Diversos animais selvagens sabem ‘fazer cálculos’ — e isso os ajuda a sobreviver

Uma das análises mais abrangentes sobre os animais que utilizam números revelou que essa habilidade é difundida — e provavelmente vital — na natureza.

Por Virginia Morell
Publicado 7 de mai. de 2020, 07:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
As abelhas conseguem rastrear a quantidade de pontos de referência pelos quais passaram em seus trajetos ...

As abelhas conseguem rastrear a quantidade de pontos de referência pelos quais passaram em seus trajetos a partir de sua colmeia.

Foto de Joe Petersburger, Nat Geo Image Collection

Imagine que você seja um pequeno mamífero como o esquilo-terrestre, suscetível a se tornar a refeição de um animal maior. Você nota uma caverna espaçosa ao longe — mas dois ursos enormes já estão entrando nela. Alguns minutos depois, um deles sai de lá de dentro. A caverna é segura para você? É esse o tipo de cálculo em tempo real que a maioria das espécies de animais realiza diariamente.

Além de evitar predadores, a capacidade de distinguir quantidades pode ajudar a resolver uma série de problemas, como encontrar um parceiro, procurar alimento e se movimentar.

Recentemente, em uma das análises mais abrangentes realizadas até o momento, um cientista reuniu todas as pesquisas sobre o assunto e descobriu que, de abelhas a pássaros e lobos, diversos animais têm a capacidade de processar e interpretar números — sendo possível afirmar que se trata de uma forma de realizar cálculos.

Além disso, o novo estudo sugere que essa habilidade matemática ajuda os animais a se manterem vivos em um mundo brutal. Essa descoberta amplia nosso conhecimento sobre cognição animal, um campo que vem crescendo exponencialmente nos últimos anos.

“As habilidades de realização de cálculos já foram consideradas uma habilidade exclusivamente humana, talvez devido à associação percebida entre a habilidade matemática avançada e a inteligência”, diz Lars Chittka, ecologista comportamental da Universidade Queen Mary de Londres, que não participou do estudo.

Mas a pesquisa, publicada na nova edição da revista científica Trends in Ecology and Evolution, “demonstra que as habilidades numéricas básicas são bastante difundidas no reino animal e podem ser benéficas na luta pela sobrevivência.”

Facilidade com números

Para o estudo, o neurobiólogo Andreas Nieder, da Universidade de Tuebingen, na Alemanha, analisou a literatura atual relacionada à forma como diferentes espécies animais assimilam os números.

Depois de ler quase 150 artigos científicos sobre o tema, ele concluiu que “a competência numérica está presente em quase todas as ramificações da árvore da vida dos animais.”

Uma matilha de lobos investiga rastros de urso-pardo no Pelican Valley de Yellowstone.

Foto de Ronan Donovan, Nat Geo Image Collection

Não surpreendeu o fato de sua análise mostrar que muitas espécies dependem dos números para encontrar alimento.

Em estudos de laboratório, por exemplo, os sapos-de-barriga-de-fogo orientais dependem de um método chamado “sistema numérico aproximado” na escolha entre diversos grupos de alimentos. Para os sapos, um grupo com três itens representava uma escolha tão boa quanto quatro, mas quando os números mudavam para três e seis, ou quatro e oito, eles sempre escolhiam o grupo de maior número.

Foi constatado que as abelhas lembram o número de pontos de referência no trajeto a partir de suas colmeias até um campo de flores, para que consigam encontrar o caminho de volta para casa. E a formiga-do-deserto da espécie Cataglyphis fortis contabiliza seus passos para rastrear a distância percorrida a partir de seu ninho em trajetos em busca de alimento.

Outras espécies, como os lobos-cinzentos, precisam saber o número certo de animais que compõem sua matilha para caçar presas específicas. São necessários de seis a oito lobos para caçar cervos e alces, por exemplo, enquanto a caça de bisões exige uma matilha formada por nove a 13 indivíduos.

Suas presas também utilizam números para se beneficiar; os cervos se dispersam em bandos menores para evitar encontrar com lobos, ou se reúnem em bandos com um maior número de indivíduos para reduzir suas chances de se tornarem vítimas, uma tática descrita na área da biologia como “segurança numérica”.

Lutar ou fugir

Muitas espécies precisam avaliar a força e o número relativo de adversários antes de entrar em uma disputa por território ou por um companheiro.

Por exemplo, os bandos de leoas-africanas são conhecidos por ouvir atentamente aos rugidos de outros bandos próximos antes de escolher entrar na briga. Em um experimento clássico no Parque Nacional Serengeti, na Tanzânia, um bando ouviu gravações do rugido de uma única fêmea intrusa desconhecida, o que fez os animais partirem imediatamente para o ataque.

Mas o bando hesitava ao ouvir gravações de três ou mais leoas vocalizando. A melhor forma de identificar se as leoas escolheram se aproximar foi a partir da proporção entre o número de defensoras adultas e o número de intrusas.

“Obviamente elas estavam avaliando o número de indivíduos em seus grupos para lidar com as situações cotidianas”, diz Nieder. “Portanto, a capacidade de diferenciar os números precisa estar fortemente relacionada à sobrevivência e reprodução.”

‘Totalmente fascinante’

Karl Berg, ornitólogo da Universidade do Texas, no Vale do Rio Grande, em Brownsville, concorda que muitos animais têm “formas sofisticadas de mensurar ou estimar a abundância.”

Por exemplo, ele observou fêmeas jovens de tuins-santos na Venezuela saindo da área de onde nasceram, enquanto os machos permaneciam no local. Alguns anos depois, aconteceu o oposto.

“A decisão de permanecer ou sair do local depende da abundância de comida e da proporção de gêneros”, ou seja, a quantidade de machos em comparação com a quantidade de fêmeas, explica Berg. “É absolutamente fascinante que eles consigam fazer esse tipo de contabilidade. Não sabemos como eles fazem isso.”

“O importante em todos esses estudos é entender a forma como a competência numérica está associada à aptidão — ou seja, o êxito reprodutivo durante a vida de um animal”, adverte.

Em seu estudo, Nieder diz que são necessárias pesquisas adicionais sobre o tema, mas afirma que conduzi-las é um processo difícil e demorado, diz Berg. “Esse tipo de estudo somente pode ser realizado na natureza para que se obtenham resultados realmente significativos.”

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