Aumento da exportação de pítons-reais como animais de estimação gera novas preocupações
Embora amplamente criados em cativeiro nos EUA e Europa, dezenas de milhares desses répteis são exportados da África todos os anos e pouco se sabe sobre os impactos da atividade.
Pítons-reais criadas em cativeiro, que podem apresentar centenas de cores e tons, são exibidas para venda em uma exposição de répteis em Southaven, no Mississippi, EUA, em 2019. As pítons-reais criadas em cativeiro nos Estados Unidos e na Europa costumam ter preços mais altos do que as importadas da África, portanto, é mais provável que as pessoas que as compram pela primeira vez optem pelas importadas.
MESMO SE VOCÊ não gosta de cobras, há grandes chances de começar a gostar após conhecer uma píton-real. Essa espécie é tranquila e insinuante. Sua pele possui cor de ébano ou chocolate com manchas marrom-douradas. São delicadas e mansas, e quando estão com medo, enrolam-se em uma bola, enfiando a cabeça no meio.
As pítons-reais, que vivem principalmente na África Ocidental e Central, passaram a ser apreciadas por diversas pessoas — acredita-se que sejam a cobra de estimação mais popular da América do Norte e da Europa. Estima-se que cerca de 800 mil famílias nos Estados Unidos tenham cobras em casa, com base na Pesquisa Nacional de Proprietários de Animais de Estimação, embora não se saiba quantas delas sejam pítons-reais.
Filip Sudak, na República Tcheca, é criador de pítons-reais em pequena escala. Atualmente é uma das cobras de estimação mais comuns e sua popularidade disparou na década de 1990, depois que as primeiras pítons-reais albinas foram criadas em cativeiro.
De 1997 a 2018, mais de 3,6 milhões de pítons-reais foram exportados legalmente da África Ocidental. O Togo — o principal fornecedor, — além de Benin e Gana, responde por mais de 98% das exportações, de acordo com a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), o tratado que regulamenta o comércio transfronteiriço de animais selvagens.
Apesar da magnitude do comércio internacional, existem poucas informações sobre o número de pítons-reais na natureza ou sobre como o comércio está afetando as populações selvagens, que também enfrentam pressão significativa da caça para consumo de sua carne e para o uso em medicamentos tradicionais, entre outras ameaças. As pítons-reais não são classificadas como ameaçadas de extinção, mas diversas novas pesquisas sugerem que talvez elas devessem ser: os estudos apontam lacunas na fiscalização da cadeia de suprimentos na África Ocidental e questionam se as pítons-reais deveriam ser mais protegidas do que atualmente são.
Durante a década de 1980 e início da década de 1990, as pítons-reais eram vistas como cobras de estimação comuns e de baixo custo, diz Dave Barker, biólogo de formação que, com sua esposa Stacy, iniciou uma das primeiras grandes empresas de criação de pítons-reais em cativeiro. Então, em 1992, foram colocadas à venda as primeiras pítons-reais “de marca” — albinas criadas em cativeiro. De repente, a espécie “saiu do anonimato e passou a ficar em evidência”, conta Barker. A demanda por pítons-reais disparou. Agora, elas são reproduzidas para possuir cores e tons deslumbrantes.
Embora a criação em cativeiro dessas cobras em escala comercial tenha sido iniciada há várias décadas, as pítons-reais ainda são a espécie protegida pela CITES e exportada viva da África mais comum porque são mais baratas do que suas colegas criadas em cativeiro. De acordo com as regras da CITES, os países estabelecem limites ou cotas anuais para o número de exportações, e o comércio deve ser permitido apenas se houver evidências científicas que demostrem que a atividade não está prejudicando as populações selvagens. O Togo, por exemplo, possui uma cota anual de exportação de 1,5 mil pítons-reais selvagens e 62,5 mil em cativeiro, criadas a partir de ovos ou de fêmeas com ovos, extraídos da natureza.
Neil D’Cruze, doutor em herpetologia, é o chefe global de pesquisa sobre vida selvagem do grupo de defesa de animais World Animal Protection, além de pesquisador convidado do Oxford WildCRU, um projeto de pesquisa em conservação da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Há dois anos, sua curiosidade sobre o comércio de pítons-reais cresceu.
Caçadores em Gana mostram uma píton-real fêmea que acabou de ser retirada de sua toca. Gana, Togo e Benin são responsáveis por mais de 98% das exportações de pítons-reais vivas, a maioria das quais é “criada” ou nascida em cativeiro a partir de ovos retirados da natureza e de fêmeas que continham ovos.
