Marcas de alta-costura tiveram milhares de artigos em couro exótico apreendidos

Relatório mostra que artigos em couro exótico importados por empresas como Chanel, Gucci e Coach foram apreendidos pelas autoridades dos Estados Unidos entre 2003 e 2013.

Por Rachel Nuwer
Publicado 28 de dez. de 2020, 07:00 BRT
Os oficiais do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos confiscaram essas botas de ...

Os oficiais do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos confiscaram essas botas de pele de réptil importadas ilegalmente. De 2003 a 2013, oficiais apreenderam 5.607 itens de alta-costura considerados ilegais, segundo pesquisa recente. Quase 70% deles eram produtos em couro, incluindo peles de répteis.

Foto de Kate Brooks, Redux

Marcas famosas de alta-costura — Ralph Lauren, Gucci, Michael Kors e várias outras — tiveram mais de 5,6 mil itens fabricados a partir de produtos ilegais de espécies da fauna e da flora selvagens confiscados pelo Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos nos portos de entrada dos EUA de 2003 a 2013, segundo publicação de pesquisadores na revista científica EcoHealth.

A análise não inclui empresas do ramo de alta-costura envolvidas no contrabando intencional de bens ilegais e também não informa quais empresas podem estar ligadas a importações ilegais mais recentes. Desde 2013, o governo dos Estados Unidos parou de divulgar ao público os nomes de empresas que importam produtos de espécies da fauna e da flora selvagens, uma medida que foi contestada judicialmente.

Mas a pesquisadora principal Monique Sosnowski, estudante de doutorado em justiça criminal na City University de Nova York (CUNY), diz que as apreensões destacam a falta de controles adequados em toda a cadeia de suprimentos. “Não estamos tentando apontar para a Gucci e dizer, 'Essa empresa é horrível por usar esses produtos', mas [ao contrário] apontar essa falha em massa do sistema”, diz ela. “Há diversas proteções em vigor, mas essas empresas ainda [estavam] de alguma forma importando mercadorias ilegais.”

Para a realização da análise, Sosnowski e Gohar Petrossian, criminologista da CUNY, utilizaram a Lei de Liberdade de Informação (FOIA) para obter registros de apreensão do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos entre 2003 e 2013. Elas identificaram 474 apreensões relacionadas a marcas de alta-costura contendo 5.607 itens, cerca de 70% eram produtos em couro exótico. Os répteis representavam 84% de todos os itens, entre eles cintos, pulseiras, carteiras, sapatos e bolsas.

Esses números quase certamente minimizam a gravidade do problema. Estudos que avaliam a fiscalização das leis normalmente constatam que as autoridades dos Estados Unidos conseguem interditar menos de uma em cada 10 remessas ilegais de itens provenientes da vida selvagem, observa Bruce Weissgold, ex-analista de inteligência comercial de répteis e especialista sênior em comércio internacional do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos.

O estudo da CUNY, publicado em janeiro, revela que, apesar das diversas esferas de controle empregadas por países e empresas, os produtos ilegais provenientes da vida selvagem corromperam as cadeias de suprimentos de algumas das marcas de alta-costura mais importantes do mundo, com o conhecimento ou não das empresas da indústria da moda. Embora o estudo se concentre nos registros de fiscalização de 2003 a 2013, números agregados de 2008 a 2019 analisados por Sosnowski indicam que o tráfico de itens provenientes da vida selvagem continua sendo um problema sério nos Estados Unidos. Mais de quatro mil remessas de produtos ilegais foram apreendidas no ano passado.

Molly Morse, porta-voz da LVMH, proprietária de diversas empresas da lista — incluindo Louis Vuitton, Loro Piana, Marc Jacobs, Christian Dior, Givenchy e Fendi — disse em um e-mail que as apreensões ligadas à LVMH “ocorreram há muitos anos e em geral se tratavam de processos documentais e de rotulagem”.

“Possuímos treinamentos e processos internos rigorosos para o cumprimento de todas as regulamentações... e mantemos contato constante com legisladores de todo o mundo sobre as novas leis”, declarou Morse.

Neha Wadhwa, porta-voz da Ralph Lauren, chamou de “enganosa e falha” a inclusão da empresa na lista de apreensões, acrescentando em um e-mail: “Temos um longo histórico e comprometimento com o bem-estar animal. Fomos uma das primeiras marcas de luxo a proibir peles há quase 15 anos e continuamos comprometidos em garantir que todas as espécies sejam obtidas de forma sustentável.”

