O polêmico extermínio de lobos em estado norte-americano continua
Autoridades abateram recentemente os três membros da alcateia de Wedge, a última reviravolta no acirrado debate sobre a melhor forma de controlar os carnívoros.
O retorno dos lobos para a região oeste deu início a um intenso debate sobre o que pode ser feito com aqueles que atacam o gado.
AUTORIDADES DA VIDA SELVAGEM DO ESTADO abateram o restante de uma alcateia no leste de Washington, nos EUA, e autorizaram o abate de um ou dois membros de uma alcateia próxima, reafirmando a polêmica política do estado de utilizar meios letais no controle de predadores que atacam o gado.
O anúncio foi feito após o abate de uma loba pelo Departamento de Pesca e Vida Selvagem de Washington em 27 de julho na Floresta Nacional de Colville, no nordeste do estado. Ela e dois outros lobos formavam a alcateia de Wedge, que matou quatro cabeças de gado e feriu 12 na região desde abril. A alcateia vizinha de Leadpoint é suspeita de ter matado ou ferido seis animais dos rebanhos nos últimos 30 dias.
No mesmo dia do abate da fêmea, o departamento expediu uma declaração afirmando que trabalhará para limitar o uso de controles letais contra os lobos de seu estado.
Após a morte da fêmea da alcateia de Wedge, os dois lobos restantes da alcateia mataram mais dois bois. Pouco depois, Kelly Susewind, diretor do departamento, anunciou que o estado tomaria providências letais contra os lobos e, em 17 de agosto, o departamento anunciou que haviam sido mortos.
O estado já abateu 34 lobos no leste de Washington nos últimos oito anos em retaliação aos ataques ao gado.
“Adoraríamos não matar lobos”, disse Staci Lehman, porta-voz do Departamento de Pesca e Vida Selvagem. “Mas também há pessoas cujos meios de subsistência são afetados.”
Len McIrvin, pecuarista proprietário do Diamond M, rancho onde estavam os animais mortos pela alcateia de Wedge, afirma que “os lobos problemáticos precisam ser eliminados”. Ele conta que sua empresa perdeu mais de 70 cabeças de gado por ano desde 2008 em razão de ataques de lobos, embora o estado tenha confirmado menos de 30 mortes de animais por ano causadas por lobos em Washington durante esse período.
A morte da fêmea é a última reviravolta no acirrado debate do estado sobre a preservação dos lobos. Apesar das alegações do órgão estadual de vida selvagem de que está tomando providências necessárias para proteger os pecuaristas, alguns cientistas, ambientalistas e políticos — incluindo o governador Jay Inslee — condenaram o extermínio por questão humanitárias e ecológicas, argumentando não ser uma abordagem cientificamente válida.
Muitos daqueles contrários às medidas do estado destacam pesquisas recentes que recomendam métodos não letais, como equipes de cães de guarda e recintos fechados para o gado, que podem ser mais bem-sucedidos na prevenção de ataques futuros do que o mero abate de predadores, explica Adrian Treves, biólogo da Universidade de Wisconsin-Madison. Além disso, esses abates podem acabar resultando em mais perdas de gado porque perturbam as hierarquias sociais da alcateia, o que leva os lobos sobreviventes a recorrer a presas mais fáceis, como animais domésticos, afirma Treves, fundador do Laboratório de Convivência de Carnívoros, que conduz pesquisas em todo o mundo sobre conflitos entre predadores e gado.
Alguns pecuaristas argumentam que o uso de técnicas não letais duplica a sua carga de trabalho, aumenta os custos operacionais e apresenta eficácia apenas ocasionalmente. Ainda assim, diversos pecuaristas do leste de Washington implantaram iniciativas proativas com o estado para manter seus rebanhos em segurança empregando métodos não letais e raramente perdem gado, segundo o órgão.
Histórico de violência
Embora a área de ocorrência de lobos-cinzentos fosse em todo o estado de Washington — e na maior parte dos Estados Unidos — colonos os exterminaram no estado na década de 1930. Desde 1995, os lobos foram reintroduzidos em grande parte do norte das Montanhas Rochosas e nos estados do sudoeste, porém permanecem sob proteção federal em várias regiões. O Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos, contudo, propôs excluir os lobos-cinzentos da Lista federal de Espécies Ameaçadas de Extinção, despertando um debate acalorado.
Nos últimos 12 anos, alguns se dispersaram das populações do Canadá e Idaho e voltaram a Washington. Atualmente, a maioria dos 145 lobos do estado, segundo estimativas, vive no leste de Washington, onde são classificados como ameaçados de extinção pela lei estadual. É necessário que mais casais reprodutores se estabeleçam no oeste de Washington para que a classificação possa ser rebaixada.
