Projeto de lei em estado americano prevê exterminar até 90% dos lobos

A medida ameaça desfazer décadas de esforços do governo para recuperar a presença dos lobos na região, que custaram dezenas de milhões aos contribuintes residentes no estado de Idaho.

Por Douglas Main
Publicado 8 de mai. de 2021, 16:30 BRT

Um lobo-cinzento em um campo de flores silvestres. O novo projeto de lei de Idaho pretende eliminar grande parte dos lobos do estado.

Foto de Jim and Jamie Dutcher

Os parlamentares de Idaho, nos EUA, aprovaram um projeto de lei com o objetivo de eliminar os lobos do estado, o que desabonaria diversas restrições legais voltados para a caça de predadores. O projeto de lei representa a mais ampla licença para a caça de lobos no estado, causando a indignação de cientistas, ambientalistas e até de grupos pró-caça.

A lei permitiria que caçadores e terceiros privados abatessem 90% ou mais dos lobos no estado, cerca de 1,5 mil lobos, conforme indicam os números da última contagem. A resolução veio poucos meses depois da exclusão da espécie entre as mencionadas pela Lei de Espécies Ameaçadas dos Estados Unidos, embora os lobos das Montanhas Rochosas do Norte já não constem na lista desde 2011. A medida ameaça desfazer décadas de esforços do governo para recuperar a presença dos lobos na região, que custaram dezenas de milhões aos contribuintes residentes no estado.

O projeto foi aprovado conforme as linhas partidárias: a grande maioria dos parlamentares republicanos votaram a favor da medida e, por outro lado, a maioria dos democratas votaram contra o novo projeto de lei. No Senado Estadual, o projeto de lei foi aprovado em 21 de abril: foram 26 votos favoráveis contra sete contrários; já na Câmara dos Deputados do Estado, em 27 de abril, o projeto teve 58 votos favoráveis contra 11 contrários. O projeto foi encaminhado para o gabinete do governador Brad Little. Caso o republicano sancione essa nova lei, ela entrará em vigor em alguns meses.

Essa lei permitiria a caça desmedida de lobos, que são considerados por alguns uma ameaça aos gados e alces da região. Com a nova lei, os animais poderão ser abatidos inclusive com o uso de armas de fogo a partir de aviões, helicópteros, quadriciclos e máquinas de remoção de neve, além do uso de iscas e candeios (para caças noturnas) que estariam entre os métodos de caça a serem autorizados. Tudo isso facilitaria a captura de lobos em propriedades privadas. Cada caçador poderia comprar um número ilimitado de etiquetas de identificação para abater esses predadores caninos.

A lei passaria a destinar US$ 300 mil dos fundos estaduais especificamente para o extermínio de lobos que atacam alces, o que representa um aumento anual de US$ 190 mil. Já para abater lobos que atacam os gados, o acréscimo adicional adotado pelo governo, em relação à quantia que era empregada antes, será de mais de US$ 500 mil. Parte desse dinheiro poderá ser destinado para reembolsar cidadãos pelas despesas que tiverem abatendo os lobos. Muitos críticos consideram essa medida um retrocesso à época de caçadores de recompensas, período em que quase houve o extermínio total de lobos nos Estados Unidos contíguos, no início do século 20.

Diversas organizações se opuseram ao projeto de lei, até mesmo algumas que tradicionalmente apoiam a caça de animais, como o Departamento de Pesca e Caça de Idaho e o grupo dos Desportistas de Idaho.

“Isso não faz sentido”, diz Carter Niemeyer, agente ambiental aposentado que passou grande parte de sua carreira defendendo os predadores caninos. “Não vejo justificativa para isso. Estamos retrocedendo.”

Em contrapartida, o projeto é visto com bons olhos pela maioria dos fazendeiros que, segundo Niemeyer, são ameaças aos lobos.

Na semana passada, em um debate no plenário do Senado, o senador republicano Mark Harris, fazendeiro e um dos principais patrocinadores do projeto de lei que autorizaria o extermínio de lobos na região, disse que “ainda há muitos lobos no estado de Idaho” e que “são em torno de 15 matilhas, com 150 lobos...”, Harris conclui que “...os lobos estão acabando com as fazendas. Eles estão destruindo a vida de outros animais. Essa lei é necessária.”

Uma operação estabilizadora 

Porém, estudos científicos sobre os lobos e o impacto que eles causam no ecossistema revelam uma realidade muito diferente.

