Fósseis revelam que nem todos os animais com dentes de sabre eram predadores

As grandes presas não serviam apenas para desferir golpes ferozes. Também eram usadas para cortejo e outras exibições — inclusive entre herbívoros.

Por Riley Black
Publicado 17 de ago. de 2020, 11:08 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
O extinto mamífero uintatério, representado aqui em um selo postal do Camboja, viveu há cerca de ...

O extinto mamífero uintatério, representado aqui em um selo postal do Camboja, viveu há cerca de 56 milhões de anos e parecia um rinoceronte com seis chifres grossos e presas longas.

Foto de DBI Studio, Alamy Stock Photo

Nenhum felino é exatamente igual ao esmilodonte. Esse predador da Era do Gelo, que podia ultrapassar o tamanho dos maiores tigres dos dias atuais, contava com uma força incrível nos membros para prender suas vítimas no chão antes de cravar seus caninos de quase 18 centímetros na barriga ou garganta desprotegida da presa. Em museus, revistas em quadrinhos e filmes, o esmilodonte — substantivo de origem grega, com a junção das palavras “faca” e “dente” — é retratado como o protótipo da ferocidade, tendo usado suas presas curvadas para derramar sangue de suas vítimas nas pradarias da América do Norte durante o Pleistoceno.

“Seus sabres provavelmente faziam com que as presas sangrassem mais rapidamente”, diz a paleontóloga Larisa DeSantis, da Universidade de Vanderbilt, em vez das mordidas sufocantes como as dos leões modernos. A tática de caça permitia que o predador atacasse grandes presas, como camelos e cavalos, que também vagavam pelo planeta durante o último período glacial, que terminou cerca de 12 mil anos atrás.

Mas o esmilodonte certamente não era a única fera com dentes de sabre. Esse grande predador foi apenas o último e o maior de uma família inteira de felinos de presas longas que já existia há 16 milhões de anos. Seu parente marsupial Thylacosmilus, por exemplo, tinha presas longas como o esmilodonte. Mas em um recente estudo, os cientistas descobriram que o Thylacosmilus provavelmente nem era um predador. Em vez disso, esse parente dos cangurus e vombates pode ter sido um animal carniceiro, talvez usando seus longos dentes caninos para cortar carcaças abertas e aproveitar ao máximo as refeições abandonadas por outros animais.

“O thylacosmilus não é simplesmente uma versão marsupial de um felino com dentes de sabre”, explica DeSantis. “Sua ecologia pode ter sido muito diferente de qualquer criatura atualmente viva — um carnívoro especializado em órgãos macios”.

Esta ilustração mostra o protomamífero Tiarajudens eccentricus, o mais antigo animal com dentes de sabre conhecido, que viveu cerca de 260 milhões de anos atrás.

Foto de Sergey Krasovskiy, Stocktrek Images via Nat Geo Image Collection

A descoberta destaca como os dentes de sabre apareceram em uma variedade de animais ao longo de centenas de milhões de anos, às vezes surpreendendo os cientistas com sua multifuncionalidade. Até mesmo animais herbívoros desenvolveram dentes alongados, apenas para exibi-los ou usá-los como armas contra rivais enquanto mastigavam folhagem.

“Os caninos podem ser usados por uma série de razões”, diz Julie Meachen, paleontóloga da Universidade Des Moines.

A origem dos dentes

Quando se trata de caninos, os detalhes dentários determinam os verdadeiros dentes de sabre. “O termo dente de sabre refere-se a caninos longos e achatados de lado a lado”, diz Meachen. Às vezes, esses dentes têm serrilhas para cortar com mais facilidade, mas nem sempre.

Muitos primatas — como lêmures, babuínos e chimpanzés — possuem longos dentes caninos. Ao olhar seus crânios, qualquer um poderia ficar tentado a dizer que tinham dentes de sabre. Mas seus caninos são em forma de cone, e não finos e achatados como os do esmilodonte, o que significa que eles não se qualificam como verdadeiros dentes de sabre — apesar de suas impressionantes mordeduras.

