Por que não é possível saber precisamente quantos leões vivem na África?

Contar leões é uma tarefa para lá de complicada, mas um novo método promete informações mais detalhadas e precisas, segundo cientistas.

Por Douglas Main
fotos de Alexander Braczkowski
Publicado 23 de set. de 2020, 16:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Uma leoa descansa no tronco bifurcado de uma árvore no Parque Nacional Rainha Elizabeth, em Uganda. ...

Uma leoa descansa no tronco bifurcado de uma árvore no Parque Nacional Rainha Elizabeth, em Uganda. Com a rápida queda no número de leões, os pesquisadores afirmam que é essencial obter estimativas claras e precisas das populações que possam nortear as ações de conservação.

Foto de Alexander Braczkowski

A população de leões está passando por um declínio impressionante. Nos últimos 120 anos, eles desapareceram de mais de 90% de sua área de ocorrência histórica na África. E, somente nos últimos quinze anos, a população caiu quase pela metade.

Então, fica a pergunta: quantos leões ainda existem no continente africano? A resposta é incrivelmente confusa. A estimativa mais difundida é a de 20 mil indivíduos, porém diversos pesquisadores especializados não se sentem muito confortáveis com esse número.

Ele se “baseia principalmente em palpites, não no trabalho científico”, afirma Nic Elliot, pesquisador especializado em leões da Universidade de Oxford. “Nós não sabemos quantos leões existem na África.”

Pesquisadores e guardas florestais instalam um colar de rastreamento em um leão do Parque Nacional Rainha Elizabeth. Os colares transmitem informações da movimentação dos leões, ajudando a evitar conflitos com os pecuaristas; esses dados também orientam outras pesquisas de monitoramento das populações.

Foto de Alexander Braczkowski

A contagem dos leões é uma tarefa difícil: por serem populações de baixa densidade, são animais ativos principalmente à noite, camuflam-se no ambiente e, às vezes, escondem-se dos humanos, principalmente nas áreas onde a caça ilegal é comum.

Contá-los com precisão, contudo, é algo essencial. Para que a conservação seja eficaz, são necessárias estimativas confiáveis e frequentes da população, porque esses números oferecem dimensão da extensão, urgência e localização geográfica do declínio de uma espécie — e suas possíveis causas.

É preciso saber se há um problema e qual seria esse problema antes que possamos solucioná-lo, diz Alexander Braczkowski, pesquisador do Laboratório de Resiliência na Conservação da Griffith University, em Queensland, na Austrália.

Existe uma técnica relativamente nova que pode indicar os sinais de risco com mais eficácia e estimar as populações de leões de forma mais precisa, argumentam Elliot, Braczkowski e outros cientistas em um artigo publicado no periódico Frontiers in Ecology and Evolution. A técnica denominada modelo espacialmente explícito de captura-recaptura (SECR) já é utilizada de forma rotineira na contagem de outras espécies de grandes felinos. Essa técnica utiliza observações de campo para gerar um retrato detalhado da dimensão estimada, densidade e padrões de movimento de uma população, afirma Braczkowski. Além disso, ela pode permitir que os cientistas acompanhem os trajetos das populações de leões com um nível de detalhes que não costuma ser possível com métodos mais antigos.

Sua popularização entre os pesquisadores, contudo, tem sido lenta. O método demanda mais tempo e somente funciona com populações de leões distintas que possam ser fotografadas, segundo pesquisadores críticos do método.

Não utilizar o SECR, no entanto, é uma “oportunidade perdida”, afirmam Baczkowski, Elliot e outros colegas no artigo. Os métodos mais tradicionais “costumam produzir tendências falsas da dinâmica das populações de leões, podendo atrapalhar os investimentos em conservação.”

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    Um jovem leão devorando um inhacoso aciona uma câmera camuflada remota. Com a coleta de fotos em alta resolução dos rostos dos leões, cada um deles com vibrissas únicas, os pesquisadores podem construir um banco de dados que lhes permita identificar leões individuais — algo crucial ao bom funcionamento do SECR.

    Foto de Alexander Braczkowski

    Filhotes de seis meses descansam em uma árvore. Embora os cientistas discordem em relação aos melhores métodos de contagem dos leões, todos concordam em uma coisa — há um declínio desses animais e não podemos permitir isso.

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    Trilhas sonoras e pegadas

    Nos anos 1970 e 1980, era prática comum dos pesquisadores atrair os leões com iscas para depois imobilizá-los com dardos tranquilizantes e marcá-los a ferro quente, para indicar a contagem do indivíduo e monitorá-lo no futuro.

    “Essa técnica continua sendo uma das melhores para o levantamento em uma área relativamente limitada, porém, atualmente, ela tende a ser rejeitada”, diz Paul Funston, que realiza pesquisas em leões pela Panthera, organização global de conservação de felinos selvagens.

