Píton gigante da Flórida: Conheça a descoberta surpreendente

Um olhar exclusivo sobre os bastidores da busca para eliminar as invasoras pítons-birmanesas da região de Everglades, na Flórida, Estados Unidos — incluindo uma gigante recordista de quase 100 quilos.

Por Rebecca Dzombak
Publicado 1 de jul. de 2022, 07:00 BRT
Os pesquisadores Ian Bartoszek (à esquerda), Ian Easterling e o estagiário Kyle Findley (à direita) transportam ...

Os pesquisadores Ian Bartoszek (à esquerda), Ian Easterling e o estagiário Kyle Findley (à direita) transportam uma píton-birmanesa de quase 100 quilos e 5,4 metros de comprimento — até o laboratório em Naples, Flórida, nos Estados Unidos, para ser exposta e fotografada.

Foto de Maggie Steber

Naples, Flórida | Pesquisadores capturaram a maior píton já registrada na Flórida, Estados Unidos – ou em qualquer local fora de sua área de distribuição nativa – pesando quase 100 kg e medindo 5,4 metros de comprimento.

A descoberta destaca o problema persistente das pítons no sul da Flórida. Na década de 1970, as pítons-birmanesas, superpredadoras reclusas do Sudeste Asiático, foram introduzidas na Flórida, provavelmente devido ao comércio de animais exóticos de estimação. Desde então, houve uma explosão populacional da espécie na natureza, que se alimenta de uma grande variedade de animais nativos da região, alterando, assim, os ecossistemas locais.

Em dezembro, uma pequena equipe de rastreadores de pítons da organização ambiental Conservação do Sudoeste da Flórida (CSF) trabalhou em estreita cooperação e capturou essa fêmea enorme – cujo peso quebra o recorde anterior de 84 kg, de uma píton também encontrada pela equipe. Eles utilizaram uma cobra chamariz, um macho com um rastreador GPS preso a seu corpo. Esse método permite encontrar e erradicar cada vez mais cobras, sobretudo fêmeas grandes e em idade reprodutiva. Essa eliminação tem por objetivo atenuar a invasão das pítons com o passar do tempo.

Quando a fêmea foi pesada pela primeira vez, a equipe ficou impressionada, ninguém esperava tanto. “A balança indica 97,5 kg”, disse Ian Bartoszek, biólogo de fauna silvestre e gerente do Projeto Píton, animado. “Uau”, exclamou.

Outro biólogo da equipe, Ian Easterling, apenas riu incrédulo. O estagiário Kyle Findley lembra bem: “Achei que a balança estava quebrada”.

Mas a balança estava funcionando bem. “Era algo inédito. A gente se perguntava se alguma vez seriam ultrapassados os 90 kg”, afirma Bartoszek. “Era um novo patamar.”

Ao encontrar e dissecar essas pítons, os pesquisadores aprendem mais sobre essas serpentes, do que se alimentam e como podem prejudicar o ambiente invadido. Em abril, a National Geographic os acompanhou durante a necrópsia da fêmea colossal.

“Cobra-chamariz” chamada Dion, com implante de rastreador GPS, sem o qual seria impossível localizar essa píton, que foi encontrada escondida sob um tronco podre. Os cientistas utilizam essas cobras para encontrar fêmeas grandes em idade reprodutiva.

Foto de Maggie Steber

Cobras chamarizes

Desde 2000, a Comissão de Conservação de Peixes e Fauna Silvestre da Flórida abateu ou retirou mais de 15 mil pítons, sendo que mais de mil são removidas todos os anos, desde 2017. Mas os cientistas não têm noção de quantas ainda restam. “É o que todos querem saber. Não se sabe nem a ordem de grandeza”, conta Bartoszek.

As pítons persistiram porque são mestres da furtividade. Até mesmo pessoas treinadas e dedicadas consideram difícil encontrar essas cobras nas vastas florestas subtropicais e nos pântanos do sul da Flórida, caracterizados por densa vegetação. E a região de Everglades e seus arredores possuem essas características (até o momento, felizmente, não há registro de população selvagem dessas cobras fora desta região).

Filhote de píton-birmanesa liofilizado sobre ovos. Existem milhares dessas cobras invasoras no ecossistema de Everglades, e pesquisadores trabalham intensamente para retardar sua propagação e impacto sobre espécies nativas.