“Como alguém que ama répteis e passou muitas horas estudando esses animais, entendo por que alguém gostaria de possuir um”, afirma ele. Mas, quando examinou os dados da atividade de comércio, disse que os números referentes às exportações não cabiam nas páginas, levando-o a pensar no que estaria sendo feito para garantir que o comércio não seja um risco em termos de bem-estar animal, saúde humana e conservação.
D’Cruze e uma equipe internacional e interdisciplinar de cientistas, com conhecimentos que vão desde a socioeconomia do comércio de animais silvestres ao manejo, genética, bem-estar, patologia de pítons e outros assuntos, estudaram o comércio de pítons-reais, com o apoio de bolsas de pesquisa da World Animal Protection. Agora, em uma série de cinco artigos científicos recentemente publicados e mais três a serem publicados em breve, as descobertas estão sendo divulgadas.
Juntas, as pesquisas sugerem que, após várias décadas de exportações volumosas e pouca fiscalização, a falta de dados confiáveis significa que é quase impossível tomar decisões seguras e baseadas na ciência sobre como realizar o manejo e proteger populações selvagens de pítons-reais. Em especial, os pesquisadores questionam se a cota de exportação do Togo é adequada.
Um relatório publicado em 23 de março pela World Animal Protection pede mudanças drásticas: a suspensão do comércio global de pítons-reais. Os artigos, no entanto, publicados em periódicos de código aberto e revisados por pares, fazem recomendações mais moderadas, principalmente para o Togo. Entre eles está um apelo para reduzir o número de pítons-reais que podem ser exportadas do país e fortalecer a fiscalização dos animais retirados da natureza, da criação e dos indicadores de bem-estar.
Importadores nos Estados Unidos dizem que o comércio de pítons-reais da África Ocidental é bom para a conservação — pois, ao valorizar as cobras, aqueles que vivem perto dessas animais na África têm um incentivo para garantir que não desapareçam. “É a comercialização garantindo a sustentabilidade”, diz Michael Van Nostrand, proprietário da Strictly Reptiles, empresa de répteis na Flórida. Sua empresa importa mais de 10 mil pítons-reais por ano do Togo, de acordo com registros do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos, obtidos pela World Animal Protection. “É claro que o comércio de animais de estimação é responsável por parte disso”, diz ele, “mas é para isso que serve o sistema de cotas”.
‘Sinal de alerta’
Para obter mais informações sobre a sustentabilidade do comércio de píton-real do Togo, os pesquisadores entrevistaram 57 caçadores togoleses de cobras que abastecem fazendas destinadas à exportação. Três quartos deles disseram que hoje encontram menos pítons-reais do que há cinco anos.
Uma remessa de pítons-reais vivas em sacos de pano, da África Ocidental com destino a Miami, é aberta para inspeção alfandegária na França. Os requisitos para remessas internacionais exigem que contêineres rígidos contenham material para amortecimento do impacto, como jornais amassados, e que até oito pítons-reais sejam colocadas em uma mesma sacola, medindo 45 por 60 centímetros.
“Isso é um sinal de alerta”, diz D’Cruze.
Serão necessárias mais pesquisas para determinar quanto do declínio percebido pelos caçadores togoleses é resultado da caça destinada ao comércio de animais de estimação, e não de outras pressões, de acordo com o artigo científico que analisa as entrevistas dos caçadores. Mas essas entrevistas — combinadas com outras descobertas da pesquisa realizada como parte do projeto — questionam se as cotas de exportação do Togo são baseadas em ciência ecológica séria e supervisão reguladora, como exige a CITES.
“Existem alertas suficientes no momento para justificar uma redução drástica na atividade”, diz D’Cruze sobre o comércio.
O zoólogo Gabriel Segniagbeto, da Universidade de Lomé, é a autoridade científica da CITES no Togo. Seu trabalho é aconselhar o governo sobre como o comércio afeta as espécies selvagens e fornecer justificativas para ajudar a estabelecer cotas de exportação. Ele também é coautor de vários trabalhos publicados do projeto píton-real. Ele admite que as informações fornecidas pelos caçadores são preocupantes, mas acredita que ainda não seja necessário reduzir a cota de exportação do Togo. Em vez disso, ele é a favor da existência de um programa de monitoramento de práticas de caça e criação. “O comércio de pítons tem valor econômico para os caçadores”, afirma ele, portanto seus meios de subsistência devem ser protegidos.