As presas preferidas dos lobos são alces ou cervos selvagens, mas podem caçar bezerros ou bois adultos separados de seu rebanho, por serem presas fáceis. Em Washington, se um pecuarista suspeita que o lobo foi responsável pela morte de uma vaca, as autoridades estaduais conduzem uma investigação forense. Caso seja confirmado que a morte foi provocada por um lobo, o Departamento de Pesca e Vida Selvagem de Washington paga ao pecuarista até US$ 10 mil pelo incidente e ajuda a financiar uma iniciativa de prevenção de conflitos não letais adaptada às operações do pecuarista. A política do departamento prevê que medidas letais só devem ser consideradas após repetidos ataques ao gado e como último recurso.
Vinte e nove dos 34 lobos abatidos pelo estado foram exterminados devido a ataques ao gado do rancho Diamond M, onde há um rebanho com cerca de 1,6 mil cabeças de gado. O estabelecimento é administrado por McIrvin, cuja família paga uma taxa ao Serviço Florestal dos Estados Unidos para manter seu gado nos cerca de 330 mil hectares designados como pasto pelo plano de manejo do governo federal para a Floresta Nacional de Colville.
“Se os lobos estão habituados a matar o gado, é preciso simplesmente eliminar a alcateia”, disse McIrvin em entrevista por telefone. Sua principal queixa é que as regulamentações estaduais o impedem de fazer esse serviço sozinho. “Era preciso apenas me mandar cuidar do problema que eu resolveria tudo. Mas não posso.”
A Floresta Nacional de Colville abrange a cordilheira do rio Kettle, onde é comum as vacas se afastarem do rebanho devido ao terreno montanhoso acidentado. Pastores a cavalo são a melhor maneira de evitar que gado seja caçado por lobos nesse tipo de paisagem, afirma Chris Bachman, diretor de animais silvestres do Lands Council, grupo de conservação com sede em Spokane. Esses pastores são cavaleiros especialmente treinados para percorrer as pastagens e florestas que servem de pasto ao gado e mantê-lo a salvo dos lobos e outros predadores. Ele está desenvolvendo com os pecuaristas regionais e estaduais uma padronização das melhores práticas para as operações dos pastores.
“Sem um pastor para manter o gado agrupado, o gado se espalha por toda parte. Então é apenas questão de tempo até que ocorram ataques”, afirma Bachman.
Se os pastores encontrarem lobos nas proximidades, podem utilizar recursos de dissuasão como lanternas, música alta ou tiros para assustá-los. Os pastores são, em sua maioria, treinados e contratados pelo estado, que oferece seus serviços aos pecuaristas a um baixo custo ou de graça. Alguns pecuaristas, no entanto, como McIrvin, preferem contratar equipes próprias.
Os pastores também são encarregados de procurar carcaças de gado e comunicá-las à gerência do rancho para retirada. A retirada dos animais mortos — e também de animais feridos — é fundamental para reduzir os ataques porque podem atrair mais lobos, segundo os especialistas.
Antes do abate da fêmea da alcateia de Wedge em 27 de julho, agentes estaduais de vida selvagem informaram que só foram encontrados os bezerros feridos de Diamond M dias depois do ataque, o que sugere que as técnicas não letais de dissuasão foram empregadas indevidamente ou que o rebanho foi deixado sem monitoramento quando os conflitos ocorreram, afirma Amaroq Weiss, ativista experiente de lobos da Costa Oeste do Centro de Diversidade Biológica, grupo ambientalista. McIrvin afirma que seus pastores estavam no local, porém os registros estaduais mostram que os pastores trabalhavam apenas em uma escala de seis dias inteiros e oito dias em meio período nos 26 dias que antecederam os últimos conflitos.
“Não existe um único método não letal que funcione”, afirma McIrvin. “O máximo que um pastor pode fazer é perseguir lobos até a propriedade dos meus vizinhos.”
Nem todos os pecuaristas são tão contundentes quanto McIrvin e muitos não sabem o que fazer.
“É triste”, afirma Montana Hilary Zaranek, pecuarista que dirige uma operação com seu marido e três filhos na Bacia Tom Miner, o território de lobos mais densamente povoado de seu estado. “Sentei perto de um monte de lobos mortos e simplesmente chorei. Coloquei os bezerros mortos em quadriciclos, depois fui para casa e pensei em desistir da pecuária. Mesmo aqueles que querem empregar medidas alternativas nem sempre sabem o que fazer.”
