Ornitorrincos em perigo: o declínio silencioso dos queridinhos da Austrália

Estudos recentes sugerem que o mamífero de bico de pato está sob ameaça devido aos séculos de caçada e perda de habitat.

Por Christie Wilcox
Publicado 12 de set. de 2019, 16:18 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Um ornitorrinco é solto no Rio Little Yarra em Victoria, Austrália, em 2018.
Um ornitorrinco é solto no Rio Little Yarra em Victoria, Austrália, em 2018.
Foto de Douglas Gimesy

ornitorrinco é uma das espécies mais amadas da  Austrália — e, aparentemente, uma das mais resilientes. Mesmo que muitas das faunas nativas do continente tenham diminuído ou desaparecido no século 21, o peculiar mamífero de bico de pato com membranas nas patas era visto com tanta regularidade que havia pouca urgência em monitorar as populações do animal. Isso até que biólogos começassem a perceber que os moradores de água doce  não estavam bem, e que provavelmente não estiveram bem esse tempo todo.

“Os ornitorrincos sofreram um declínio bem debaixo de nossos narizes”, diz Tahneal Hawke, pesquisadora da Iniciativa de Conservação de Ornitorrincos. “Temos uma grande área de abrangência dos ornitorrincos onde nós literalmente não sabemos se, ao menos, eles estão lá ou em quantos eles são, se é que existem.”

Hawke é coautora de um novo estudo que pesquisou séculos de dados históricos e sugere que os ornitorrincos — encontrados em rios e córregos por toda a região leste da Austrália e da Tasmânia — têm despencado em número devido à caça, perda de habitat e mudanças climáticas.

Pesquisadores de ornitorrincos tiram as medidas de um ornitorrinco capturado como parte de um estudo pela agência Melbourne Water em Healesville, Austrália.
Foto de Douglas Gimesy

Alguns cientistas começaram a alertar sobre o declínio dos ornitorrincos no início dos anos 1980, mas seus avisos chegaram a ouvidos surdos. Então, à medida que mais e mais dados de programas de monitoramento de longo prazo criados nos anos de 1980 e 1990 começaram a se encaixar, notou-se que a presença do sempre leal ornitorrinco estava se reduzindo.

“Nós temos monitorado ornitorrincos desde 1995”, explica Tiana Preston, planejadora de recursos ambientais de água da agência estadual de Victoria Melbourne Water, “e o declínio é evidente.”

Quando a UICN reavaliou os ornitorrincos em 2016, o grupo estimou que as populações caíram cerca de 30 por cento na média geral desde que os europeus chegaram — o suficiente para elevar o status do animal para “quase ameaçado”.

Alguns cientistas acham que isso é uma subavaliação. “Não há uma grande quantidade de dados precisos, mas os dados que temos sugerem que nossa estimativa de onde vem essa base de referência está errada”, diz o coautor Gilad Bino, pesquisador membro da Universidade de Nova Gales do Sul. “Eu não ficaria surpreso se os números tivessem reduzido pela metade ou até mais.”

Gilad Bino (esquerda) e Tahneal Hawke, ambos da Iniciativa de Conservação de Ornitorrincos da Universidade de Nova Gales do Sul, examinam um ornitorrinco anestesiado, que foi equipado com um transponder de rádio temporário para ter seus movimentos rastreados.
Foto de Douglas Gimesy

Como tamanha perda pode ter passado despercebida? Parte do motivo é porque ornitorrincos são tímidos, criaturas noturnas que são difíceis de encontrar e contar, então não os ver não é algo estranho. Mas, principalmente, o declínio não foi notado porque esses animais eram considerados tão comuns que ninguém ficava de olho neles. Com o tempo, todo mundo se esqueceu de quantos existiam, então foi presumido que os números não tinham mudado tanto — um fenômeno conhecido na ecologia como shifting baseline.

O ornitorrinco não é só um carnívoro importante de água doce, ele é uma preciosidade evolucionária, um dos últimos monotremados sobreviventes — ou mamíferos que botam ovos — que sobraram na Terra. E nós apenas começamos a descobrir sua riqueza de segredos, desde antibióticos que salvam vidas em seu leite a possíveis curas para diabetes em seu veneno.

Peludo favorito

Quando os europeus foram à Austrália no século 17, os ornitorrincos se tornaram os favoritos dos comerciantes de pele por suas peles à prova d’água e macias, e o negócio cresceu por séculos até que a caça foi proibida no início do século 20.

“Encontramos um registro em particular que sugere que um único negociante vendeu 29 mil ornitorrincos”, diz Hawke.