Mike Layman, proprietário da Gourmet Rodents, empresa de criação e importação de répteis na Flórida, importa milhares de pítons-reais por ano e diz que é fundamental focar na comercialização responsável de qualquer espécie. “Seja qual for o uso responsável desse recurso, ele pode não ser o mesmo amanhã — é algo que sempre precisará ser analisado”, explica ele. Além de se sentir responsável pelos animais, ele diz que o comércio sustentável é essencial para as empresas importadoras: se uma determinada população entra em declínio, os negócios são prejudicados.
O comércio de pítons-reais na África Ocidental é importante, de acordo com Eric Fouchard — que afirma que seu negócio em Lomé, Toganim, produz cerca de 45% das exportações de pítons-reais criadas no Togo — porque impede que as pessoas as capturem para o mercado de consumo de carne de animais selvagens. O comércio de animais de estimação está “ensinando ao nosso povo que um animal vivo é mais lucrativo do que um morto”, escreveu ele em um e-mail. (Nenhum dos demais locais de criação do Togo contatados pela National Geographic respondeu aos pedidos de comentários.)
Esse argumento, apresentado por várias pessoas envolvidas no comércio de animais de estimação entrevistadas para esta reportagem, se baseia em uma suposição não testada, afirma D'Cruze. “Até que tenhamos evidências de que o comércio de animais de estimação é uma ferramenta vital para a sobrevivência [da píton-real]”, ele diz, “prefiro prevenir do que remediar”, reduzindo ou interrompendo o comércio.
Uma longa jornada
A criação de píton-real começa com caçadores rurais que trazem, para os locais de criação, ovos retirados da natureza e fêmeas com ovos. Os ovos ficam sob os cuidados do local, que cria as pítons-reais jovens até que tenham idade suficiente para serem exportadas — esse período varia de alguns dias a várias semanas. Para compensar o impacto de retirar os ovos da natureza, no Togo, está sendo empregada a prática de devolver as fêmeas que continham ovos e algumas das cobras jovens à natureza.
Esta píton-real em uma fazenda na África Ocidental tem carrapatos na cabeça. Os carrapatos africanos podem transmitir uma série de doenças prejudiciais aos animais, aos humanos e a outros répteis, por isso é fundamental impedir que esses parasitas sejam enviados junto com as pítons-reais.
Quando as pítons-reais exportadas chegam aos Estados Unidos, elas podem ser inspecionadas pelo Serviço de Pesca e Vida Selvagem do país para garantir que o conteúdo da remessa corresponda à documentação. O objetivo é garantir que não haja contrabando de espécies não declaradas, diz Eva Lara, fiscal regional do serviço, e que as diretrizes de transporte para o bem-estar animal estabelecidas pela Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) sejam cumpridas. (O Serviço de Pesca e Vida Selvagem não tem recursos para fiscalizar todas as importações de animais selvagens, mas remessas de animais vivos listados pela CITES são prioridade, explica Lara.) Em seguida, as cobras são retiradas pelos importadores. As pítons-reais podem ser vendidas a atacadistas, comerciantes de répteis, pet shops ou diretamente a compradores.
Ainda não se sabe o número de pítons-reais que morrem durante o transporte intercontinental, mas estimativas referentes a répteis no comércio internacional sugerem cerca de 5% — provavelmente equivalente a milhares de pítons-reais por ano. Layman, da Gourmet Rodents, afirma que a taxa de mortalidade de suas importações de píton-real em 2019 ficou um pouco acima de 1%.
O processo de transporte pode ser estressante para as pítons, diz Mike Corcoran, veterinário e presidente da Associação de Veterinários de Répteis e Anfíbios. Elas estão adaptadas a ambientes quentes e úmidos, e pode ser difícil manter essas condições durante um longo transporte, afirma ele.
A maioria das cobras sobrevive ao transporte internacional, mas D’Cruze diz que a mera sobrevivência não é um indicador bom o suficiente. “A capacidade de tolerar e sobreviver de um animal independe de sua capacidade de sofrer”, afirma ele.
Animais estressados também têm mais chances de adoecer. “Assim que são capturadas para o comércio, é necessário considerar que as pítons-reais estarão com o sistema imunológico prejudicado pelo menos por um certo período, e elas estarão propensas a contrair qualquer tipo de doença que possa ser contraída por essas cobras”, diz Tom Hellebuyck, veterinário e pesquisador de patologia da vida selvagem, da Universidade de Gent, na Bélgica.
Prevenção de doenças
As doenças não são um problema apenas para as pítons-reais, mas também para os humanos. Animais selvagens de todos os tipos podem ser hospedeiros de diversos patógenos, como ficou claro com a pandemia de covid-19, uma doença zoonótica que se acredita ter se originado em morcegos. Sabe-se que cobras e outros répteis, por exemplo, carregam cepas de salmonela, vírus do Nilo Ocidental e doenças transmitidas por carrapatos, explica Hellebuyck.
