Angelina Jolie apoia as abelhas – e as apicultoras – como guardiãs do meio ambiente
A estrela do cinema e ativista humanitária conversa sobre ensinar mulheres a cuidar de abelhas em reservas da biosfera da Unesco... e sobre a abelha que entrou em seu vestido.
Para promover a iniciativa para o Dia Mundial das Abelhas, em colaboração com a National Geographic. Angelina queria fazer um retrato coberta de abelhas. Eu [o fotógrafo] sou apicultor amador há muito tempo, então me deram essa missão com a Angelina, e meu maior temor era a segurança. Fotografar em uma pandemia, com Angelina, equipe completa e abelhas vivas complicou a execução. Eu sabia que a única maneira de conseguir o efeito desejado era usar a mesma técnica que Richard Avedon usou 40 anos aturas para criar seu icônico retrato 'O Apicultor'. Eu contratei meu amigo Konrad Bouffard, um excelente apicultor, para ajudar. Ele contatou um entomologista e conseguiu o feromônio específico que Avedon utilizou para retratar o apicultor Ronald Fisher no seu livro "The American West" (O Oeste Americano, em tradução livre). Nós usamos abelhas italianas, mantidas calmas durante todo o processo por Konrad. Todos no set, exceto Angelina, tinham que ficar em roupas de proteção. O set tinha que ser silencioso e bem escuro para manter as abelhas calmas. Eu apliquei o feromônio em alguns lugares do corpo dela onde queria que elas se juntassem. As abelhas são atraídas pelos feromônios, mas eles também as encorajam a não formar enxames. Também colocamos várias abelhas em uma placa que ficou na frente de seu quadril. Angelina ficou perfeitamente parada, coberta por abelhas por 18 minutos sem nenhuma picada.
É surpreendente ver um rosto de beleza icônica coberto por abelhas. Uma visão mais aproximada conta uma história mais profunda sobre o delicado equilíbrio entre humanos e insetos polinizadores de quem dependemos tanto para a comida que consumimos.
Na National Geographic, Angelina Jolie posou para um retrato impressionante a fim de, no Dia Mundial das Abelhas, chamar atenção para um programa da Unesco-Guerlain que oferece treinamento de apicultura, empreendedorismo e proteção de abelhas nativas e seus habitats para mulheres de todo o mundo. O fotógrafo Dan Winters, que também é apicultor amador, se inspirou em um famoso retrato de Richard Avedon de um apicultor careca, cujo torso estava coberto de abelhas.
Jolie se inspirou em diferentes visões: de abelhas como um pilar indispensável de nossa alimentação – um pilar que está ameaçado por parasitas, agrotóxicos, perda de habitat e mudanças climáticas – e uma rede global de mulheres que serão treinadas para proteger esses polinizadores essenciais.
A atriz, diretora e ativista humanitária se juntou a mim para uma entrevista em Los Angeles para falar sobre as conexões entre meio ambiente saudável, segurança alimentar, empoderamento feminino e as estimadas 4 mil espécies de abelhas nativas dos Estados Unidos. Proteger polinizadores que sustentam a vida é um desafio absolutamente possível, diz ela.
"Com tanta coisa para se preocupar no mundo, e tanta gente afundada em más notícias, sobre a realidade do que está acabando e o que está acontecendo", diz ela, "isso [este problema] é algo com o que conseguimos lidar."
Foto produzida com a ajuda de um microscópio eletrônico de uma abelha operária.
Foto da cabeça de uma abelha-rainha.
Três em cada quatro dos cultivos mais importantes para o consumo humano – e mais de um terço da terra cultivada no mundo – dependem de polinizadores, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Não se trata apenas de frutas, castanhas ou legumes; abelhas também polinizam alfafa consumida pelo gado e plantações usadas para vestimentas e remédios. Estima-se que somente as abelhas gerem US$ 20 bilhões para a agricultura dos EUA, de acordo com a Federação Americana de Apicultura; polinizadores são responsáveis por gerar mais de US$ 200 bilhões em produção de comida no mundo todo.
Mesmo assim, populações de abelhas sofreram reduções severas na última década. Mortes em massa de abelhas estão associadas a agrotóxicos (especialmente a um grupo de elementos químicos chamado neonicotinoides), ácaros parasitas e perda de habitat para a monocultura comercial em larga escala. Mudanças climáticas também afetaram espécies nativas em todo o mundo, levando mais de uma dúzia de espécies americanas à lista de espécies ameaçadas.
Jolie foi recentemente nomeada madrinha do Dia Mundial das Abelhas, um programa de cinco anos lançado pela Unesco, o braço para a educação, ciência e cultura das Nações Unidas, e Guerlain, uma empresa de cosméticos da França. A Guerlain diz que contribuiu com U$ 2 milhões para capacitar e apoiar 50 mulheres empreendedoras e apicultoras em 25 reservas da biosfera da Unesco pelo mundo.