    Os métodos mais comuns hoje em dia são levantamentos realizados por chamadas sonoras e a contagem de pegadas. O primeiro consiste em dirigir até a mata e, por meio de um alto-falante, executar sons de uma espécie que seja uma presa, como o búfalo‑africano — e anotar quantos leões aparecem. O segundo consiste em contar as pegadas de leões ao longo de um conjunto de transectos.

    Embora ambas as técnicas sejam baratas e possam ser utilizadas em uma área ampla, são “bastante imprecisas,” declara Andrew Loveridge, especialista em leões da Unidade de Pesquisa em Conservação da Fauna de Oxford.

    “Ambos os métodos apresentam graves falhas metodológicas e, do ponto de vista estatístico, são bem inconsistentes”, diz Elliot. Com esses métodos, pode haver contagens duplicadas de leões, sendo necessário realizar suposições, afirma ele, como em relação à distância de alcance do som e à probabilidade de resposta dos leões, ou sobre a movimentação dos leões em seu habitat.

    Por outro lado, Frans Radloff, ecologista da Universidade de Tecnologia da Península do Cabo, na África do Sul, defende seu uso em determinadas circunstâncias — assim como Funston. Quando realizados de forma correta, por exemplo, em áreas de ocorrência frequente de pegadas de leões, eles permitem estimativas razoáveis da ocorrência desses animais, afirma Radloff.

    Filhote de leão sentado em um galho de candelabro (Euphorbia), no Parque Nacional Rainha Elizabeth. A partir de 2017, utilizando um método relativamente novo de contagem de leões denominado modelo espacialmente explícito de captura-recaptura (ou, na sigla em inglês, SECR), os pesquisadores calcularam que a população da área era de 71 indivíduos — mais baixa que as estimativas anteriores.

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    Uma leoa observa uma possível presa. Com os dados fornecidos pelo método SECR, os pesquisadores agora sabem que os leões e leoas do parque precisam deslocar-se mais para encontrar alimentos, dada a redução da base de presas desses animais.

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    Reconhecimento individual

    Elliot e Braczkowski alegam que o SECR é melhor por ser mais preciso e menos propenso à super ou subestimação, e por permitir que os cientistas construam um quadro fluido e progressivo de uma população.

    Para que ele funcione bem, contudo, os cientistas precisam de uma maneira de reconhecer animais individuais, afirma Braczkowski, que também é Explorador da National Geographic. Com os tigres, por exemplo, cada um tem um padrão único de listras, o que permite aos pesquisadores diferenciá-los com mais rapidez. No caso dos leões, os pesquisadores fotografam indivíduos — seja com um veículo ou por meio de câmeras camufladas — e estudam seus rostos em busca de marcas que os distingam.

    Depois que os pesquisadores montarem um grande catálogo de imagens de GPS com o passar do tempo, a técnica de modelagem do SECR utiliza essas informações para estimar de forma matemática a densidade populacional, a população total e outros parâmetros.

    O SECR foi utilizado com sucesso inúmeras vezes na contagem de leões. Por exemplo, em 2017 e 2018, Braczkowski juntou-se a Musta Nsubuga, biólogo da Wildlife Conservation Society, e outros para estimarem os números de leões da Área de Conservação Rainha Elizabeth, em Uganda. Ao longo de três meses, eles percorreram cerca de oito mil quilômetros da área, tirando fotos dos rostos dos leões.

    Com o registro científico da localização de cada indivíduo em um momento específico, o SECR permitiu que fosse calculada a população total — 71 indivíduos. Essa pesquisa, publicada na metade deste ano no periódico Ecological Solutions and Evidence, também traz novas informações sobre a área de ocorrência dos animais. Os machos, por exemplo, percorrem hoje uma área cinco vezes maior que a de uma década atrás, provavelmente porque precisam deslocar-se mais para encontrar alimentos. O número de presas provavelmente diminuiu por conta do aumento da caça de animais selvagens para consumo na área, segundo Braczkowski. Essa informação provavelmente não teria sido possível com outras técnicas, diz ele.

    Alguns pesquisadores afirmam que as técnicas tradicionais ainda são úteis quando executadas de forma correta, e que as mais recentes não são adequadas em todas as situações. De fato, o SECR é mais bem empregado quando é possível chegar perto de animais individuais com câmeras ou fotografá-los a partir de equipamentos camuflados.

    “Não é possível ter uma técnica universal. A contagem dos leões não pode ser feita da mesma forma em todo o continente africano, porque cada área é única", diz Radloff. “A única maneira de obter uma estimativa do número de leões restantes na África é abraçar todas as técnicas [válidas do ponto de vista científico].”

    Quanto ao total da população de leões, os pesquisadores concordam que uma contagem integralmente precisa é menos importante do que avaliar se os números estão subindo ou descendo. E, no geral, ninguém acha que os números estejam crescendo. “Quanto à sua pergunta sobre o número de leões que ainda habitam a África — só posso dizer que não há animais o suficiente”, afirma Radloff.

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