No Benin, onde o vodu é uma religião oficial, cabeças de píton-real são vendidas no mercado municipal em Cotonou, a maior cidade do país. A caça e o extermínio de pítons-reais destinadas para o vodu e a medicina tradicional exercem ainda mais pressão sobre as populações selvagens. A religião, também praticada no Togo e no Gana, afirma que diferentes animais oferecem diferentes propriedades curativas e protetoras.
Constatou-se que um surto de salmonela em 2017 nos Estados Unidos teve origem nas pítons-reais e adoeceu diversas crianças. Muitos répteis saudáveis são portadores de salmonela, e é por isso que os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos recomendam que crianças com menos de cinco anos e indivíduos imunossuprimidos não tenham contato com eles.
D’Cruze e seus colegas analisaram pesquisas científicas já publicadas e identificaram mais de 150 patógenos diferentes que podem ser transmitidos por pítons-reais. Posteriormente, eles coletaram amostras em fazendas de répteis no Togo e testaram-nas quanto à presença de bactérias patogênicas. O artigo que divulga os resultados foi aceito por uma revista, já foi revisado por pares e aguarda publicação em breve. D’Cruze diz que nenhum dos animais estava “em condições higiênicas e seguras.... Há definitivamente evidências de bactérias patogênicas que são motivo de preocupação”. Fouchard, que não teve acesso ao artigo, diz que as amostras em Toganim foram colhidas de um pequeno número de animais e que não são representativas de suas instalações.
Há também a possibilidade de novos patógenos. “Qualquer animal proveniente de seu habitat nativo pode portar uma grande quantidade de possíveis patógenos desconhecidos”, diz Brian Bird, virologista da Universidade da Califórnia, em Davis, que faz parte do PREDICT Project, projeto que monitora vírus com potencial de serem transmitidos aos humanos. No comércio de qualquer tipo de animal silvestre, diz ele, há o risco de se introduzir o próximo vírus causador da SARS ou da covid-19 em humanos ou de se introduzir o próximo fungo quitrídio a cobras em outras regiões (esse fungo é uma praga que atualmente assola os anfíbios ao redor do mundo) .
Fiscais da vida silvestre confiscarão remessas que contenham cobras doentes ou feridas apenas se o problema parecer ter resultado de uma violação dos padrões de bem-estar da IATA, diz Lara. Se uma cobra parecer visivelmente doente — letárgica, flácida ou com muco, por exemplo — e nenhuma violação da IATA for encontrada, a remessa é enviada ao CDC se houver risco à saúde humana. Segue para o Ministério da Agricultura dos Estados Unidos se houver risco para os animais pecuários, como erliquiose, uma doença causada por carrapatos africanos e devastadora para esses animais. Também é possível que um animal esteja doente e não apresente sintomas.
Para minimizar o risco de transmissão de doenças para outras cobras, alguns importadores de répteis colocam suas cobras recém-importadas em quarentena. Na Gourmet Rodents, diz Layman, as pítons recém-chegadas são imediatamente tratadas com antibiótico e, em seguida, examinadas semanalmente por um veterinário até serem vendidas, para que, se demonstrarem sinais de alguma doença, possam receber tratamento imediatamente.
Fiscalização ineficiente e falta de dados
Outro novo artigo que faz parte do projeto píton-real, sobre a genética da píton-real no Togo, sugere que boa parte das medidas que deveriam ser implementadas para tornar a criação sustentável — o retorno à natureza de fêmeas que continham os ovos e de algumas cobras jovens — não está sendo implementada corretamente.
Em um local de reprodução e criação em Accra, Gana, uma píton-real é removida de seu recinto para ser examinada quanto à infestação por carrapatos. As pítons-reais são animais solitários que se abrigam em tocas; portanto, os veterinários recomendam que sejam mantidas separadamente e tenham acesso a esconderijos para garantir seu bem-estar.
Isso indica que é possível que os animais não estejam sendo devolvidos ao local de onde foram retirados, segundo o principal autor do estudo Mark Auliya, especialista em répteis do Museu de Pesquisa Zoológica Alexander Koenig, na Alemanha. As pítons-reais são altamente adaptáveis e podem sobreviver em diversos habitats diferentes, mas se não forem soltas em seu ambiente nativo, há o risco de espalharem doenças ou defeitos genéticos, diz ele.