Foto de Maggie Steber

O pesquisador Ian Bartoszek examina dezenas de proto-ovos durante necrópsia na maior píton-birmanesa já identificada na Flórida. A equipe contou 122 desses “folículos”, outra quantidade recordista.

Foto de Maggie Steber

Em abril, no centro de pesquisas de conservação em Naples, Flórida, Bartoszek explicou como a equipe lida com esse problema.

“A região de Everglades é um palheiro, e essas [as cobras] são as agulhas”, afirma Bartoszek, apontando para seis enormes pítons fêmeas esticadas no chão e na mesa do laboratório. “Para encontrar uma agulha, usamos um ímã.”

Os ímãs são as pítons chamarizes, como Dionísio (ou Dion), um macho de aproximadamente 3,65 metros de comprimento, com um transmissor implantado cirurgicamente que pode ser rastreado por radiotelemetria. Os ecologistas soltam as cobras chamarizes na natureza, que correm até fêmeas reprodutivas durante a época de acasalamento. Bartoszek considera Dion a píton mais valiosa porque os levou à fêmea recordista neste ano.

E tamanho é documento. “É muito importante eliminar desses ecossistemas as grandes pítons fêmeas em idade reprodutiva, pois podem gerar uma quantidade desproporcionalmente grande de descendentes”, afirma Sarah Funck, bióloga da Comissão de Conservação de Peixes e Fauna Silvestre da Flórida.

Melinda Schuman, bióloga da Conservancy of Southwest Florida, segura cobra jovem liofilizada sobre o corpo da maior píton-birmanesa fêmea encontrada pelo centro.

Foto de Maggie Steber

Desde 2013, somente a equipe da CSF eliminou mais de mil pítons, que totalizam mais de 11 mil kg, a maioria composta por fêmeas reprodutivas, adotando como método principal a cobra chamariz.

Bartoszek e Easterling monitoram suas cobras chamarizes de perto durante a época de reprodução. Quando uma dessas cobras fica por muito tempo em uma região, os pesquisadores vão até ela, vasculhando a densa vegetação rasteira em busca de fêmeas. Algumas vezes, em vez de localizar um único casal de cobras, eles encontram um “agrupamento de reprodução”, um emaranhado caótico de pítons em acasalamento.

Em dezembro de 2021, Dion ficou por muitas semanas em um ponto no oeste do ecossistema de Everglades, perto de Naples, o que levou Bartoszek, Easterling e Findley a suspeitar que ela pudesse estar com uma fêmea. Ao cortar um arbusto espinhoso, foram surpreendidos pela maior píton já vista por eles.

Easterling e Findley tiveram dificuldade para controlar a píton, que enrolou a ponta da cauda formando um arco apertado, agitando-o pelo ar e próximo das cabeças dos pesquisadores, até “socar” Easterling no rosto. Após cerca de 20 minutos, com a píton exausta, conseguiram colocá-la em um saco de pano bege e, em seguida, colocaram o saco em um tonel plástico.

De volta ao laboratório, colocaram o tonel em uma balança e ficaram surpresos com o peso.

 Esqueleto circular de píton-birmanesa capturada pelos biólogos da Conservancy of Southwest Florida.

Foto de Maggie Steber

Depois que a píton foi sacrificada quimicamente sob supervisão veterinária – uma das partes mais difíceis do trabalho de cientistas – a equipe colocou seu corpo em um dos diversos congeladores, onde permaneceu até dois dias antes de nossa chegada para testemunhar a necrópsia. Kristen Hart, ecologista do Centro de Pesquisas Aquáticas e de Pântanos do Serviço Geológico dos Estados Unidos e colaboradora da equipe de conservação, viu pessoalmente a fêmea imensa.

“Quando foi aberto o congelador, definitivamente fiquei chocada”, lembra Hart.

Veja o confronto de um homem com uma píton:

Caçador de cobras escapa por pouco de píton encrenqueira
A serpente mata suas presas cortando a circulação sanguínea.

Decifrando as entranhas

Quando a equipe da National Geographic chegou ao centro de pesquisa, a cobra estava fora do congelador, enrolada em formato de U em uma enorme bancada de laboratório que ocupava a maior parte da sala. Demora cerca de 48 horas para descongelar uma píton de quase 100 kg. E o cheiro fica cada vez pior com o passar do tempo.

Em busca de indícios do que poderia haver em seu interior, os biólogos passaram as mãos com cuidado ao longo da metade inferior da píton, marcada com uma longa linha preta para orientar a incisão. Com a fala mansa e usando rabo de cavalo, Easterling aponta algumas listras brancas na pele do réptil, sugerindo que havia se esticado imensamente para acomodar uma refeição volumosa.

