Como as leoas-asiáticas protegem seus filhotes de machos assassinos

Infanticídio é comum entre os leões da Índia, mas as fêmeas desenvolveram uma estratégia inteligente para salvar as crias.

Por Grant Currin
Publicado 30 de mai. de 2019, 18:23 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Uma leoa-asiática descansa com seus dois filhotes no Parque Nacional da Floresta de Gir.
Uma leoa-asiática descansa com seus dois filhotes no Parque Nacional da Floresta de Gir.
Foto de Uri Golman, Nature Picture Library

A leoa conhecida como FLG10 é boa mãe e feroz caçadora, além de prover sustento aos seus filhotes na última fortaleza de leões-asiáticos em Gujarate, na Índia.

Mas, até recentemente, ninguém sabia que mãe extraordinária ela realmente é.

Como a maioria das fêmeas jovens dessa subespécie de leões ameaçada de extinção, a FLG10 atingiu a maturidade sexual e acasalou com membros de sua coalizão primária, o grupo de machos que ronda o território do seu bando com mais frequência no Parque Nacional da Floresta de Gir.

Por volta do ano de 2015, ela fez algo nunca antes observado em leões: acasalou com machos de uma coalizão próxima. E, em seguida, com machos de outra.

Para os cientistas que a rastreavam, a FLG10 pareceu acasalar tendo uma estratégia em mente. E, de fato, tinha.

Ao acasalar com machos de cada coalizão que entrava em seu território, a leoa, agora com 10 anos de idade, provavelmente estava protegendo seus filhotes do infanticídio ao deliberadamente esconder a identidade do pai deles.

E funcionou — nenhum de seus filhotes foi morto, afirmam os pesquisadores em um novo estudo publicado na revista científica Behavioral Ecology.

“Se um leão adulto se depara com um filhote que ele acha que não foi gerado por ele, ele mata esse filhote”, o que leva a fêmea a procriar novamente, explica o coautor do estudo, Stotra Chakrabarti, biólogo do Instituto da Vida Selvagem da Índia.

“As fêmeas acasalam com diversos machos e confundem a paternidade entre os machos, de forma que eles consideram que todos os filhotes são seus”.

Estratégia bem-sucedida

Além de observar leões com rádio-colar, Chakrabarti e sua equipe montou a árvore genealógica da FLG10 utilizando dados observacionais coletados por pesquisadores desde a década em que seu mentor, Yadvendradev Jhala, iniciou o projeto de monitoramento em longo prazo, em 1996.

Depois, para ver se outras fêmeas estavam usando a mesma estratégia, a equipe passou quatro anos monitorando nove bandos de fêmeas — incluindo o da FLG10 — e 11 coalizões de machos. Os resultados mostraram que elas frequentemente eram bem-sucedidas.

Por fim, cada leoa que deu à luz pelo menos duas vezes durante o andamento do estudo foi vista acasalando com vários machos. Surpreendentemente, nenhuma leoa perdeu seus filhotes para uma coalizão com cujos membros ela havia acasalado.

No entanto, há algumas incógnitas na hipótese de acasalamento com múltiplos machos, observa Craig Packer, diretor do Lion Research Center na Universidade de Minnesota.

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    Por exemplo, presume-se que machos de diferentes coalizões não sejam irmãos nem primos. Se forem, eles têm outros motivos para não cometerem infanticídio, diz Packer, que também é um explorador da National Geographic.

    Da Ásia à África

    O acasalamento com múltiplos machos não é algo observado em leões-africanos, provavelmente devido à diferença na disponibilidade de presas entre os dois grupos, diz Meredith Palmer, pesquisadora de pós-doutorado de Princeton.

    A abundância de cervos em Gir e ao seu redor levou os leões-asiáticos a desenvolverem um sistema social composto de bandos de fêmeas com duas a quatro leoas e coalizões de machos geralmente com dois membros. Os leões compartilham suas presas, então as presas menores em Gir sustentam mais facilmente grupos menores. Os bandos ocupam territórios pequenos, e as coalizões patrulham extensões maiores que contêm vários bandos. O problema para os filhotes é que os territórios de coalizão se sobrepõem, o que significa que provavelmente os filhotes encontrarão machos sem parentesco.

    Isso não é um problema para os leões-africanos. Presas grandes e migratórias sustentam grandes bandos que são exclusivos (durante alguns anos) de uma única coalizão. As fêmeas são fieis a seus parceiros de procriação e os pais e tios mantêm machos potencialmente infanticidas longe até que sejam substituídos por outra coalizão.

    Esse estudo agrega conhecimento a um volume cada vez maior de pesquisas que possibilitam comparações das espécies asiática e africana e suas sociedades.

    “Os leões têm uma variabilidade comportamental maior do que imaginávamos”, explica Palmer. “Talvez estejam se adaptando geneticamente, mas definitivamente estão adaptando seu comportamento a essas diferentes circunstâncias”.

    Machos pilhadores

    A genialidade da estratégia de acasalamento com múltiplos machos é que aumenta os riscos para os machos, diz Chakrabarti.

    “Para os machos, a perda por matar seus próprios filhotes é tão grande que eles simplesmente não matam nenhum filhote se estiverem familiarizados com as fêmeas”, explica.

    Uma tragédia atingiu o bando da FLG10 em 2017, quando uma nova coalizão de machos assolou o território, matando seus filhotes fêmeas e machos junto com o restante de todos os leões jovens do bando. Após lutar contra a coalizão primária de acasalamento, os novos machos se estabeleceram como os líderes.

    “Eles querem que sua própria cria nasça e prospere. Então se essas fêmeas já tiverem filhotes, esses machos não querem esperar até que esses filhotes cresçam”, conta Palmer.

    Embora nenhuma mãe queira perder seus filhotes, os machos invasores podem, na verdade, beneficiar a espécie em longo prazo ao injetar nova diversidade genética ao bando.

    E, com cerca de apenas 600 animais restantes na natureza, os últimos leões-asiáticos precisam de toda a ajuda que conseguirem.

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