Representantes de Michael Kors, Jil Sander e Coach não responderam aos pedidos de comentários sobre as apreensões. O Grupo Kering, proprietário da Gucci e de outras empresas citadas, incluindo Alexander McQueen, Bottega Veneta e Yves Saint Laurent, reconheceu o questionamento da National Geographic, mas não comentou.

Embora a maioria das empresas não tenha comentado sobre os produtos apreendidos, várias delas possuem políticas de responsabilidade social corporativa que promovem a rastreabilidade, o bem-estar dos animais e o uso sustentável da vida selvagem, e algumas proibiram a utilização de determinados produtos provenientes da vida selvagem.

Nomes de família

A equipe da CUNY omitiu os nomes das empresas vinculadas às apreensões de seus trabalhos publicados na EcoHealth porque, de acordo com Sosnowski, o objetivo de compartilhar pesquisas em revistas científicas não é mencionar ou envergonhar as partes que possam estar associadas a atividades ilegais — sejam elas países, empresas ou indivíduos — mas sim identificar tendências maiores. Sosnowski conta que compartilhou a lista com a National Geographic exclusivamente para “aproximar o problema” dos consumidores.

De acordo com os registros oficiais de apreensão, a Ralph Lauren foi responsável por 29% dos itens apreendidos, seguida pela Gucci (16%), Michael Kors (10%), Jil Sander (6%) e Coach (5%). A Gucci teve o maior número de casos de apreensão individual, 50, seguida por Yves Saint Laurent com 40.

Dados do comércio internacional mostram que 11,7 milhões de produtos fabricados a partir de répteis foram importados para os Estados Unidos de 2003 a 2013, o que significa que as 5.607 apreensões envolvendo marcas de alta-costura relatadas no estudo representam apenas 48 em cada 100 mil itens importados provenientes de répteis, diz Daniel Natusch, biólogo de conservação da Universidade Macquarie, na Austrália, e membro de diversos grupos especializados em répteis e do Grupo de Especialistas em Uso Sustentável e Meios de Subsistência da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), o órgão que define o status de conservação de animais selvagens.

Uma jaqueta de pele de leopardo confiscada pela polícia exposta em prateleiras repletas de outros produtos provenientes da vida selvagem no Depósito Nacional de Mercadorias Provenientes da Vida Selvagem do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos, no Colorado.

Foto de Brennan Linsley, Ap

Os produtos provenientes da vida selvagem, incluindo couros e peles de animais exóticos, costumam ser utilizados na alta-costura, embora um número crescente de empresas tenha deixado de utilizar esse tipo de material em resposta à pressão de consumidores preocupados com o bem-estar e a conservação dos animais. As marcas Diane von Furstenberg, Chanel e Jil Sander, entre outras, não utilizam mais couros exóticos. Stella McCartney, Versace, Michael Kors e Gucci estão entre as marcas que não utilizam mais peles. A indústria da moda frequentemente defende o uso de produtos provenientes da vida selvagem legalizados, dizendo que esses produtos ajudam no sustento de pessoas. Eles também afirmam que seus esforços são essenciais para a conservação, pois promovem incentivo econômico para o gerenciamento e a proteção das espécies e seus habitats para uso sustentável.

Como acontece em diversas indústrias envolvidas no comércio de espécies da fauna e da flora selvagens e produtos provenientes da vida selvagem — que variam de animais de estimação exóticos, madeira a suplementos médicos e medicamentos tradicionais — o legal e o ilegal geralmente caminham lado a lado. E existem diversas maneiras pelas quais produtos ou práticas ilegais podem entrar na cadeia de suprimentos da indústria da moda.

Em alguns países exportadores de onde se originam os animais utilizados na indústria da moda, incluindo a Indonésia e a Malásia, há diversas evidências de funcionários corruptos que encobrem a aquisição ilegal de itens provenientes da vida selvagem emitindo autorizações legais para exportadores. Isso torna “praticamente impossível saber se os sapatos contidos na remessa são de origem legal”, diz Weissgold, ex-analista de inteligência comercial de répteis do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos.

Outra violação comum é quando os animais capturados ilegalmente na natureza são identificados como “criados em cativeiro”.

Embora algumas empresas tenham implementado medidas para melhorar suas práticas relacionadas ao uso de produtos provenientes da vida selvagem, Weissgold diz que há mais a ser feito. “Considerando os recursos, o alcance e a experiência dessas empresas do ramo da moda, acredito que elas devam atuar como boas cidadãs corporativas”, afirma Weissgold. “Elas estão em uma posição única de influência sobre seus fornecedores.”