Dentes de píton em placas de Petri no laboratório. Foi demonstrado que essas cobras invasoras se alimentam de mais de 70 espécies de animais diferentes na Flórida, incluindo mais de 20 tipos de mamíferos e quase 50 espécies de aves, tornando-se uma ameaça ecológica.

Foto de Maggie Steber

A equipe já realizou centenas de necrópsias em pítons, o que se comprova por seus movimentos firmes e metódicos, mas ainda paira uma sensação de tensão na sala. Naquele dia, eles tinham dois objetivos: contar os folículos, ou óvulos em desenvolvimento, e verificar o conteúdo estomacal.

Conforme Easterling fazia a incisão no centro da barriga amarelo-branca da píton, uma fenda se abria lentamente, exibindo as entranhas rosadas. A equipe abriu as costelas da píton, revelando uma camada de gordura por baixo semelhante a dentes de alho selados a vácuo em sangue.

Easterling enfiou o dedo através de uma camada translúcida de vísceras, expondo aglomerados semelhantes a gemas de ovos gigantescas – os folículos de ovos – logo atrás de uma vesícula biliar surpreendentemente verde-limão. Mais abaixo, mais perto da cauda, ficavam o trato digestório cinza e cheio de protuberâncias, e um único disco cinza, enrugado e parecendo estar vazio – um ovo antigo que não foi botado no ano anterior.

Em seguida, Bartoszek e Easterling começaram a contar os folículos. Os ecologistas precisam saber quantos ovos uma píton é capaz de botar para prever com exatidão a dinâmica populacional; o número de folículos ou ovos em uma píton é um indicativo direto do potencial reprodutivo. As pítons fêmeas grandes normalmente botam muitos ovos.

“Cento e vinte e dois folículos”, anunciou Bartoszek, após conferir duas vezes. “O maior número de ovos em desenvolvimento já registrado.” A cifra representa o novo limite máximo conhecido para reprodução, mas não chega a ser surpreendente em uma píton desse porte.

“O potencial reprodutivo desses animais é extremamente elevado”, afirmou Hart. E essas enormes pítons passam seus genes bons a muitos descendentes, perpetuando o crescimento populacional.

Em seguida, veio o trato digestório. Easterling passou as mãos ao longo do tubo em busca de indícios de seu conteúdo. Bartoszek sentiu o que parecia ser a parte da frente de um casco. Findley pulverizou um pouco de purificador de ar.

Easterling fez uma incisão no trato e começou a expelir seu conteúdo em uma peneira metálica, como carne de salsicha rançosa saindo de seu invólucro. O que vimos foi uma gosma castanha com pedaços de pelo e alguns caroços brancos, que eram ossos dissolvidos. Easterling fez uma pausa para examiná-los.

“Sim, é um veado”, disse com naturalidade. “Quando vemos isso muitas vezes, conseguimos distinguir.” Ele continuou expelindo o conteúdo. Saíram ramos, o que significa que a refeição ocorreu em um canteiro de samambaias com salsaparrilhas; dois dentes de píton, o que é normal; e o maior prêmio do dia: três núcleos de cascos intactos.

“Essa é a prova conclusiva”, afirmou Bartoszek. Para ele, cada núcleo de casco reforça ainda mais as evidências de que as pítons têm um impacto negativo nas populações de espécies nativas que são suas presas, como os linces e as panteras-da-flórida, ameaçadas de extinção.

Ursula Bartoszek, de 10 anos, filha de Ian Bartoszek, observa a pele de outra píton-birmanesa enorme (de 77 quilos e mais de 5 metros de comprimento), pendurada na parede na Conservancy of Southwest Florida.

Foto de Maggie Steber

As presas das pítons

Até hoje, 73 espécies de animais (24 mamíferos, 47 aves e dois répteis) foram encontradas nas entranhas de pítons-birmanesas na Flórida, conforme documentado pela equipe de Christine Romagosa, colaboradora da Universidade da Flórida. Qualquer espécie invasora pode alterar o ecossistema – ainda mais um invasor predador.

“Essas pítons podem desequilibrar totalmente o ecossistema, e diria que provavelmente já o desequilibraram”, lamenta Hart.