Espera-se que as mulheres construam 2,5 mil colmeias nativas até 2025, protegendo 125 milhões de abelhas, de acordo com a Guerlain. Mulheres da Bulgária, Camboja, China, Etiópia, França, Rússia, Ruanda e Eslovênia serão treinadas este ano, com outras do Peru, Indonésia e outros países em 2022.
Um objetivo chave para o programa é mostrar a diversidade de práticas apicultoras locais, compartilhando saberes de diferentes culturas. Na reserva da biosfera Xishuangbanna, na China, por exemplo, moradores usam colmeias em troncos feitos de árvores caídas e seladas com esterco de vaca para proteger as abelhas no inverno. Na reserva Tonle Sap, no Camboja, apicultores criam colônias em galhos inclinados, o que facilita retirar mel sem destruir a colônia. Autoridades da Unesco me disseram que, no programa Mulheres pelas Abelhas, nem colônias, nem abelhas-rainhas seriam importadas para evitar extinguir abelhas nativas ou espalhar doenças.
Jolie assume o novo posto com uma experiência incomum. Enviada especial do Alto Comissariado da ONU para Refugiados, ela participou de quase 60 missões em zonas de guerra e campos de refugiados nos últimos 20 anos. Em 2003, ela criou uma fundação para conservação e desenvolvimento comunitário, batizada com o nome do filho mais velho, Maddox, em uma região rural protegida no noroeste do Camboja. A fundação trabalhou para remover minas terrestres de tempos de guerra, converter antigos caçadores ilegais em guardas florestais e promover igualdade de gênero, entre outros objetivos, ocmo também capacitar apicultores.
Em junho, Jolie se juntará às primeiras 10 Mulheres pelas Abelhas, que participarão de um treinamento de 30 dias conduzido por especialistas do Observatório Francês de Melitologia, na Provença, onde ela pretende ser capacitada também.
Indira Lakshmanan: Há 20 anos você tem sido uma voz pelas populações mais vulneráveis, especialmente mulheres e crianças em zonas de guerra. Qual a conexão entre populações vulneráveis e abelhas?
Angelina Jolie: Muitas pessoas em situação vulnerável são deslocadas por causa das mudanças climáticas ou guerras por recursos limitados. Ter seu ambiente destruído, seu ganha-pão retirado de você, é uma das muitas razões pelas quais pessoas migram, são descoladas ou lutam. Tudo isso está conectado.
Os polinizadores são, claro, extremamente vitais para nossas vidas e nosso ambiente. Por isso, precisamos entender, cientificamente, o que acontece se os perdermos. Isso é algo que podemos trabalhar para resolver.
O que é empolgante para mim é que, em vez de dizer: “Estamos perdendo as abelhas, temos algumas espécies que se extinguiram ou vão extinguir”, nós estamos dizendo: “Sim, é desta maneira que as protegemos”. É preciso ter mais consciência sobre os agrotóxicos e o desmatamento. Mas, também, tem estas coisas que as pessoas podem fazer. Você não precisa ter terra, mas pode considerar ser parte da solução. O empolgante é que estamos chegando com soluções e empoderando mulheres em seus modos de sustento.
IL: São tantas as ameaças às abelhas no mundo.
AJ: Às vezes esses problemas parecem tão grandes. Mas há estas pequenas verdades e nós nos apegamos a elas. Quando estamos perdendo espécies, animais ou plantas, isso está destruindo algo. É quebrar o tecido de todas as coisas das quais dependemos. Somo todos inteligentes o suficiente para saber que essas peças são muito, muito interconectadas e cruciais. Eu sei que parece que agora eu estou trabalhando com abelhas, mas na verdade, para mim, está tudo conectado com o sustento de mulheres e os deslocamentos pelas mudanças climáticas.
IL: Tem algumas maneiras simples para que todos possam ajudar – plantar vegetação nativa, não usar agrotóxicos nos quintais e jardins comunitários...
AJ: Com tanta coisa para se preocupar no mundo, e tanta gente afundada em más notícias, sobre a realidade do que está acabando e o que está acontecendo, isto é algo com que conseguimos lidar. Todos podemos fazer uma parte e fazer muito melhor.
Eu acho que muita gente não sabe o dano que está causando. Muitas pessoas só estão tentando sobreviver mais um dia. Elas querem fazer o bem. Elas não querem ser destrutivas. Elas não sabem o que comprar. Não sabem o que usar. Então, eu acho que parte disso é ajudar a simplificar para todo mundo, porque eu preciso disso. Eu tenho seis filhos e muita coisa acontecendo, e eu não sei como ser a perfeita em nada. Então, se conseguimos ajudar uns aos outros a dizer: “Assim é como se faz, simples, e isto é algo que você pode fazer com seus filhos”.