Além disso, não há dados sobre a porcentagem de pítons-reais soltas que sobrevivem, o que também dificulta saber se as solturas compensam a caça. O que se sabe é que alguns caçadores estão soltando menos cobras do que caçam, de acordo com o que disseram aos pesquisadores. Além disso, metade dos entrevistados disse que não apenas removiam ovos e fêmeas com ovos para criação, mas que também caçavam machos, fêmeas sem ovos e cobras jovens.
“Isso é um problema porque... estudos anteriores mostraram que as fêmeas são mais importantes na reprodução” para manter as populações estáveis, explica Christian Toudonou, doutorando na Universidade de Abomey-Calavi, no Benin, onde estuda a exploração e conservação da píton-real. Ele diz que também observou uma caça indiscriminada de machos e fêmeas, adultos e jovens no Benin. O país, para proteger as espécies, cortou sua cota de exportação pela metade em 2017 e manteve essa cota mais baixa nos anos seguintes.
Também ficou claro para os pesquisadores que não existe um sistema para garantir que as pítons-reais exportadas pelo Togo sejam originárias desse país. Alguns caçadores togoleses disseram aos pesquisadores que costumam caçar pítons-reais do outro lado da fronteira em Gana ou Benin, onde a espécie está sob “grave ameaça”, segundo um relatório de 2015 elaborado por Toudonou. Mas, como essas cobras são levadas para instalações em Lomé, elas são identificadas nas autorizações de comercialização como originárias do Togo. Toudonou e outros também documentaram essa prática. Isso prejudica a argumentação científica utilizada para estabelecer a cota de exportação de cada país, diz D’Cruze.
Ele diz que cotas de exportação coordenadas no Togo, Benin e Gana ajudariam a minimizar os impactos da caça transfronteiriça. Segniagbeto, a autoridade científica da CITES no Togo, que propôs um aumento no monitoramento, também é a favor de uma estratégia mais abrangente.
‘Um negócio desnecessariamente arriscado’
O comércio de píton-real “é um negócio desnecessariamente arriscado do ponto de vista da saúde humana e da conservação e do ponto de vista do bem-estar animal”, diz D’Cruze. “É difícil ver como a atividade pode ser justificada.” Esse conjunto de estudos sobre a píton-real, afirma ele, é apenas o começo do que precisamos saber para tornar o comércio mais sustentável, transparente, seguro e sem crueldade.
Para D’Cruze, o bem-estar das cobras é especialmente importante. Ele observa que estudos acadêmicos já concluíram que os répteis são capazes de sentir dor, estresse, medo e ansiedade. Quando se trata do bem-estar desses animais, devemos pensar neles como pensamos em cães e gatos, afirma. Importadores e criadores também concordam com esse ponto, embora muitas vezes tenham opiniões diferentes sobre o que seriam condições aceitáveis.
Diversos outros estudos são necessários para entender a distribuição das pítons-reais e o status de suas populações, diz Auliya. Quando ele entrou no projeto, ficou chocado com a pouca informação ecológica disponível. “É a espécie de cobra viva mais comercializada do mundo”, afirma ele. “Por que ninguém nunca abordou essas questões?”
Como coordenador da Lista Vermelha da IUCN, uma lista do status de conservação global das espécies, Auliya diz que é hora de considerar alterar a designação da espécie de menos preocupante para quase ameaçada ou até mesmo vulnerável. “Diante das nossas pesquisas e novas descobertas, que apontam para questões de gestão inadequada do comércio e declínios regionais, o status na Lista Vermelha agora deve ser reconsiderado também como medida de precaução”, diz ele.
Hellebuyck afirma que a situação das pítons-reais é bem óbvia. “Não há absolutamente nenhuma necessidade de importá-las”, diz ele, pois elas estão prontamente disponíveis por meio da criação em cativeiro.
Mas a caça de cobras e remoção de ovos é uma importante fonte de renda para os caçadores, diz Segniagbeto, então ele apoia a continuação do comércio — com mais fiscalização. Layman, da Gourmet Rodents, afirma que esse também é o desejo dos importadores. “A nossa indústria não está tentando dizimar populações selvagens”, afirma ele. “Isso não nos beneficia. Queremos fazer a coisa certa e de modo responsável”, apoiando exportações sustentáveis.
No fim, tudo se resume aos compradores, afirma Auliya. O mercado de pítons-reais selvagens na América do Norte e na Europa só existe porque as pessoas as adquirem como animais de estimação. Os compradores precisam mostrar responsabilidade pela vida selvagem, diz ele. “Nós, [os clientes], somos responsáveis por grande parte do estrago. Não estamos preocupados com a maneira como eles as capturam, o manejo que realizam”, diz ele. “Apenas queremos tê-los como nossos animais de estimação. Estamos explorando a natureza deles para atender nossos interesses.”