Alguns produtos apreendidos são de animais em extinção

Cerca de 58% das apreensões documentadas no relatório da EcoHealth referem-se a animais capturados na natureza em vez de animais criados em cativeiro em fazendas.

A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), que regulamenta o comércio de produtos provenientes da vida selvagem entre países, proíbe estritamente o comércio de 13 das pelo menos 60 espécies identificadas nas apreensões. Incluindo crocodilos-do-nilo e jacarés-de-papo-amarelo, a menos que sejam criados em cativeiro com as devidas permissões. Duas espécies — a saiga e o crocodilo-siamês — estão criticamente ameaçadas. Os pesquisadores estimam que apenas 500 a mil crocodilos-siameses vivam nas regiões úmidas do sudeste da Ásia.

A CITES define diferentes níveis de proteção para as espécies, dependendo do nível de ameaça a que elas estão expostas. Nos casos em que o comércio é permitido, os países devem conceder autorizações de exportação apenas se evidências científicas mostrarem que o comércio não prejudicará a sobrevivência dos animais na natureza.

Trinta e seis das espécies, incluindo pítons-reticuladas, estão listadas como espécies de “menor preocupação” — em outras palavras, não estão em risco de extinção — mas a maioria das outras, incluindo pítons-africanas, cobras-raio-de sol e diversas espécies de cobra, não foram avaliadas pela UICN nem receberam proteções concedidas pela CITES. Não se sabe quantos desses animais ainda existem na natureza, se suas populações estão aumentando ou em declínio ou se o comércio é sustentável.

“É alarmante o fato de mais de 50% das apreensões serem de animais capturados na natureza”, diz Chris Shepherd, diretor executivo da Monitor, um grupo sem fins lucrativos que trabalha para reduzir o comércio ilegal e insustentável de espécies da fauna e da flora selvagens. “Pouco se sabe sobre o status de muitas dessas espécies na natureza e, portanto, o impacto do comércio ilegal — e do comércio legal — é amplamente desconhecido.”

Os dados também revelaram a natureza internacional do comércio de espécies da fauna e da flora selvagens, diz Sosnowski, e o fato de que produtos ilegais frequentemente atravessam diversas fronteiras antes de serem descobertos. Mais da metade das apreensões dos Estados Unidos foram importações provenientes da Itália, França e Suíça, embora a maioria dos produtos de origem animal tenha vindo do sudeste da Ásia.

Apenas uma parte dos produtos ilegais é apreendida

As autoridades dos Estados Unidos estimam que apenas 10% dos produtos provenientes da vida selvagem importados ilegalmente são confiscados, segundo Weissgold, agente aposentado do Serviço de Pesca e Vida Selvagem. A consequência “é um mundo que depende da ‘conscientização do comprador’”, diz ele. “Nunca será possível ter 100% de certeza de que o produto que está sendo comprado foi adquirido legalmente.”

Natusch discorda. “Essas empresas são algumas das maiores e mais responsáveis do mundo, com uma reputação a zelar”, diz ele.

Natusch acredita que a maioria das 5.607 apreensões citadas no estudo foram provavelmente erros das empresas exportadoras ou importadoras — “problemas com a documentação, erros administrativos ou mal-entendidos simples e perfeitamente razoáveis”, como uma empresa que esquece de declarar botões de concha em uma blusa.

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    Uma bolsa feita de pele de cobra foi apreendida pela polícia e agora está armazenada no Depósito Nacional de Mercadorias Provenientes da Vida Selvagem. Os produtos provenientes de répteis representaram 84% das 5.607 apreensões envolvendo marcas de alta-costura nos Estados Unidos, de 2003 a 2013.

    Foto de David Zalubowski, Ap

    Weissgold, por sua vez, diz que, com base em seus quase 25 anos de experiência trabalhando como analista de inteligência em uma agência federal de fiscalização, problemas de documentação são “bastante simbólicos em cenários de fraude em larga escala no setor”.

    Quando você associa isso a um sistema judicial dos Estados Unidos que possui altas exigências em termos de apresentação de provas, “os fiscais que trabalham com espécies da flora e fauna selvagens normalmente se deparam com uma remessa e ficam sem saber o que pode ser feito a respeito”, conta Weissgold.

    Preocupações com o bem-estar animal

    Mesmo quando o comércio de produtos de origem animal para a indústria da moda é legalizado, ainda existem preocupações com o bem-estar animal, afirma Weissgold. Uma investigação de 2016 realizada pela People for the Ethical Treatment of Animals (PETA), uma organização de defesa conhecida por empregar táticas por vezes controversas, concluiu que fazendas vietnamitas que supostamente forneciam peles de crocodilo a um curtume pertencente à LVMH confinavam crocodilos por até 15 meses em pequenos gaiolas de concreto antes de abatê-los para obter as peles. Os investigadores da PETA filmaram trabalhadores do curtume cortando a espinha dos crocodilos — paralisando-os, mas sem matá-los — antes de removerem a pele com os animais ainda vivos.