Alguns ecologistas estão bastante preocupados com o impacto que as pítons podem causar na pantera-da-flórida, espécie nativa e ameaçada de extinção, cujas populações o estado vem tentando recuperar desde 1995. Depois de um pior momento com menos de 20 panteras registradas na natureza, no fim da década de 1980, a Comissão de Conservação de Peixes e Fauna Silvestre implementou iniciativas para reproduzir e recuperar as panteras, o que teve algum sucesso: hoje, provavelmente existem cerca de 200 panteras-da-flórida e sua área de distribuição parece estar em expansão, de acordo com Dave Onorato, ecologista de panteras da Comissão de Conservação de Peixes e Fauna Silvestre da Flórida.

Mais pesquisas são necessárias para saber como as pítons afetam as panteras, observa Onorato. “Contudo, se as pítons começarem a dizimar as presas das panteras, como os veados-galheiros, isso as afetaria”, explica. 

Com impactos ambientais tão pouco conhecidos, cada píton coletada na Flórida guarda informações inestimáveis.

Caça às cobras em todo o estado

Apesar da expansão de sua área de atuação, a equipe de Bartoszek está preparada para capturar pítons que ainda se restringem a uma área de apenas 260 km² dos mais de 5 mi km² da região de Everglades. As iniciativas para capturar pítons e controlar suas populações dependem de colaborações entre agências governamentais, incluindo o Serviço Nacional de Parques e o Serviço Geológico dos Estados Unidos, e organizações sem fins lucrativos, como o Fundo de Conservação do Zoológico de Naples, e da filantropia de indivíduos em todo o país.

Este é Loki, uma das dezenas de “cobras-chamarizes” machos utilizadas por pesquisadores para encontrar pítons fêmeas durante a época de reprodução. Na imagem, a cobra é retratada na Floresta Estadual Picayune Strand, nas imediações de Naples, Flórida, que abriga muitas pítons invasoras.

Foto de Maggie Steber

“O problema atinge todo o estado da Flórida”, afirma Kathy Worley, diretora ambiental da entidade de conservação. Colaboração e compartilhamento de informações são fundamentais, acrescentou. “É necessária ampla cooperação.”

Como parte dessa colaboração, a equipe de Bartoszek oferece treinamento sobre o método da cobra-chamariz. No dia seguinte à necrópsia, a National Geographic foi a campo para averiguar a técnica na prática. Easterling e Bartoszek cuidadosamente soltaram, de um saco de pano, Loki, uma cobra-chamariz com cerca de 4 metros de comprimento, em uma clareira nas palmeiras e pinheiros da Floresta Estadual Picayune Strand, um refúgio da fauna silvestre perto de Naples. 

Deixamos Loki, que estava zangado e sibilando, e caminhamos lentamente através da vegetação densa para encontrar Dion. Enquanto Easterling avançava, cortando trepadeiras e galhos para abrir caminho, Bartoszek empunhava o receptor de telemetria e informava a direção.

O bipe do receptor ficou gradualmente mais alto: estávamos próximos. Easterling agachou para verificar um tronco coberto de musgo. Quando Easterling mexeu em alguns pedaços de madeira mole que se desintegravam, a padronagem característica da píton se revelou, brilhando na mata à luz do sol, em tons de cobre e verde-escuro.

“Como foi que não vimos?”, indaga Easterling, sem esperar uma resposta. Mas é evidente – Dion estava perfeitamente oculta dentro de um tronco apodrecido, nenhuma escama visível. As pítons evoluíram para isso: elas espreitam, invisíveis, em uma trilha na floresta, aguardando, com uma paciência aparentemente infinita, a passagem de uma criatura desavisada.

“É um franco-atirador sob seus pés, totalmente camuflado, indetectável”, ilustra Bartoszek.

Bartoszek e Easterling gostam do seu trabalho, embora às vezes seja física e mentalmente exaustivo. Quando rastreiam um de seus chamarizes ou encontram uma fêmea, ficam empolgados – e há sinais de que esse trabalho árduo é recompensado. As fêmeas enormes já estão sendo descobertas com menos frequência e os chamarizes são atraídos por pítons cada vez menores, à medida que as maiores são eliminadas.

Se tudo correr bem, restarão apenas fêmeas menores e mais jovens, o que ajudaria a controlar a população de pítons com o tempo.

Mas Bartoszek e outros biólogos também são realistas. Embora as pítons possam nunca ser erradicadas, suas populações podem ser controladas. “Estamos tentando sair do ramo de captura de pítons”, afirma Bartoszek.

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