Cobras invasoras deslocam o corpo em ‘movimento de laço’ inédito – veja vídeo

A descoberta surpreendeu herpetologistas e pode ajudar a explicar o impacto prejudicial da cobra-arborícola-marrom nos ecossistemas de Guam.

Por Shaena Montanari
Publicado 21 de jan. de 2021, 17:00 BRT
A cobra-arborícola-marrom (fotografada no Zoológico Henry Doorly, em Omaha) pode crescer até cerca de três metros ...

A cobra-arborícola-marrom (fotografada no Zoológico Henry Doorly, em Omaha) pode crescer até cerca de três metros de comprimento.

Foto de Joël Sartore, National Geographic Photo Ark

Cobras podem se deslocar por movimento sinuoso lateral, saltar entre árvoresnadar por movimento ondulatório. Agora, os cientistas registraram uma maneira totalmente nova de locomoção: as cobras formando uma espécie de laço para escalar tubos instalados na vertical.

A cobra-arborícola-marrom, um réptil que vive em árvores, nativo da Austrália, Papua Nova Guiné e várias ilhas do Pacífico, foi introduzida acidentalmente em Guam após a Segunda Guerra Mundial, provavelmente por meio de navios de carga. As cobras se proliferaram rapidamente, exterminando populações de animais silvestres e extinguindo dez espécies de aves nativas. Desde então, foram feitas diversas tentativas de controlar as invasoras, incluindo ratos recheados com medicamentos lançados pelo ar e cães detectores de cobras, mas nenhuma teve êxito.

Em 2016, Julie Savidge e Tom Seibert, ecologistas da Universidade Estadual do Colorado, tiveram outra ideia: instalar cilindros metálicos com cerca de 20 centímetros de largura — uma barreira utilizada para impedir a passagem de animais silvestres — na base de casas de pássaros no laboratório de cobras-arborícolas-marrons do Serviço Geológico dos Estados Unidos.

Eles suspeitavam que as cobras noturnas não conseguiriam subir em cilindros lisos para atacar estorninhos da espécie Aplonis opaca, ainda não ameaçados de extinção, mas cuja população está em declínio em Guam.

Estavam enganados. Câmeras de vídeo colocadas perto das casas de pássaros experimentais exibiram uma cobra enrolando seu corpo ao redor de um tubo na vertical e utilizando um “laço” para se lançar para cima.

“Nós nos entreolhamos em estado de choque. Aquilo não era esperado de uma cobra”, conta Seibert.

 

Esse comportamento recém-descoberto foi apelidado por eles de “locomoção por laço” e sua mecânica foi detalhada em um artigo publicado em janeiro no periódico Current Biology. É o quinto tipo de movimento de cobras reconhecido oficialmente, além do retilíneo, que é em linha reta; da ondulação lateral, que é o clássico deslizar da cobra; do movimento sinuoso lateral, utilizado para locomoção pela areia; e da locomoção concertina, o movimento de escalada semelhante a uma sanfona.

É “tão incomum e inusitado”, afirma Sara Ruane, bióloga evolucionária da Universidade Rutgers, que não participou do estudo. “Não conseguia acreditar.”

Cobras que sobem tubos

Após testemunhar a filmagem das cobras se laçando pelos tubos verticais em 2016, Savidge e Seibert ligaram para Bruce Jayne, biólogo da Universidade de Cincinnati, para lhe perguntar se já tinha testemunhado algo assim em seus 40 anos de carreira. “Fiquei pasmo e perplexo”, disse Jayne, coautor do estudo.

Mas como o vídeo foi feito pela técnica time-lapse com fotos tiradas em intervalos, Jayne precisava identificar claramente como as cobras estavam subindo no tubo. Seibert voltou a Guam em 2019 para desenvolver um novo experimento. Ele instalou um tubo de aço em um pequeno cercado, fechado por paredes com cerca de um metro e meio de altura, e colocou um rato morto no topo como isca. Em seguida, soltou no recinto 15 cobras-arborícolas-marrons capturadas na natureza. Cinco das cobras escalaram o tubo e as imagens foram filmadas pelos pesquisadores em alta definição.

Na filmagem, Jayne notou um “ponto de apoio” onde o corpo da cobra, normalmente com pouco mais de um metro de comprimento, se cruza para escalar. Ao subir nas árvores, cobras arborícolas comuns geralmente precisam de dois pontos de apoio, o que conseguem enrolando o corpo duas vezes ao redor do tronco, um processo denominado locomoção concertina.

Mas na locomoção de laço recém-descoberta, a cobra usa seu único ponto de apoio para se fixar, o que lhe permite enrolar o corpo uma única vez, como um laço. Com essa base firme, a cobra forma pequenas curvas em seu corpo em movimentos ondulatórios, impulsionando-o lentamente para cima.

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    Navios de carga provavelmente introduziram a cobra-arborícola-marrom, nativa de outras ilhas do Pacífico, em Guam no fim da década de 1940.

    Foto de Bjorn Lardner, United States Geological Survey

    Mas não é fácil para as cobras, que estão sempre em busca de alimento, afirma Jayne.

    “Essas cobras escorregam bastante, então, embora consigam subir”, explica ele, provavelmente é “um grande esforço para elas”.

    “Ainda há muito a descobrir”

    Essa forma de locomoção só foi registrada em cobras-arborícolas-marrons que escalaram tubos artificiais em Guam e, por isso, não se sabe se está presente em seu habitat nativo ou em outras espécies, advertem os autores.

    Mas eles presumem que esse movimento singular — e a capacidade de acessar presas nas copas das árvores — é mais um acréscimo a um repertório já bastante diverso, o que pode ajudar a explicar o impacto devastador das cobras nos ecossistemas de Guam.

    “Há inúmeras características dessa espécie que garantiram sua proliferação em Guam”, afirma Savidge, como, por exemplo, sua dieta variada e sua agilidade, incluindo sua habilidade de se lançar pelo ar entre os galhos das árvores.

    Savidge afirma que essa descoberta os levou a testar uma nova barreira em formato de cone que parece impedir as cobras-arborícolas-marrons de subirem nas casas de pássaros. Essa disposição, em um ângulo que dificulta a escalada das cobras, será objeto de pesquisas futuras.

    Ruane acrescenta que, embora as cobras-arborícolas-marrons sejam amplamente estudadas, sua locomoção recém-descoberta provavelmente teria passado despercebida, não fosse pelo vídeo.

    Segundo ela, “isso mostra que ainda há muito a descobrir, até mesmo em espécies bastante conhecidas”.

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