    Questionada sobre a investigação da PETA para esta matéria, a LVMH não contestou as conclusões, mas disse que em 2016, Heng Long, o curtume em questão localizado em Singapura, deixou de adquirir crocodilos das fazendas vietnamitas apresentadas no vídeo da PETA.

    Shepherd, do grupo Monitor, diz que o tratamento desumano e o sofrimento são a norma para animais selvagens capturados nos países do sudeste asiático. Outra investigação, também realizada pela PETA, descobriu que geralmente a pele das cobras é removida enquanto ainda estão vivas. Karl Ammann, cineasta investigativo, documentou a “lavagem” em larga escala de répteis capturados na natureza, um processo no qual os fornecedores identificavam incorretamente os animais selvagens como tendo sido criados em cativeiro no Laos, na Malásia e no Vietnã. Ammann também registrou pítons e varanos-malaios sendo atingidos na cabeça por martelos e esfolados vivos na Indonésia. Um relatório de 2013 do Serviço Veterinário Federal Suíço sobre o comércio de pele de répteis concluiu que diversos métodos utilizados para matar os animais — incluindo decapitação, congelamento, aquecimento, asfixia, afogamento e corte de veias jugulares — eram cruéis.

    Em 2019, a LVMH lançou um sistema de certificação para fazendas de crocodilos na tentativa de fortalecer sua capacidade de rastrear peles e monitorar o bem-estar animal Outras empresas foram ainda mais longe.

    Em 2018, Diane von Furstenberg proibiu o uso de peles exóticas em seus produtos e a Chanel fez o mesmo dois meses depois, citando a dificuldade de obter produtos de origem ética. Jil Sander seguiu o exemplo.

    Em vários pareceres, Natusch e outros consideraram as proibições de peles exóticas como bem-intencionadas, mas “muito simplistas” e “não fundamentadas por evidências”. Ele e outros pesquisadores estão trabalhando com empresas como o Grupo Kering, dono da Gucci e de outras marcas de alta-costura, em um esforço para controlar melhor a cadeia de suprimentos. 

    Em 2017, o Grupo Kering abriu uma fazenda de pítons na Tailândia para obter uma fonte de peles sustentável e sem métodos cruéis, disse um representante da empresa ao jornal The Guardian na época. O grupo também continua a obter animais da natureza.

    Quatro anos antes, o Grupo Kering se uniu ao Grupo Especialista em Jiboias e Pítons da UICN e ao International Trade Center, uma agência multilateral da Organização Mundial do Comércio e das Nações Unidas, para criar um grupo chamado Python Conservation Partnership (Parceria para a Conservação de Pítons). A missão do grupo é ampliar a sustentabilidade do comércio de pítons e promover a transparência, o bem-estar dos animais e os meios de subsistência locais.

    O primeiro de vários relatórios encomendados pela Python Conservation Partnership entre 2014 e 2016 recomendou a substituição de todos os métodos empregados no abate das pítons na China, Tailândia e Vietnã — incluindo decapitação, afogamento e obstrução da boca e do ânus das cobras e utilização de um compressor de ar para injetar ar no interior de seus corpos — por práticas menos cruéis. Outro relatório de 2016 do mesmo grupo, referente à Indonésia e Malásia, concluiu que afirmações sobre práticas desumanas de abate de pítons nesses países “não podem ser comprovadas” porque os comerciantes destroem o cérebro das cobras antes de removerem a pele.

    Todos os três relatórios concluíram que a captura na natureza e a criação de pítons podem ser sustentáveis e representar meios de subsistência locais, ajudando na conservação, oferecendo às pessoas que capturam pítons na natureza um incentivo para que protejam os répteis e seus habitats.

    “Sem a indústria do luxo, muitas das espécies utilizadas estariam em uma situação muito pior”, diz Natusch, coautor dos relatórios da Python Conservation Partnership. “Os benefícios desse comércio superam os pontos negativos.”

    O relatório sobre a Indonésia e a Malásia confirmou, no entanto, que as peles de píton são comercializadas ilegalmente entre países do sudeste asiático em escala significativa, e que o uso indevido de autorizações internacionais permite a ‘lavagem’ de animais capturados na natureza, que são identificados com tendo sido “criados em cativeiro”. O estudo constatou que a grande movimentação do comércio ilegal é alimentada pela pobreza e pelo fato de haver populações numerosas de píton na natureza. Os autores também relataram que as cotas comerciais são excessivamente restritivas e sugerem aumentá-las ou eliminá-las.

