Como o inseticida mais popular do mundo levou os peixes de uma região ao colapso

Os neonicotinoides aniquilaram o plâncton e os peixes de um lago japonês e provavelmente estão prejudicando ecossistemas aquáticos em todo o mundo, sugerem novas pesquisas.

Por Douglas Main
Publicado 18 de nov. de 2019, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
As populações de enguias japonesas (Anguilla japonica) e do peixe da família Osmeridae diminuíram expressivamente após ...
As populações de enguias japonesas (Anguilla japonica) e do peixe da família Osmeridae diminuíram expressivamente após a introdução dos inseticidas neonicotinoides perto do Lago Shinji, no Japão, em 1993.
Foto de Paulio Oliveria, Alamy

EM MAIO DE 1993, produtores de arroz que moram perto do Lago Shinji, no sudoeste do Japão, passaram a utilizar um inseticida chamado imidacloprida com bastante frequência.

No mesmo ano, populações de artrópodes que formam a base da cadeia alimentar, como crustáceos e zooplâncton, entraram em declínio. No fim de 1994, também despencaram as populações da enguia e do peixe da família Osmeridae, duas espécies de peixes comercialmente importantes que se alimentam desses animais. E como o uso de imidacloprida e de outros neonicotinoides cresceu ao longo dos anos, os peixes nunca se recuperaram.

Essas conclusões, extraídas de um estudo publicado na revista científica Science no início de novembro, são as primeiras a mostrar que os neonicotinoides, uma classe de inseticidas tóxicos entre os mais populares no mundo, podem penetrar ecossistemas aquáticos e prejudicar expressivamente a indústria pesqueira, reduzindo drasticamente sua produção. Além disso, os cientistas acreditam que o Japão não seja um exemplo isolado, mas uma ilustração dramática do potencial dos neonicotinoides em prejudicar gravemente ecossistemas aquáticos em todo o mundo.

A situação no Lago Shinji é única, pois os cientistas estudam as populações de peixes no local desde pelo menos o início da década de 1980 — mais de uma década antes e após a introdução dos inseticidas, ocorrida em 1993. Dados assim são raros. Pesquisadores do Lago Shinji registraram um grande volume de informações sobre a qualidade da água, as populações de artrópodes e zooplâncton e a quantidade de peixes.

Isso permitiu que os autores do estudo, liderados por Masumi Yamamuro, pesquisadora da Geological Survey of Japan (Organização de Pesquisa Geológica do Japão) e da Universidade de Tóquio, encontrassem uma nítida correlação entre a introdução dos neonicotinoides e o colapso da cadeia alimentar.

Quando os cientistas calcularam a média das populações de zooplâncton no lago (minúsculos crustáceos e outros animais dos quais os peixes se alimentam) ao longo de 12 anos antes e após a introdução dos neonicotinoides em 1993, descobriram que a biomassa média de zooplâncton havia diminuído 83%.

A larva do mosquito da espécie Chironomus plumosus não foi encontrada em nenhuma pesquisa de 2016. Foi um choque para Yamamuro.

“Fiquei tão surpresa”, afirma ela. “Em 1982, quando fazia faculdade, havia toneladas deles”.

Darren Walls, assessor de imprensa da Bayer Crop Science, à qual a Monsanto foi incorporada quando as duas empresas se fundiram em 2018, contestou a clara ligação entre o uso de neonicotinoides e o colapso dos peixes. A Bayer é um dos maiores produtores de neonicotinoides.

“As fortes conclusões mencionadas na publicação claramente não têm fundamento”, afirma Wallis, pois “é de amplo conhecimento que ambientes aquáticos são sistemas dinâmicos que podem ser influenciados por inúmeras variáveis físico-químicas”.

Mas seis outros pesquisadores entrevistados pela National Geographic (nenhum dos quais participou diretamente do estudo), discordaram — e muitos ficaram surpresos com a estreita correlação demonstrada.

“Esse estudo é convincente ao mostrar que o declínio da enguia e do peixe da família Osmeridae, duas espécies de grande importância comercial, foi provocado por neonicotinoides, uma vez que nenhum dos demais fatores que poderiam afetar os peixes se alterou ao longo do tempo”, afirma Francisco Sanchez-Bayo, ecotoxicologista da Universidade de Sydney, que não participou do estudo.

Embora o estudo tenha mostrado apenas uma ligação entre o uso de pesticidas e o colapso das populações de peixes, o declínio quase imediato do plâncton e dos peixes após a introdução de neonicotinoides não pode ser explicado de outra forma, acrescenta Sanchez-Bayo. Por exemplo, os diversos outros fatores causais possíveis, como salinidade, clorinidade, teor de sedimentos, oxigênio dissolvido e outras medidas de qualidade da água, não se alteraram significativamente ao longo dos anos.

Olaf Jensen, especialista nos impactos de poluentes aquáticos na Universidade Rutgers, compara os impactos dos neonicotinoides a um grande elemento de estresse contínuo. “A aplicação anual de pesticidas é uma perturbação ambiental recorrente, como um derramamento de óleo bastante discreto”, afirma ele.

