Descoberta surpreendente ligação entre o lagostim e o mosquito

Lagostim, lagostim-vermelho ou lagostim-americano — qualquer que seja o nome, esses crustáceos invasores podem estar colaborando com a proliferação de mosquitos.

Por Jake Buehler
Publicado 12 de set. de 2018, 10:38 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O prolífico lagostim-vermelho (Procambarus clarkii), nativo do sudoeste dos EUA, invadiu ecossistemas de águas doces no ...
O prolífico lagostim-vermelho (Procambarus clarkii), nativo do sudoeste dos EUA, invadiu ecossistemas de águas doces no mundo inteiro — inclusive águas nas Montanhas de Santa Monica, na Califórnia.
Foto de Juan Aunion, Alamy

O lagostim-vermelho — conhecido também como lagostim-americano — já representa uma antiga tradição enquanto deliciosa refeição da culinária cajun, e ele pode se sentir em casa no seu prato. Delicioso ou não, o lugar dele certamente não é no sul da Califórnia, nem mesmo nos diversos outros locais do mundo onde passaram a ser uma espécie invasora. Agora, uma nova pesquisa indica que ele também apresenta perigos para as pessoas, uma vez que a presença dele em cursos d'água permite a proliferação de mosquitos, o que pode aumentar o risco de doenças transmitidas por esses insetos.

Os lagostins-vermelhos (Procambarus clarkii) são nativos dos escuros pântanos do sudeste dos EUA, mas já estão em todos os continentes, exceto Austrália e Antártida, causando crises ecológicas e ameaçando espécies nativas, ao mesmo tempo em que também são portadores de parasitas que podem ser mortais, como o verme pulmonar de ratos.

"Ele pode danificar infraestruturas, como barragens de aterro, com suas tocas", afirma Eric Larson, biólogo da Universidade de Illinois, Urbana-Champaign, que não participou desse estudo, ainda observando que os lagostins podem deixar turvos os lagos antes límpidos, pela destruição das plantas aquáticas. “E ele normalmente vence e causa o deslocamento de lagostins nativos”.

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Gary Bucciarelli — cientista pesquisador da Universidade de Califórnia, Los Angeles, e principal autor do novo estudo — estava capturando e retirando lagostins nas montanhas de Santa Monica, na Califórnia, quando seus colegas e ele fizeram a descoberta, publicada em agosto na revista científica Conservation Biology.

Os mosquitos Culex — como esta fêmea cheia de sangue — são encontrados na área de Los Angeles e são vetores do vírus da Febre do Nilo Ocidental e dos vírus da encefalite.
Foto de Joël Sartore, National Geographic Creative

Dada a reputação do lagostim-vermelho, quando Bucciarelli e sua equipe notaram que os córregos carregados de lagostins pareciam ter números maiores de larvas de mosquitos, tal fato chamou a atenção dos pesquisadores. "Também encontramos muito poucas ninfas de libélulas nos córregos com lagostins", afirma Bucciarelli, referindo-se à fase juvenil da libélula, que vive na água e são vorazes predadores das larvas dos mosquitos.

A equipe analisou treze córregos das Montanhas de Santa Monica, das quais cinco não tinham registro de lagostins invasores ou todos eles haviam sido removidos nos últimos anos. As outras oito populações de lagostins criadas datam dos anos de 1960, mais ou menos na época em que teve início a invasão no sul da Califórnia — possivelmente em função de pescadores esportivos que costumavam jogar fora as sobras de iscas.

Como era de se esperar, os cientistas descobriram que os córregos sem lagostins tinham grandes quantidades de ninfas de libélulas e poucas larvas de mosquitos. O inverso também ocorreu nos locais em que havia lagostins — abundância de mosquitos, com escassez de ninfas.

