Como esta mariposa misteriosa voa milhares de quilômetros à noite e em linha reta?

Os biólogos usaram um avião e minúsculos transmissores para rastrear a popularmente conhecida borboleta-caveira, estabelecendo um recorde científico no processo.

Por Jason Bittel
Publicado 26 de ago. de 2022, 14:36 BRT
Em seu estudo, os pesquisadores se concentraram na borboleta-caveira

Em seu estudo, os pesquisadores se concentraram na borboleta-caveira – um grande migrante noturno que viaja bem mais de 3 200 km entre a Europa e a África todos os anos.

Foto de Christian Ziegler MAX PLANCK INSTITUTE OF ANIMAL BEHAVIOR

A mariposa Acherontia atropos, popularmente chamada de borboleta-caveira, pode gritar quando provocada. Suas costas apresentam um padrão que se assemelha a um crânio humano, o que lhes rendeu uma participação mortal no filme O Silêncio dos Inocentes. E agora, os insetos infames ajudaram os cientistas a fazer algo antes considerado impossível.

Ao equipar as mariposas com pequenas mochilas temporárias contendo transmissores de rádio e liberá-las à noite, os cientistas puderam acompanhar em um pequeno avião enquanto as borboletas-caveira realizavam sua migração anual para o sul.

A trajetória de voo mais impressionante foi uma mariposa que voou de um aeroporto em Konstanz, na Alemanha, a mais de 55 milhas ao sul dos Alpes suíços – o voo mais longo de insetos já rastreado continuamente.

O voo de uma noite recém-registrado representa apenas uma pequena parte da migração de 3 862 km da borboleta-caveira do norte da Europa para as margens do Mediterrâneo e além – talvez até o sul da África subsaariana. Uma geração de borboletas geralmente migra para fora da Europa no outono para locais de reprodução no sul; a próxima geração voa de volta para a Europa na primavera.

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    Pesquisadores usam lâmpadas e lençóis para criar as chamadas “armadilhas de luz” para atrair e estudar insetos. Aqui, um cientista inspeciona uma borboleta-caveira criada em um recinto especial. Os insetos foram posteriormente marcados e liberados para estudo.

    Foto de CHRISTIAN ZIEGLER FOR MAX-PLANCK INSITUTE FOR ANIMAL BEHAVIOUR

    Em comparação com a maioria dos outros insetos, essas mariposas são rápidas voadoras, com velocidades máximas de voo observadas a 69 km/h. Mas, para rastreá-las em um avião viajando a uma velocidade muito maior, os cientistas acompanharam o ritmo voando em círculos sobrepostos enquanto ouviam um som distinto de woppp feito quando as antenas da aeronave detectaram uma borboleta a mais de 300 metros abaixo.

    “Com uma antena em cada asa, é quase como se você tivesse dois ouvidos”, diz Martin Wikelski, diretor do Instituto Max Planck de Comportamento Animal e autor sênior de um estudo publicado recentemente na revista Science.

    Como piloto de longa data, Wikelski foi capaz de pilotar o Cessna 172 enquanto seus colegas soltavam uma ou duas borboletas-caveira no solo abaixo. Ele saberia identificar o barulho do inseto quando Myles Menz, o principal autor do estudo, transmitisse algo pelo rádio.

    Estudos de rastreamento semelhantes foram realizados em pássaros, e Wikelski também usou o método com sucesso em morcegos e libélulas. Mas o avanço com as borboletas-caveira veio a partir do tamanho reduzido da tecnologia de transmissores de rádio, bem como do tamanho maior do inseto em comparação com a maioria das borboletas e mariposas comuns, com envergaduras mais largas do que uma lata de refrigerante.   

    “Eles tentaram fazer isso com insetos e finalmente conseguiram”, destaca Gerard Talavera, especialista em migração de borboletas e explorador da National Geographic que não participou do novo estudo. “É fantástico ver pessoas fazendo um trabalho corajoso como esse.”

    Voo 'absolutamente reto'

    O estudo não é apenas impressionante como uma prova de conceito que pode ser valiosa na pesquisa de outros insetos, mas também revelou alguns aspectos interessantes da migração das borboletas.

    Por um lado, os cientistas há muito suspeitam que o vento afasta os insetos do curso durante as migrações, uma suposição natural, considerando que mesmo os grandes lepidópteros, como as borboletas-caveira, pesam menos do que um botão de camisa médio.

    Então, quando Wikelski subiu aos céus pela primeira vez, ele monitorou a direção e a velocidade do vento com seus instrumentos de bordo e traçou um curso que presumia que as borboletas-caveira seriam lançadas naquela direção. Mas ao fazer isso, ele rapidamente perdeu o controle das mariposas.

    “Então, percebi: ‘oh, as borboletas ainda estão lá’”, conta. “Percebemos que elas estavam voando direto – absolutamente reto – não importando o que o vento estivesse fazendo.”

    Para entender como as mariposas realizaram a façanha, os cientistas analisaram suas altitudes. Quando o vento soprava em seus rostos, as mariposas aumentavam sua velocidade enquanto voavam baixo para o chão. E quando o vento estava em suas costas, os animais voavam até cerca de 300 metros para aproveitar melhor a aceleração, mas diminuíam suas velocidades no processo.

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        As mariposas são grandes se comparadas a outros insetos voadores, pesando até 3,5 gramas, e foram fixadas com pequenas etiquetas de rádio pesando 0,2 gramas – menos de 15% do peso corporal dos adultos.

        Foto de Christian Ziegler MAX PLANCK INSTITUTE OF ANIMAL BEHAVIOR

        Em outras palavras, as mariposas pareciam estar equilibrando cuidadosamente sua velocidade com seu senso de direção. Os cientistas suspeitam que, como vários outros insetos, a bússola interna da borboleta-caveira seja calibrada usando uma combinação de magnetismo, visão e possivelmente o olfato.

        Além disso, o fato de as mariposas serem capazes de mostrar “compensação completa”, ou manter um caminho reto mesmo sob ataque de diferentes velocidades e direções do vento, é outra novidade para os insetos migratórios.

        “Aparentemente, esses insetos conseguiram encontrar um sistema para acompanhar perfeitamente sua rota de navegação”, destaca Wikelski. “E isso é super emocionante.”

        A próxima fronteira do rastreamento de insetos

        Para os cientistas que estudam a migração de insetos, a possibilidade de rastrear indivíduos é inovadora, porque permitirá que eles respondam a perguntas sobre as quais antes só especulavam.

        “A que velocidade eles podem voar, onde eles param e o que eles procuram? Essas são coisas que foram muito presumidas, mas esta é a primeira vez que você obtém dados reais para algumas dessas perguntas”, diz Talavera.

        Há também razões do mundo real para aprender mais sobre os trilhões de insetos migratórios do mundo.

        “Os gafanhotos do deserto ainda afetam uma em cada dez pessoas a cada ano”, diz Wikelski, referindo-se à forma de como os insetos migratórios devastam as plantações, levando à fome. “E isso cria um grande conflito humano.”

        A capacidade de rastrear insetos pode um dia nos ajudar a impedir a propagação de espécies invasoras, conservar espécies ameaçadas de extinção, como a borboleta-monarca, e conter a propagação de doenças transmitidas por insetos, conta o especialista.

        Pode acontecer mais cedo do que você pensa. Um novo par de satélites programado para entrar em órbita em 2028, como parte de uma parceria entre a Nasa e as agências espaciais europeias, permitirá que os cientistas rastreiem grandes insetos individuais, como mariposas e libélulas, não apenas ao longo de uma noite, mas enquanto voam por toda parte do mundo.

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