Mais de 130 anos após ser descoberta, esta mariposa foi finalmente fotografada viva

A mariposa da espécie Dichagyris longidens, retratada na imagem de número 11 mil no projeto Photo Ark da National Geographic, é um lembrete do papel fundamental desempenhado pelos insetos.

Por Christine Dell'Amore
Publicado 17 de fev. de 2021, 08:00 BRT
Joel Sartore fotografou a mariposa da espécie Dichagyris longidens em setembro de 2020, próximo a Santa ...

Joel Sartore fotografou a mariposa da espécie Dichagyris longidens em setembro de 2020, próximo a Santa Fé, Novo México.

Foto de Joël Sartore, National Geographic Photo Ark

Um mês após o início da pandemia do coronavírus, o fotógrafo Joel Sartore acordou de manhã cedo em sua casa em Lincoln, Nebraska, e saiu para pegar o jornal deixado do lado de fora. Após o cancelamento de suas viagens programadas para 2020, viagens que costumam durar seis meses por ano, Sartore estava perdido e não sabia o que fazer.

Em sua varanda, chamaram sua atenção diversos insetos que zumbiam em torno de uma lâmpada: libélulascigarras, besouros da espécie Cotinis nitida e muitos outros. De repente, ele ficou mais entusiasmado.

“Recordo-me de ter pensado: aposto que poderia me ocupar durante esta pandemia fotografando insetos e outros invertebrados”, conta Sartore. Como fundador do projeto Photo Ark da National Geographic, ele pretende documentar todas as espécies mantidas em zoológicos e santuários de animais silvestres em todo o mundo.

Depois daquela manhã de abril, Sartore recrutou dois de seus filhos mais velhos, além de seus amigos aposentados Loren e Babs Padelford, entomologistas amadores de Nebraska e cujo passatempo é fotografar insetos. A equipe começou a percorrer propriedades rurais e pradarias em Nebraska e cinco estados vizinhos em busca das menores criaturas, como as ferozes formigas-leões, cigarrinhas coloridas e os longos e esguios percevejos-assassinos. No fim, acrescentaram 900 novas espécies ao Photo Ark em apenas oito meses.

“Foi simplesmente incrível perceber que algo tão importante para o Photo Ark esteve este tempo todo debaixo do meu nariz”, afirma Sartore, que fotografou a maioria dos invertebrados capturados na própria região e os devolveu à natureza.

Como o exemplar número 11 mil a ser adicionado a essa iniciativa de décadas, Sartore escolheu a mariposa da espécie Dichagyris longidens.

Após a definição de seu nome científico em 1890, a mariposa de pouco mais de dois centímetros de comprimento, nativa do sudoeste dos Estados Unidos, praticamente caiu no esquecimento. Aliás, são tão poucos os conhecimentos sobre ela que a fotografia de Sartore é a primeira de um espécime vivo.

“Os mamíferos recebem toda a fama — gorilas, tigres — mas são os insetos que salvam a todos”, afirma ele, citando seu papel fundamental como polinizadores e necrófagos que consomem resíduos. Apenas nos Estados Unidos, insetos contribuem com cerca de US$ 70 bilhões por ano à economia. Ao mesmo tempo, muitos estudos revelam que os insetos também estão desaparecendo a um ritmo acelerado em todo o mundo, principalmente devido à perda de habitat e ao uso de agrotóxicos.

Akito Y. Kawahara, professor associado e curador da ala de Lepidópteros (mariposas e borboletas) no Museu de História Natural da Flórida, elogiou a decisão de Sartore de indicar uma mariposa para esse marco no Photo Ark.

“Ele chama a atenção às pequenas coisas do mundo — tão subestimadas”, afirma ele.

Mariposa misteriosa

Quando Sartore e sua equipe capturaram a mariposa da espécie Dichagyris longidens ao longo do rio Pecos no Novo México em setembro de 2020, enviaram uma foto da espécie misteriosa a Bob Biagi, editor do site de identificação de espécies BugGuide. A resposta dele foi: “aguardamos essa imagem há pelo menos 130 anos.”

A mariposa da espécie Dichagyris longidens é semelhante à mariposa da lagarta-rosca — pequenas mariposas marrons com aparência praticamente igual. É difícil até para os cientistas distingui-las, observa Kawahara, e é por isso que a mariposa dessa espécie foi tão pouco estudada.

As lagartas-roscas saem do solo à noite e cortam os caules das plantas, geralmente mudas, derrubando-as. Algumas espécies, como a Euxoa auxiliaris, são consideradas pragas agrícolas, mas a maioria não é prejudicial às plantações, afirma Kawahara.

Essas mariposas também servem de alimento a morcegos (elas são bastante “suculentas”, segundo Kawahara) e polinizam plantas de floração noturna. O papel das mariposas como polinizadoras geralmente fica ofuscado aos olhos do público por borboletas e abelhas, conta ele.

Na Terra, existem cerca de 160 mil espécies conhecidas de mariposas e borboletas, mas talvez haja mais 200 mil ainda não identificadas. “Há inúmeros insetos sobre os quais pouco sabemos”, afirma Scott Bundy, professor de entomologia da Universidade Estadual do Novo México.

O Novo México, em especial, possui diversas espécies de insetos não documentadas, e um dos motivos é o fato de ter se emancipado como estado há relativamente pouco tempo, apenas em 1912. Nos estados do leste dos Estados Unidos, os entomologistas catalogam espécies há séculos, esclarece Bundy.

“Para mim, essa é a parte mais divertida — ainda há tanto a aprender sobre o que existe neste país.”

Ameaças a insetos — e soluções

Mariposas e borboletas estão desaparecendo mais rápido do que outros grupos de insetos, segundo um estudo recente, e muitas espécies podem ser extintas antes de mesmo de sua identificação.

As mudanças climáticas representam especialmente uma “grande ameaça” às mariposas, afirma Kawahara. A flutuação das temperaturas pode interferir na época de formação das crisálidas e os incêndios florestais cada vez mais extremos podem queimar as lagartas vivas.

Outra ameaça é a poluição luminosa. Como criaturas noturnas, as mariposas usam a luz da lua como sistema de navegação e podem ser distraídas pela iluminação artificial, fazendo com que voem em círculos até ficarem exaustas e se tornarem presas fáceis, afirma Kawahara.

Recentemente, ele publicou um estudo detalhando oito medidas simples benéficas às mariposas e aos demais insetos, como desligar as luzes em escritórios e casas à noite e plantar vegetação nativa.

Ele também incentiva as pessoas a terem curiosidade sobre o mundo ao seu redor: “saiam de casa com seu smartphone, virem as pedras e compartilhem as fotos do que encontrarem”, sugere ele. Esses dados de cidadãos cientistas podem ajudar a complementar pesquisas científicas, sobretudo durante a pandemia, quando a capacidade dos cientistas de atuar em campo é limitada.

“Espero que cada vez mais fotógrafos não se interessem apenas por animais carismáticos da megafauna, mas percebam que há uma diversidade extraordinária de animais incríveis bem ao nosso lado”, afirma Kawahara.

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