    Jon Paul Rodriguez, presidente da Comissão de Sobrevivência de Espécies da UICN, defende que o financiamento do grupo venha de membros da indústria, uma prática comum na ciência. O uso sustentável de espécies da fauna e da flora selvagens é um dos pilares de sua organização, segundo ele, e os pesquisadores da UICN realizam uma abordagem baseada em evidências, independentemente da origem do financiamento do estudo. “Não é possível comprar a ciência”, diz ele. “Meu mantra como presidente é: evidência em primeiro lugar, sempre.”

    Todas as publicações da UICN, inclusive as financiadas pelo Grupo Kering, também passam por uma revisão por pares interna, acrescenta. “Como qualquer artigo científico, [eles estão] disponíveis para que outros possam contestar se tiverem melhores evidências.”

    Os críticos afirmam que o foco da UICN no “uso sustentável” foi longe demais, a ponto de que “até o uso de espécies ameaçadas de extinção já foi defendido pela UICN”, diz Mark Auliya, herpetologista do Museu de Pesquisa Zoológica Alexander Koenig, na cidade de Bonn, Alemanha. Auliya é um desses críticos e também membro do Grupo de Especialistas em Jiboias e Pítons da UICN. Ele diz que estudos, incluindo os conduzidos pela UICN, geralmente subestimam a complexidade do comércio de espécies da fauna e da flora selvagens e seus frequentes vínculos com o crime organizado; as constatações sobre o comércio sustentável geralmente não refletem a realidade das espécies.

    Os relatórios financiados pela indústria elaborados pelo Grupo de Especialistas em Jiboias e Pítons da UICN, continua Auliya, foram publicados sem consulta prévia de todo o grupo, e Auliya diz que vem criticando essa questão em reuniões internas. “Nem todo cientista com experiência em campo apoiaria as constatações desses estudos”, diz ele.

    Nomes de empresas ocultos

    O estudo da CUNY não esclarece se as medidas adotadas por Diane von Furstenberg, Chanel, Jil Sander, Grupo Kering e outros reduziram as apreensões relacionadas à indústria da alta-costura nas fronteiras dos Estados Unidos. Isso porque após 2013, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem começou a ocultar os nomes dos importadores vinculados a apreensões documentados nos pedidos de registros públicos.

    Weissgold, que trabalhava nesse setor quando as restrições entraram em vigor, diz que pediu explicações diversas vezes, mas nunca recebeu uma resposta adequada. Ele suspeita que a decisão tenha sido tomada, pelo menos em parte, devido a reclamações de empresas alegando que os concorrentes poderiam ter acesso a segredos comerciais contidos nos registros de apreensão.

    Seja qual for o motivo, a falta de transparência em todos os registros governamentais de importação e exportação de espécies da fauna e da flora selvagens “está impedindo fortemente que as comunidades de conservação e da área criminal possam avaliar dados sobre o comércio”, diz Weissgold.

    O Serviço de Pesca e Vida Selvagem e o Departamento do Interior, que supervisiona o serviço, não comentaram sobre o motivo pelo qual o órgão passou a ocultar os nomes das empresas dos registros de apreensões.

    Weissgold acrescenta que não tem motivos para acreditar que as importações ilegais ligadas à indústria da alta-costura tenham reduzido desde 2013. Chris Shepherd, da Monitor, também acredita que o problema ainda exista. Para ele, a mensagem para os consumidores é clara: “Comprar produtos de espécies da fauna e da flora selvagens pode estar contribuindo com o declínio de espécies na natureza e com o comércio ilegal. Na dúvida, não compre.”

    Sosnowski espera que o estudo ofereça uma oportunidade para maior transparência e melhorias na cadeia de suprimentos e na fiscalização desde origem até o produto acabado. “Queremos que os consumidores vejam que se trata das marcas que todos conhecemos e amamos, para que ajudem o setor a adotar práticas mais sustentáveis”, diz ela.

    Por fim, a demanda do consumidor é o que faz as empresas considerarem o bem-estar e a conservação dos animais, diz Weissgold.

    “Acho que se os compradores souberem que a pele de píton da bolsa pode ter sido arrancada de um animal vivo, alguns podem se recusar e fugir da marca”, diz ele. “Mas vamos ser sinceros, muitos só a enxergam como uma simples bolsa.”

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