Os animais continuaram a serem vistos nas mesmas bacias hidrográficas, com exceção de muitas perdas na Austrália do Sul. É por isso que, naquele estado, os ornitorrincos são listados como “ameaçados de extinção”, mas ele não é protegido por nenhuma legislação federal de espécies ameaçadas de extinção.

Apesar de parecer surpreendente que essa caça tão intensa não pareça levar a declínios drásticos, Hawke diz que não estávamos olhando a imagem como um todo.

Por isso, é difícil dizer o quanto uma espécie sofreu declínio sem uma ideia sólida de quantos animais existiam. E pesquisas rigorosas sobre a população dos ornitorrincos são irregulares, tanto geográfica quanto historicamente.

Parte disso é logístico. “É notoriamente difícil de estudar ornitorrincos”, diz Preston. Eles são tímidos e noturnos, então pesquisas diurnas tendem a perdê-los. E outros métodos para rastrear espécies — como trilha ou exame das fezes — não funcionam porque os animais passam a maior parte do tempo na água.

Agora, pesquisadores estão entendendo tecnologias como testes ambientais de DNA para captar a presença deles na água, e marcação acústica para seguir os movimentos deles. Existe até um aplicativo chamado PlatypusSpot que permite que cientistas da cidade registrem avistamentos. Mas nada disso pode dizer aos pesquisadores como eram as populações deles antes de 1980 — ou mesmo 1780.

O pesquisador de ornitorrinco Joshua Griffiths, auxiliado por Samuel Bell, recolhe um ornitorrinco de uma rede em McMahons Creek, Austrália. O animal foi medido, teve o microchip checado, e prontamente foi devolvido à água.
Foto de Douglas Gimesy

Para o estudo, Hawke e colegas investigaram 258 anos de documentos históricos — mais de 11.000 registros no total — para reunir tudo o que eles podiam sobre a quantidade e distribuição dos animais, e então compararam isso com todos os dados modernos que eles puderam achar, incluindo relatórios dos avistamentos através do PlatypusSPOT.

Embora ela não tenha conseguido calcular números exatos de dados tão variáveis, a tendência estava clara — existem muito menos ornitorrincos hoje do que já existiram no passado. Lugares onde, há um século, uma ou duas dúzias dos animais podiam ser pegos em um dia, agora são encontrados menos de um bocado depois de uma noite exaustiva de procura, se os pesquisadores derem sorte.

Mergulhando na história

“Para espécies como o ornitorrinco, cujo declínio da população aconteceu antes que ecologistas começassem a estudá-los, esses tipos de observações históricas são extremamente valiosas”, diz Loren McClenachan, uma ecologista histórica com a Colby College de Maine que não estava envolvida com o estudo. “É um excelente uso de dados históricos para entender a dinâmica populacional de uma espécie icônica.”

Mas nem todo mundo concorda. Peter Temple-Smith e Frank Carrick estão entre um grupo de pesquisadores de ornitorrincos que acham que as fontes históricas não são muito confiáveis para fazer afirmações sobre populações do passado. Eles dizem que pesquisas mais robustas são necessárias para determinar se áreas com menos avistamentos relatados realmente são áreas com menos animais.

“Relatórios históricos podem ser muito importantes para entender a ecologia atual, mas exigem um cuidado considerável na interpretação”, diz Carrick.

Bino concorda que é difícil comparar tipos de dados tão desiguais, mas diz que o objetivo da equipe nunca foi dar um número exato de quanto a população desses animais declinou.

“Há valor e mérito ao relatar observações antigas, mesmo que eles não seguissem nenhuma pesquisa sistemática”, ele diz, e nesse caso especificamente, tal trabalho “destaca lacunas significativas de conhecimento.”

Futuro incerto

Entretanto, no geral, especialistas concordam quanto aos ornitorrincos estarem sofrendo e que continuarão a sofrer declínio se nada mudar.

Por exemplo, Hawke e colegas estão pesquisando como grandes barragens impactam os ornitorrincos; se não for bem gerenciada, uma única barragem pode, essencialmente, eliminar os ornitorrincos que vivem acima e abaixo dela, de acordo com seus dados preliminares.

Entender as nuances de ameaças como essa irá ajudar pesquisadores a determinar as melhores formas de proteger os animais.

“Estamos todos preocupados em continuar a conservação desses animais como uma espécie emblemática para as hidrovias do leste da Austrália depois de 160 milhões de anos de evolução — especialmente porque é a última espécie existente de sua linha evolutiva”, diz Temple-Smith.

E as criaturas estranhas não são amadas apenas por cientistas.

“Todo mundo que você encontra... Eles têm uma história sobre quando eles viram um ornitorrinco na natureza”, diz Preston. “E quando eles contam a história, eles se iluminam… Mas está se tornando cada vez mais raro que as crianças vivenciem isso.”

 

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