Os jovens são tão conscientes. Eles são conscientes dos problemas do mundo em que vivemos. E eles aprendem a comprar isso ou aquilo, não tocar aquilo ou não dirigir aquio. Eles estão sobrecarregados com isso. Por isso uma das coisas que queremos fazer é tornar isso possível e simples [proteger as abelhas e a biodiversidade].
IL: Seus filhos inspiraram seu interesse em conservação e meio ambiente?
AJ: Eles estão certamente crescendo muito mais informados. Veja, é uma questão de geração. Estamos no limite. Decisões feitas ou coisas que feitas nos próximos 10, 20 anos serão determinantes para a maneira como vivemos neste planeta. É triste, eles sabem disso. É muito difícil para eles. Eu não posso imaginar se uma criança de novo. Se a Terra poderá existir do mesmo jeito, ou se haverá abelhas e polinização, não era algo com o que eu me preocupava quando tinha 12 anos.
Foto de estúdio de uma colmeia.
Mel de abelha fotografado em estúdio.
IL: Você começou uma fundação no Camboja que a fez testemunhar desmatamento extração ilegal de madeira. Qual foi sua inspiração para apoiar um programa de apicultura lá?
AJ: Ver o meio ambiente e os modos de sustento. Trabalhamos com muitos caçadores que se tornaram guardas-florestais, e eles fizeram muito para conter a extração ilegal de madeira e proteger os animais onde podiam. E tem muita coleta de mel selvagem no Camboja.
É importante que você não vá ao país e diga: “Sem infraestrutura, sem estradas, sem progresso, sem nada, vamos manter esta área especial e preservá-la”. Precisamos fazer isso, mas para isso, precisamos ser sustentáveis, precisamos encontrar maneiras para as pessoas viverem nessas comunidades e prosperarem conectadas a este ambiente natural.
IL: Abelhas praticam uma forma de democracia na qual cada abelha vota individualmente na hora de escolher um novo local para a colmeia. Me parece um paralelo interessante para o Mulheres pelas Abelhas. Por que envolver mulheres na apicultura, como isso as dará voz, liderança, poder econômico?
AJ: Mulheres são muito capazes. E há muitas mulheres em áreas onde elas não tiveram oportunidades. Mas elas estão famintas para aprender, têm um enorme instinto para negócios. Ter uma rede, saber como ser apicultoras melhores com todos os avanços da ciência e métodos e ter algo que elas podem fazer e vender. Não é apenas sair ensinando mulheres, mas sobre aprender com essas mulheres de todo o mundo, que têm práticas diferentes.
Mulheres são muito capazes e quando elas aprendem uma habilidade, ela ensina outras mulheres, homens e seus filhos. Então, se você realmente quer fazer algo e quer ampliá-lo, você encontra uma mulher, você a ajuda a entender o problema e ela vai trabalhar duro para informar sua comunidade.
IL: Você recentemente participou de um retrato extraordinário para a National Geographic pelo fotógrafo Dan Winters, e você ficou literalmente coberta de abelhas, que ficaram voando até no seu rosto. Como você se sentiu?
AJ: Vou soar como meu professor de budismo, mas foi uma sensação amorosa estar conectada com essas criaturas maravilhosas. Tinha um zumbido. Você precisa ficar muito parada, no seu corpo, no momento, o que não é fácil para mim. Eu acho que parte do pensamento por trás disso era, esta criatura é vista como perigosa, às vezes. Então como simplesmente convivemos com ela? A intenção é compartilhar este planeta. Somos afetados uns pelos outros. É assim que precisava ser a sensação, e realmente foi, e eu me senti muito honrada e sortuda de ter essa experiência.
IL: Dan Winters buscou o mesmo feromônio para atrair abelhas que Richard Avedon usou há 40 anos para fazer seu famoso retrato de um apicultor.
AJ: Foi tão engraçado estar com o cabelo e a maquiagem feita e me passarem feromônios. Não pude tomar banho por três dias antes. Porque eles me disseram: ‘Se você tem todos esses cheiros diferentes, xampus e perfumes e outras coisas, a abelha não sabe quem você’. [Eles] não querem [que abelhas] confundem você com uma flor, eu suponho.
IL: E tentar te polinizar. [Risos]
AJ: Não tenho certeza, mas foi interessante. Daí você coloca umas coisas no nariz e nos ouvidos para que elas não tenham muitos buracos para entrar.
IL: Uau, isso é um pouco assustador!
AJ: Eu tive uma que ficou embaixo do meu vestido o tempo todo. Foi como uma daquelas comédias antigas. Eu fiquei sentindo ela no meu joelho, na minha perna e pensei: ‘Este é o pior lugar para ser picada. Está chegando muito perto.’ Ela ficou lá durante todo o tempo do ensaio. Depois que tiraram todas as outras abelhas, levantei minha saia e ela saiu.
Essa entrevista foi editada para maior clareza e concisão.