterrados. No Brasil, existem 72 espécies, quase 10% da diversidade total de répteis do país.
Além da lista atualizada, o trabalho indica em quais estados do Brasil cada espécie ocorre. “Conhecer a riqueza de répteis de cada uma das 27 unidades federativas pode ajudar na identificação de regiões que ainda precisam ser melhor amostradas”, explica o zoólogo Henrique Caldeira Costa, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que liderou o estudo.
Lista ampliada
A compilação e atualização da lista demanda bastante esforço, mas é algo necessário. "Isto nos ajuda a manter uma certa organização do conhecimento, concentrando em um só lugar informações que estão espalhadas em muitas fontes distintas”, observa Costa.
A lista atual possui 162 espécies a mais do que primeira compilação feita pela Sociedade Brasileira de Herpetologia, em 2005. O aumento está ligado à evolução do conhecimento científico sobre esses animais, já que todos os anos novos répteis são descobertas no Brasil. Entre 2016 e 2018, por exemplo, 17 novas espécies foram identificadas. André Carvalho, especialista no estudo deste grupo de animais, prevê que a lista continuará a crescer. “Trabalhos recentes têm mostrado que um enorme número desses animais ainda aguarda reconhecimento e descrição formal no Brasil”, descreve ele.
Carvalho tem experiência no assunto: ele realiza expedições a localidades remotas na América do Sul em busca de espécies desconhecidas e contribuiu diretamente para o aumento da lista atual. Ele descreveu, em 2016, uma nova espécie de lagarto descoberta na Bahia, o calango-do-sertão, cujo nome científico é Tropidurus sertanejo. O animal só é conhecido de duas localidades na Caatinga baiana.
Cobras e lagartos também precisam de ajuda
Assim como o calango baiano descoberto por André Carvalho, outras espécies que aparecem na lista são exclusivamente brasileiras. A cada duas espécies de répteis do Brasil, uma é considerada endêmica, ou seja, não é encontrada em nenhum outro lugar do mundo. Porém, essa diversidade única está em perigo: a grande e rápida destruição de áreas naturais no Brasil pode ter consequências catastróficas para a nossa fauna. "Muitas espécies certamente foram extintas sem nem mesmo terem sido catalogadas pelos cientistas”, lamenta Carvalho.
A medalha de bronze para o Brasil pelo o terceiro lugar em diversidade de répteis deve ser comemorada, mas outro ranking é motivo de alerta. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, 80 espécies de répteis estão ameaçadas de extinção, praticamente uma em cada dez espécies.
Para que estratégias de conservação sejam mais efetivas, é preciso entender melhor sobre a nossa fauna. Assim, a elaboração da lista é só o primeiro passo. É preciso compreender que a grande maioria dos répteis é completamente inofensivo – mesmo as espécies venenosas só costumam causar acidentes quando invadimos o espaço delas. Na próxima vez que encontrar um réptil em seu caminho, tome um tempo para admirá-lo. Mas, cuidado, ele pode entrar na lista dos seus animais favoritos.
Pedro Peloso é biólogo, fotógrafo e Explorador da National Geographic. Ele estuda a diversidade de anfíbios e répteis na América do Sul. Siga seu trabalho no Instagram e no Facebook.