Falta de dados aquáticos

Os neonicotinoides, também chamados de neônicos, foram produzidos pela primeira vez em larga escala na década de 1990. Essas substâncias, que são quimicamente semelhantes à nicotina, foram aclamadas como alternativas mais seguras aos produtos químicos industriais que substituíram, pois são mais seletivamente tóxicas aos artrópodes e menos letais a grandes animais como mamíferos. As substâncias químicas agem bloqueando os receptores presentes no sistema nervoso dos insetos, causando paralisia e morte.

No entanto cada vez mais pesquisas mostram que as substâncias químicas podem ter consequências inesperadas. Por exemplo, são fatais para várias espécies de abelhas e borboletas, e os três neonicotinoides mais amplamente utilizados — a imidacloprida, a clotianidina e o tiametoxam — tiveram suas aplicações para uso externo banidas na União Europeia por esse motivo.

Mas seu impacto nos ecossistemas marinhos e de água doce foi bem menos estudado, afirma Jason Hoverman, especialista em ecologia aquática da Universidade de Purdue.

“Embora a pesquisa sobre neonicotinoides tenha se concentrado predominantemente em sistemas terrestres, esse estudo sugere a existência de efeitos adversos nos sistemas aquáticos e a alteração da cadeia alimentar”, afirma Hoverman.

São inseticidas sistêmicos, o que significa que as plantas os absorvem e os armazenam em suas folhas e outros tecidos vegetais. As substâncias químicas são bastante utilizadas para revestir sementes; mas esses revestimentos geralmente são lixiviados no solo e escoados até correntes d'água. A contaminação de águas superficiais com neonicotinoides, como lagos e córregos, é comum em todo o mundo, como demonstrado por estudos.

O documento sugere que os órgãos reguladores talvez precisem repensar como são aprovadas essas substâncias químicas, ou quais estudos precisam ser realizados antes da aprovação, sugere Dave Goulson, professor de biologia da Universidade de Sussex, na Inglaterra, que escreveu uma carta, com 232 outros signatários, defendendo mais restrições às substâncias.

Geralmente, os estudos regulatórios incluem impactos em curto prazo em animais específicos — mas os impactos indiretos e em longo prazo, como os da cadeia alimentar, não são estudados, acrescenta Jensen, da Universidade de Rutgers, que escreveu um texto analítico a partir de sua perspectiva, que acompanha o estudo da Science.

Nas análises de quaisquer pesquisadores, geralmente são encontrados grandes problemas com os neonicotinoides. Por exemplo, um estudo de setembro na revista científica Science encontrou uma ligação entre o uso de neonicotinoides e grandes impactos nas aves, cujas populações estão em declínio.

É mais um entre um número crescente de estudos que conclui que os neonicotinoides podem reduzir populações de insetos não alvos e que esses produtos químicos contribuem para o declínio global de artrópodes.

Um problema global

Yamamuro afirma que os impactos podem ser especialmente notáveis em Shinji, porque é um ambiente salobro, com menos diversidade de espécies que lagos de água doce — e, portanto, mais suscetível a danos por neonicotinoides.

“Acredito que podem ter ocorrido colapsos semelhantes em outros ambientes salobros, como lagoas e estuários distantes do mar, nos países que cultivam arroz e aplicam neonicotinoides”, afirma ela.

Os pesticidas são facilmente absorvidos e escoados pela água nos arrozais, e Yamamuro acredita que os impactos desse tipo de agricultura sejam particularmente significativos. Contudo, como os neonicotinoides são solúveis em água e persistentes, o problema da contaminação é global, conta ela, e provavelmente ocorrerá mesmo em áreas onde os neonicotinoides são aplicados em cultivos em terra seca, como milho e soja.

“Os neonicotinoides precisam ter uma regulamentação muito mais rigorosa”, afirma Nathan Donley, do grupo ambientalista Center for Biological Diversity, que sugere que esse estudo é mais uma razão para investir mais em pesquisas sobre meios não químicos de controle de pragas, como a policultura, o uso de plantas de cobertura e outros.

Hoverman, da Universidade de Purdue, concorda que “um desafio permanente para a sociedade é equilibrar a necessidade de produção de alimentos com os impactos ambientais dessas atividades”.

“Obviamente, o objetivo dos pesticidas é matar e, quando aplicados na natureza, eles cumprem esse objetivo. Investir em tecnologias que reduzam nossa dependência de pesticidas reduziria os impactos ambientais.”

Os pesquisadores encerraram o estudo citando o clássico de Rachel Carson, de 1962, intitulado Primavera Silenciosa, sobre pesticidas: “Aplicações na forma de pulverizações, pós e aerossóis são agora realizadas quase universalmente em fazendas, jardins, florestas e residências — são substâncias químicas não seletivas, que têm poder para matar qualquer espécie de insetos, tantos os ‘bons’ quanto os ‘maus’. Têm poder para silenciar o canto dos pássaros e deter o salto dos peixes na correnteza.”

Agora, quase 60 anos depois, notam que as palavras de Carson são assustadoramente proféticas. “O impacto ecológico e econômico dos neonicotinoides nas águas interiores do Japão confirma a profecia de Carson”, concluem.

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