O extermínio causa mais extermínio
Pesquisas mostram que matar membros individuais de uma alcateia pode dispersá-la, deixando os lobos mais desesperados e propensos a atacar o gado, de acordo com Weiss.
“Provoca ainda a mais conflitos. As alcateias estáveis com famílias formadas por várias gerações oferecem maior estabilidade. Um ou dois adultos isolados buscam presas mais fáceis. O gado é mais fácil de caçar do que o alce ou o cervo. Esse cenário foi criado pelas pessoas”, explica Weiss.
O Departamento de Pesca e Vida Selvagem de Washington reconheceu esse comportamento no passado. Nos documentos divulgados de um processo judicial em agosto de 2018, Benjamin Maletzke, especialista em lobos do departamento estadual, escreveu que ferir um lobo macho durante a temporada de reprodução pode aumentar a chance de ele e seu companheiro atacarem o gado. Se um membro de uma dupla for ferido, escreveu ele, sua capacidade de abater uma presa selvagem para alimentar sua família fica comprometida, o que também é válido se esse membro for morto, afirma Weiss. Se uma alcateia inteira for morta, os ataques de gado podem cessar temporariamente, mas logo uma nova alcateia provavelmente ocupará seu lugar. A alcateia de Wedge, por exemplo, havia ocupado o lugar da alcateia anterior, abatida pelo estado.
Outras pesquisas científicas confirmam essa hipótese. Treves e colegas analisaram 40 anos de pesquisas sobre métodos letais e não letais para reduzir a predação de gado e chegaram a uma “conclusão surpreendente”, após a publicação dos resultados do artigo de 2018: “métodos letais têm mostrado efeitos contraproducentes recorrentes, provocando ainda mais perdas de gado”, afirma Treves.
Mas Trent Roussin, biólogo de campo do Departamento de Pesca e Vida Selvagem de Washington que monitora as alcateias na região nordeste, argumenta que ainda não está confirmado se o comportamento desestabilizado da alcateia de fato aumenta os atos destrutivos. E afirma que a necessidade imediata de reduzir os ataques tem prioridade. “O consenso geral é que a remoção dos lobos serve para impedir as predações neste ano, imediatamente”, conta ele.
Roussin afirma que, ao abater a fêmea não reprodutora da alcateia de Wedge, “espera ter reduzido a demanda calórica”, diminuindo assim a necessidade de caçar mais presas. Talvez ela também tenha sido a responsável pela matança do gado, diz Roussin, mas não há como confirmar isso. “Não sabemos de antemão se matar um determinado lobo trará resultados”, explica ele.
No caso em questão, a alcateia conduziu ainda mais ataques ao gado após 27 de julho, afirma Lehman.
Alvos perdidos
Não são apenas os ambientalistas que protestam contra os extermínios. Em 30 de setembro de 2019, o governador Jay Inslee enviou uma carta ao departamento de vida selvagem solicitando que “reduzissem expressivamente a necessidade de remoção letal” de lobos-cinzentos.
Em 27 de julho — o mesmo dia do abate da loba de alcateia de Wedge — o Departamento de Pesca e Vida Selvagem de Washington atendeu ao pedido de Inslee, anunciando que oferecerá mais apoio aos pastores em “zonas de conflito crônico”, como a cordilheira do rio Kettle. Também serão testados novos métodos para localizar gado em grandes áreas, como colares refletores, sinos e identificação auricular com radiotransmissores para o gado.
Outras iniciativas novas incluem mais financiamento para os pastores e fornecimento de estoques comunitários de recursos para uso dos pecuaristas, como lanternas, bandeiras para demarcar perímetros e buzinas a gás. Os pastores também terão que usar aparelhos portáteis de GPS e manter registros diários para maior transparência e prestação de contas.
Esses recursos adicionais serão de pouca valia, ressalta Weiss, se não houver comprometimento total com o emprego desses métodos por pecuaristas como McIrvin. Ele afirma que o motivo de sua resistência é a falta de confiança na “burocracia”, embora o Departamento de Pesca e Vida Selvagem de Washington considere os pecuaristas praticamente como “clientes”.
Contudo, para muitos, a continuidade dos extermínios de lobos pelo departamento ofusca quaisquer planos de mudança em andamento. Treves conta que está frustrado porque ele e outros cientistas conversaram durante anos com o estado sobre “os melhores métodos científicos disponíveis e reconhecidos internacionalmente para proteger o gado contra predadores. No entanto tudo indica que há mais confiança na pseudociência, que não pode ser reproduzida e publicada em periódicos questionáveis, para justificar a matança de lobos.”