O mais antigo animal com dentes de sabre definitivos já encontrado viveu há cerca de 260 milhões de anos — e não era carnívoro. Batizado em 2011 a partir de fósseis encontrados no Brasil, o Tiarajudens eccentricus tinha a estatura de um cão de porte médio e parecia o resultado do cruzamento entre um porco e uma tartaruga. O animal pertencia a um clã de vertebrados chamados sinapsídeos — uma grande família que inclui mamíferos e todos os seus parentes próximos. Dois caninos longos e achatados se originavam do maxilar superior do Tiarajudens, talvez o primeiro par de dentes de sabre do mundo.

Mas o restante dos dentes do protomamífero sugere que ele comia plantas. Então, por que um herbívoro precisaria de presas tão impressionantes? Provavelmente o tiarajudens usava os dentes para se exibir ou talvez em combates entre sua própria espécie. Quando surgia um conflito, o Tiarajudens com os dentes maiores pode ter vencido. E se a intimidação não funcionasse, os animais talvez até tenham mordido uns aos outros para resolver disputas.

Ferramenta multiuso da evolução

Apesar do fato de os paleontólogos descreverem e estudarem os dentes de sabre desde o século 19, determinar como os animais empregavam suas presas suscitou muitos debates. Até o próprio esmilodonte, que sem dúvidas era carnívoro, gerou discussões ao longo das décadas em relação à maneira como matava suas presas. As teorias propostas vão desde usar os dentes como um abridor de latas até sugar o sangue de suas vítimas como se fosse um vampiro.

Graças às modernas técnicas analíticas que permitem aos paleontólogos simular a mordida de predadores com dentes de sabre, apenas recentemente os cientistas chegaram a um consenso de que o esmilodonte  e caçadores similares usavam seus dentes para dar mordidas devastadoras na garganta ou em outras partes moles do corpo, causando danos catastróficos para subjugar suas vítimas rapidamente. E o crânio do esmilodonte mostra perfurações profundas causadas por presas longas, o que sugere que esses predadores não se acanhavam em usar essas armas contra seus semelhantes.

Desde a sua origem antiga no período Permiano, os dentes de sabre aparecem no registro fóssil repetidas vezes. Carnívoros vagamente parecidos com cães chamados gorgonopsianos que viveram entre 252 e 270 milhões de anos atrás — alguns deles eram tão pesados quanto um urso polar adulto — desenvolveram dentes de sabre para perfurar a pele de suas presas.

Mas espécies diferentes usavam os caninos alongados de várias maneiras. Herbívoros como o Tiarajudens e o cervo-almiscarado moderno podem ter usado os longos caninos para cortejo ou combate. E, embora os primatas tecnicamente não tenham dentes de sabre, seus caninos longos são usados para autodefesa contra predadores, bem como para intimidação e combate entre machos.

Talvez estranhamente, os dinossauros não desenvolveram nenhuma espécie com dente de sabre. Os tiranossauros adolescentes às vezes tinham dentes com aparência de presa, mas quase nunca se pareciam com os do esmilodonte.

Mamíferos não são conhecidos por ter desenvolvido dentes de sabre após a extinção dos dinossauros não aviários há 66 milhões de anos. O herbívoro uintatério, de 56 milhões de anos, um mamífero do tamanho de um rinoceronte com seis chifres grossos na cabeça, tinha dentes de sabre achatados que provavelmente eram usados para cortejo e competição.

Milhões de anos se passaram antes que os carnívoros desenvolvessem dentes de sabre novamente. Há cerca de 40 milhões de anos, surgiram os Nimravidae, que são parecidos com gatos, e os primeiros felinos com dentes de sabre verdadeiros evoluíram aproximadamente 16 milhões de anos atrás. A partir desse ponto, predadores com dentes de sabre caçavam com sucesso pelo planeta até a extinção do esmilodonte, há apenas 10 mil anos.

Na ausência de carnívoros vivos com dentes de sabre, os dentes caninos mais impressionantes da atualidade pertencem a herbívoros e onívoros. Mas a extensa história do canino alongado sugere que futuras criaturas também podem desenvolver esses dentes afiados.

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