Na verdade, um fato bastante conhecido é que, desde 1995, a reintrodução dos lobos promoveu equilíbrio ao Grande Ecossistema de Yellowstone, que abrange algumas regiões de Idaho. Um exemplo é a população de alces em Idaho. De acordo com agências estaduais, o número de indivíduos dessa espécie ultrapassa 120 mil, um número bem próximo ou ainda maior do que se tinha antes da reintrodução dos lobos no estado. Uma pesquisa feita no Parque Nacional de Yellowstone revelou que a presença dos lobos no ecossistema é favorável às condições de saúde dos rebanhos de alces, reduzindo doenças e criando populações mais resistentes da espécie.

A superpopulação de alces chega a ser, inclusive, um problema em diversas regiões de Idaho onde o número de lobos é menor, pois os alces se alimentam das plantações das fazendas da região. Em alguns casos, o estado chegou a reembolsar uma verba alta aos fazendeiros por conta desse prejuízo, como afirma Garrick Dutcher, diretor de pesquisas da Living with Wolves (Vivendo com Lobos, em português), organização ambientalista com sede em Idaho.

De acordo com Niemeyer, quando a questão foi debatida décadas atrás, diversos parlamentares que não aceitaram a reintrodução dos lobos impulsionam o projeto atual com um sentimento de revanche. Movimentos semelhantes para expandir a caça de lobos ocorreram recentemente em outros estados dos Estados Unidos, como Montana e Wisconsin.

Segundo a deputada estadual do partido democrata Muffy Davis, que votou contra o projeto de lei, o processo legislativo que envolveu essa nova medida foi precipitado e pouco contou com a consulta a órgãos importantes, como o Departamento de Pesca e Caça de Idaho. Cientistas e ambientalistas, grupos que em boa parte se opõem à lei, também não participaram do processo.

Quando questionada sobre o projeto de lei, Marissa Morrison Hyer, secretária de imprensa do governador Brad Little, disse que o governador não comenta processos legislativos pendentes.

“Esse processo correu de forma apressada, já no fim da sessão”, afirma Davis. Ainda segundo a deputada, a lei “usurpa a autoridade do departamento de pesca e caça”, sendo esse um dos motivos pelos quais se opõe à diretriz. Com a lei em vigor, o Wolf Depredation Control Board, departamento governamental, seria responsável pela palavra definitiva quanto ao número de lobos abatidos no estado e teria o poder de contratar terceiros privados para eliminar os animais.

O projeto também não considera o número relativamente pequeno de gados que sofrem ataques de lobos. Em 2020, os lobos da região de Idaho causaram o extermínio de 102 bovinos e ovinos, de acordo com agentes de fiscalização estaduais. Isso equivale a aproximadamente um animal em 28 mil dos 2,8 milhões de bovinos e ovinos do estado, diz Dutcher.

“Como isso pode justificar o extermínio da grande maioria dos lobos de Idaho?” ele questiona. “Os números são proporcionais aos de outros carnívoros, mas, com razão, essas outras [espécies] não estão sendo perseguidas.”

Matança indiscriminada

Nos últimos anos, caçadores legalizados abateram uma média de 500 lobos por ano em Idaho, de modo que o monitoramento populacional de lobos aponta a permanência de aproximadamente 1,5 mil indivíduos da espécie.

Alguns apoiadores do projeto sugerem que a população de lobos de Idaho deva contar com o mínimo de 15 casais reprodutores e o máximo de 150, pois, como explica Andrea Zaccardi, advogada sênior do grupo ambientalista Center for Biological Diversity, se os números ficarem abaixo disso, o Serviço Federal de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos poderá retomar o monitoramento dos lobos da região.

Esses números são os mais baixos já declarados pelo Serviço Federal de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos, correspondendo ao período em que os lobos das Montanhas Rochosas foram removidos entre os animais mencionados na Lei de Espécies Ameaçadas de Extinção em 2011. Davis acredita que o projeto de lei poderia causar um massacre de lobos tão grande que os órgãos federais de controle acabariam entrando em ação novamente, que é justamente o que os defensores desse projeto de lei pretendem evitar.

O projeto é polêmico por vários motivos, diz Dutcher. Não só promoveria um extermínio de lobos em suas tocas, incluindo filhotes, como também daria aos caçadores o direito de colocar armadilhas em propriedades privadas. Isso representaria uma grande ameaça para outros animais selvagens e até mesmo para humanos e animais de estimação.

A senadora estadual Michelle Stennett, que também votou contra a legislação, passeava com Teagan, seu cão golden retriever de nove anos, por uma estrada coberta de neve no início de janeiro, quando uma das patas do cão ficou presa em uma armadilha de metal por uma hora e meia. Teagan acidentalmente mordeu sua dona no momento de pânico, e ambos precisaram de cuidados médicos emergenciais. Tanto a senadora quanto seu cão felizmente se recuperaram.

“Em vez de um cachorro, poderia ter acontecido com uma criança passeando por esse local”, acrescenta Davis. 

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