Cavalos selvagens cavam poços no deserto, gerando fontes de água para outras espécies

Esses inesperados “engenheiros de ecossistema” proporcionam hidratação para dezenas de espécies animais, de texugos a sapos.

Por Douglas Main
Publicado 7 de mai. de 2021, 12:00 BRT
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Cavalos selvagens caminham por arbustos secos na Área de Recreação Nacional do Lago Mead, no estado de Nevada, EUA, perto de onde os desertos de Mojave e Sonora se encontram. Uma nova pesquisa mostra que cavalos e burros selvagens em ambos os desertos podem escavar poços de quase dois metros de profundidade para encontrar água.

Foto de Justin Sullivan

Os humanos têm um longo histórico de escavar poços, mas não somos a única espécie a extrair água da terra: nova pesquisa revela que cavalos e burros selvagens também podem fazê-lo.

Conforme descrito em um artigo publicado no periódico Science, os animais usam seus cascos para alcançar o lençol freático a quase dois metros de profundidade e conseguir água para si próprios, o que por sua vez cria oásis que se tornam uma importante fonte de água para outros animais silvestres — texugos-americanos, ursos-negros e uma variedade de aves, incluindo algumas espécies em declínio, como mochos-duendes. 

Cavalos e burros, introduzidos na natureza ao longo dos séculos, fixaram residência como populações dispersas em grande parte do oeste americano. Os poços que eles cavam se transformam em “focos de atividade animal”, explica Erick Lundgren, pesquisador de pós-doutorado da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, e primeiro autor do estudo.

Observação de poços 

Ao longo de três verões no Hemisfério Norte, os pesquisadores montaram armadilhas fotográficas para observar a vida selvagem em quatro locais no deserto de Sonora, no oeste do estado do Arizona, e em um local no deserto de Mojave perto de Baker, estado da Califórnia, todos em leitos de rios sazonais. Os burros frequentavam e cavavam poços em quatro locais, enquanto os cavalos faziam o mesmo em outro lugar; ambas as espécies são ágeis escavadores e, ao cavar, jogam areia e cascalho para trás, principalmente com seus cascos dianteiros.

Os cientistas descobriram que, no total, 57 espécies iam a esses poços criados por equinos para tomar água: aves de rapina, como búteos-de-cauda-vermelha e falcões-do-tanoeiro; aves menores, como mariquitas-amarelas, papa-figo-com-capuz e o pássaro da espécie Aphelocoma californica; além de grandes mamíferos, como cervos, carneiros-selvagens e texugos; e até mesmo sapos-do-rio-colorado.  

Eles também instalaram câmeras em locais próximos que não tinham poços, com o objetivo de servirem como controles científicos e determinar a influência dos poços em atrair os animais silvestres. A riqueza de espécies observada nesses poços foi 64% maior do que nos locais de controle, sugerindo que os animais visitavam intencionalmente os poços feitos pelos equinos. Os pesquisadores também mapearam fontes de água abertas nas áreas ao redor de seus locais de estudo e constataram que, ao cavar poços, os equinos aumentavam a densidade da água superficial acessível em até 14 vezes. 

Eles também encontraram salgueiros e choupos germinando em alguns poços, sugerindo que tais pontos podem servir como viveiros para essas árvores desérticas essenciais — mas que estão em declínio.

“É muito bacana que esses pesquisadores tenham quantificado quanta água de fato [os cavalos e burros] estão tornando acessível e como ela é distribuída”, exalta Michael Bogan, ecologista aquático da Universidade do Arizona que não participou do estudo. 

O comportamento se enquadra na definição de “engenharia de ecossistema”, um fenômeno pelo qual a fauna altera seu ambiente, explica Lundgren. Um exemplo mais conhecido é como os castores fazem lagos que aumentam a diversidade de espécies, elevam o nível freático, ajudam a prevenir incêndios florestais, entre outros.  

Embora este seja o primeiro estudo abrangente de escavação de poços no deserto, o comportamento foi observado entre cavalos selvagens no norte de Queensland, na Austrália, e na Ilha Sable, no Canadá; além de burros selvagens no sul da Austrália e no deserto de Gobi; e várias outras espécies, incluindo coiotes e elefantes-africanos.

Bogan suspeita que o comportamento seja comum em desertos com areia ou cascalho solto e onde a água está enterrada em um nível relativamente raso. Ele chegou a ver com seus próprios olhos burros realizando escavações na Reserva da Biosfera El Pinacate y Gran Desierto de Altar, no México, ao sul da fronteira com o estado do Arizona. 

Na mesma região, comprovei como é possível cavar em busca de água em caso de necessidade. Em uma exploração perto do rio San Pedro, no Arizona, avistei um besouro verde cintilante, que mais parecia uma joia. Conhecidos por buscarem sua presa de forma impetuosa, esses predadores perseguem lagartas para devorá-las. Depois que o peguei com cuidado, ele liberou uma substância fétida na minha mão. Como eu estava muito longe de uma torneira, tive que improvisar. Então, cavei cerca de 30 centímetros o leito seco de um rio, até encontrar água, e consegui remover o cheiro da minha mão.

Apreço por cavalos selvagens

No Pleistoceno, há mais de 10 mil anos, diversas espécies equinas viviam em toda a América do Norte, incluindo pequenos animais parecidos com cavalos e camelos, mas que depois foram extintas, conta Lundgren. Ele acredita que os cavalos selvagens da atualidade podem desempenhar uma função que contribui com ações do ecossistema, anteriormente realizadas por esses animais antigos.

Esse é apenas um motivo para reavaliarmos nossa visão sobre os burros e cavalos, que muitas vezes são depreciados de modo errôneo por não serem estritamente nativos, esclarece ele. A Repartição de Gestão de Terras (Bureau of Land Management, BLM, na sigla em inglês) dos Estados Unidos administra a população selvagem de cerca de 90 mil burros e cavalos, que no passado já sofreu tentativas de controle com o uso de meios letais pela própria agência e outras organizações. O governo federal também mantém outros 50 mil animais em currais em todo o oeste, algo que gera grandes despesas, e cuja finalidade original era conter as populações selvagens.

Wayne Linklater, biólogo de vida selvagem e presidente do departamento de estudos ambientais da Universidade Estadual da Califórnia, em Sacramento, concorda que o estudo apresenta uma nova perspectiva sobre essas espécies. 

“Mesmo que sejam animais introduzidos na natureza, eles desempenham uma função ecológica muito importante”, afirma Linklater, e ainda assim a BLM quer reduzir seus populações. 

Ele conclui que “o artigo desafia esses conservacionistas tradicionais que querem considerar todas as espécies introduzidas como sendo de alguma forma invasoras e estrangeiras”.

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