Bobinhas medrosas

Para descobrir como os lagostins estavam estimulando a proliferação de mosquitos, os pesquisadores montaram tanques no laboratório com diferentes combinações desses três agentes. Quando sozinhas, as ninfas de libélulas devoravam as larvas de mosquitos, sendo predadores muito mais eficientes que os lagostins. Contudo, quando dividiam o espaço com os lagostins, a proeza caçadora desses insetos desaparecia.

O fato não é só que as jovens libélulas eram devoradas pelos lagostins — esses grandes e assustadores crustáceos distraíam e assustavam as ninfas, que até paravam de tentar comer os mosquitos.

"As espécies nativas [de libélulas] não sabem se adaptar a eles e fazem coisas que revelam sua má adaptação", afirma Bucciarelli, como se esconder ou pousar em locais estranhos — como nas garras do lagostim —, colocando-as na rota do perigo.

E uma maior quantidade de mosquitos se traduz em mais problemas para as pessoas. Das dezesseis espécies de mosquitos na Grande Los Angeles, somente uma não é vetor de doenças humanas.

Criando um "cenário de medo"

Por sua simples presença, os lagostins jogam as libélulas num “cenário de medo”, em que a presença de ameaças predatórias distorce o comportamento das presas temerosas. Isso pode gerar efeitos que refletem em todo o ecossistema — por exemplo, mediante o retorno de lobos ao Parque Nacional de Yellowstone, os cautelosos uapitis mudaram seus hábitos de pastagem, permitindo que as plantas não pastadas ficassem altas.

Para Bucciarelli, reconhecer o possível papel dos lagostins invasores na saúde pública é entrar em um território fascinante e inexplorado. Chelsea Wood, ecologista de doenças da Universidade de Washington não envolvida nesse estudo, concorda.

"Estou muito contente de ver esse tipo de trabalho", diz Wood, "porque acho que, por muito tempo, a pesquisa de doenças era território dos médicos, e os médicos não pensam no que acontece fora do paciente humano. Só agora estamos descobrindo todas essas interações ecológicas muito interessantes que determinam o risco de doenças nas pessoas."

É parecido com o que acontece quando populações humanas causam o deslocamento de predadores, permitindo o crescimento de populações de pequenos mamíferos que atuam como reservatórios da doença de Lyme e, juntamente com eles, o número de carrapatos infectados.

Mas Wood observa que as perturbações nos ecossistemas locais nem sempre resultam num maior risco de doenças. Por exemplo, no Quênia, um trabalho dos anos 1990 revelou que os lagostins invasores são predadores insaciáveis de caramujos de água doce, que são hospedeiras do parasita que causa esquistossomose — doença debilitante que aflige mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo. Com a introdução intencional de lagostins-vermelhos, houve um declínio da esquistossomose.

Wood afirma que a pesquisa revela um padrão intrigante que merece mais estudo, mas observa que pode haver outros fatores desconhecidos que influenciem a distribuição dos lagostins, libélulas e mosquitos entre os córregos.

Invasão aumentando

As mudanças climáticas podem piorar esse possível problema de saúde pública, diz Bucciarelli. Os anos de alta precipitação literalmente "limpam" a bacia hidrográfica de lagostins nas corredeiras de rápida inundação. Mas, à medida que os padrões climáticos vão mudando e a região passa por mais períodos de seca, esses tipos de eventos purificantes ficam mais raros.

Em relação aos mosquitos, pelo menos uma espécie de mosquito Culex encontrada na região e que é hospedeira de vírus causadores da Febre do Nilo Ocidental e encefalite deve expandir sua área de cobertura em futuros cenários climáticos. Com os lagostins invasores impulsionando as populações, essa combinação preocupa.

Por enquanto, há razão suficiente para analisar melhor essa relação entre os lagostins e os mosquitos. Uma medida crucial é manter esses agressivos invasores fora dos ecossistemas nativos, para começar.

“Os lagostins são comuns nos comércios de frutos do mar vivos, suprimentos biológicos, aquários e iscas”, afirma Larson. "Precisamos muito cuidar para impedir a liberação desses organismos no meio ambiente."

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