Esses camarões caminham fora d’água – e agora sabemos por quê

Eles são apreciados por habitantes e turistas, mas o motivo de os camarões da Tailândia saírem da água e caminharem nunca havia sido estudado — nem mesmo de qual espécie eles são.

Por Jake Buehler
fotos de Watcharapong Hongjamrassilp
Publicado 3 de dez. de 2020, 17:11 BRT
Camarões recentemente identificados como da espécie M. dienbienphuense se deslocam em massa próximo às corredeiras do ...

Camarões recentemente identificados como da espécie M. dienbienphuense se deslocam em massa próximo às corredeiras do rio Lamduan, na província de Ubon Ratchathani, na Tailândia.

Foto de Watcharapong Hongjamrassilp

Watcharapong Hongjamrassilp cresceu em Bangkok, na Tailândia, e se encantou com reportagens na TV sobre camarões de água doce que “desfilavam”, encontrados na província de Ubon Ratchathani. O crustáceo sai dos rios durante a época das chuvas para fazer misteriosas caminhadas noturnas.

Seu interesse precoce pelo comportamento animal transformou-se em paixão acadêmica e, após se formar em biologia, Hongjamrassilp foi para os Estados Unidos para fazer pós-graduação.

Em 2017, Hongjamrassilp foi Explorador da National Geographic na Universidde da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e estudou a agressividade e a comunicação dos peixes. Entretanto ainda pensava nos camarões que o impressionaram décadas antes.

“A reportagem que vi durou apenas cinco minutos, mas fiquei pensando nela por 20 anos”, conta Hongjamrassilp.

Ele descobriu que, apesar da popularidade dos camarões entre os turistas e de serem destaque no folclore local, ninguém jamais havia identificado sua espécie ou estudado por que esses animais minúsculos saem da água. Uma missão científica então entrou em foco: ele estava ansioso para retornar à sua terra natal para estudar a fauna nativa e como ela se relaciona com as populações humanas.

“Eu queria criar um projeto que ajudasse as pessoas na Tailândia e ao mesmo tempo ajudasse o meio ambiente”, explica ele.

Segredos do camarão

Em 2018 e 2019, Hongjamrassilp observou o rio Lamduan no nordeste da Tailândia e identificou dois locais onde centenas de camarões de água doce saíam das águas turbulentas durante os meses úmidos de agosto a outubro. Ele e seus colegas posicionaram câmeras noturnas com lapso de tempo para capturar os movimentos dos camarões.

Suas descobertas, publicadas recentemente no periódico Journal of Zoology, sugerem que os camarões provavelmente estão desviando de fortes correntes. Quanto mais forte a correnteza, maior a probabilidade de os crustáceos rastejarem até a terra, caminharem rio acima e depois retornarem à água em uma área mais calma.

Cada camarão pode caminhar até 20 metros antes de retornar à água.

Foto de Watcharapong Hongjamrassilp

Eles observaram que o desfile é um fluxo contínuo de camarões que saem da água e se juntam aos demais e, dependendo do tempo em que ficam fora d’água, alguns chegam a caminhar até 20 metros.

Em tanques de laboratório, Hongjamrassilp também induziu camarões capturados na natureza a deixar a água — mas somente após dois anos tentando descobrir as condições perfeitas. Era necessário usar a água do rio e aumentar a velocidade do fluxo.

“Gritei de alegria quando vi o primeiro camarão sair da água. Eu pensava: ‘nossa, eu decifrei [um] segredo da natureza!’”, conta ele.

Misteriosamente, temperaturas mais frias e pouca luz parecem ser os principais sinais para os camarões saírem da água, acrescenta Hongjamrassilp, que testou fatores como intensidade da luz, força da correnteza e temperatura da água em seus experimentos no laboratório.

Na etapa final de seu estudo, ele fez uma análise genética que revelou a espécie Macrobrachium dienbienphuense, identificada pela primeira vez na década de 1970, mas que não havia sido relacionada aos camarões que caminham sobre a terra.

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    A espécie M. dienbienphuense enfrenta riscos ao sair da água devido a uma infinidade de animais terrestres famintos. Rãs, lagartos e cobras são predadores comuns, e Hongjamrassilp também observou tesourinhas e aranhas-pescadoras como predadores.

    As aranhas simplesmente esperam até que os camarões passem ao longo do rio, uma estratégia que Hongjamrassilp compara a esperar pelo sushi na esteira rolante.

    A cada época de chuvas, esse buffet móvel provavelmente garante um aumento no teor de proteína presente na cadeia alimentar, algo que Hongjamrassilp deseja explorar posteriormente. Ele diz que a migração dos camarões “efetivamente transfere alguma energia do ecossistema aquático para o ecossistema terrestre”.

    Peter Novak, ecologista de água doce do Departamento de Biodiversidade, Conservação e Atrações da Austrália Ocidental, diz ser intrigante o fato de as migrações não parecerem ser parte de um acontecimento importante, como a reprodução.

    “[As descobertas] levantam questões interessantes sobre por que esses crustáceos estão caminhando rio acima já que não há necessidade de terem estado rio abaixo”, diz Novak, que não participou do estudo.

    Esses camarões minúsculos são altamente vulneráveis a predadores durante as caminhadas noturnas.

    Foto de Watcharapong Hongjamrassilp

    Algumas espécies semelhantes à M. dienbienphuense são anfídromos, ou seja, começam a vida em um estuário e migram para as nascentes dos rios para desovar. Embora a espécie M. dienbienphuense não seja conhecida por fazer isso, Novak se pergunta se os camarões que caminham fora d’água estão migrando entre partes do rio durante fases diferentes de seu ciclo de vida. Por exemplo, quando o rio está mais cheio, os adultos prontos para reprodução podem ser arrastados rio abaixo para habitats favoráveis a camarões jovens.

    Embora os camarões M. dienbienphuense não estejam ameaçados de extinção, o turismo pode ter um impacto negativo, esclarece Hongjamrassilp. Quando as pessoas apontam suas lanternas para os camarões, eles entendem como um sinal para voltar para a água e são arrastados rapidamente rio abaixo.

    Nas últimas décadas, os camarões que caminham fora d’água atraíram mais de 100 mil turistas por ano à região, conta ele, acontecimento que é divulgado pela província como uma experiência única de ecoturismo.

    Desfile de camarões ao longo das corredeiras do rio Lamduan, um acontecimento anual que ocorre entre os meses de agosto e outubro.

    Foto de Watcharapong Hongjamrassilp

    Caravana para o futuro

    Hongjamrassilp espera que sua pesquisa sobre os camarões que desfilam possa contribuir com a preservação de outros crustáceos de água doce que estão ameaçados de extinção.

    Barragens, por exemplo, podem bloquear a migração de outros camarões, como de espécies semelhantes à M. dienbienphuense na Austrália e na África, fragmentando suas populações e prejudicando seu deslocamento. Os camarões que caminham fora d’água podem inspirar a “preservação de camarões” no futuro, ajudando espécies semelhantes mais raras, diz ele.

    “Cada elemento da natureza é importante e precisamos entendê-los para poder conservá-los.”

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