DNA oculto revela segredos da vida dos animais

Novos estudos em DNA ambiental, o eDNA, liberado por plantas e animais estão fornecendo conhecimentos biológicos surpreendentes.

Por Elizabeth Anne Brown
Publicado 16 de ago. de 2022, 15:31 BRT

Um grande aglomerado de esponjas-do-mar roxas no Caribe. Estas espécies filtradoras acumulam DNA das águas ao seu redor – uma fonte potencial de informações importantes para pesquisadores genéticos.

Foto de Wild Horizon Getty Images

Fazia mais de 140 anos que não se encontrava uma sirene-maior (Siren lacertina) – uma salamandra escorregadia, de duas pernas e 30 centímetros de comprimento. Protegida pelo estado do Texas, ela foi encontrada perto de Eagle Pass, uma cidade na fronteira dos Estados Unidos com o México. 

Mas em 2019, a bióloga Krista Ruppert, agora estudante de doutorado na Universidade Estadual de Mississippi, EUA, percebeu que não precisava ter uma sirene-maior em mãos para provar que elas ainda estavam lá.

Ela só precisava de um jarro de água barrenta.

Em Eagle Pass, Ruppert encontrou DNA ambiental suficiente – vestígios de material genético que os organismos deixam para trás à medida que rastejam, nadam ou voam pelo ambiente – para estabelecer que a Siren lacertina ainda vivia no local, no extremo oeste de sua área de distribuição conhecida.

Na última década, o DNA ambiental, ou eDNA, revolucionou a pesquisa marinha e aquática, permitindo aos cientistas tomar amostras de “um ecossistema inteiro” só com um litro de água. Hoje, após uma série de experimentos em terra firme nos últimos anos, o eDNA se tornou o elemento chave dos biólogos. É uma técnica relativamente barata, não invasiva e simples que pode ser modificada para estudar qualquer forma de vida e geralmente requer menos tempo e trabalho do que outros métodos.

Aqui alguns exemplos dos lugares mais surpreendentes onde os cientistas encontraram DNA oculto – desde praias a barrigas de escaravelhos e até o vento – e o que essas descobertas estão nos ensinando.

À esquerda: No alto:

O sistema de vácuo criado e utilizado por Christina Lynggaard e sua conselheira, Kristine Bohmann, para filtrar o DNA do ar. Os animais liberam quantidades surpreendentes de material genético ao vento.

Foto de Christian Bendix
À direita: Acima:

Um estudo em um zoológico no Reino Unido observou a presença de mais de 20 espécies de animais em cativeiro – mas também encontrou o DNA de um ouriço selvagem da Eurásia que os cuidadores viram regularmente vagando pelo terreno.

Foto de Ingo Arndt Minden Pictures

Extraindo DNA de rosas

Em 2017, pesquisadores da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, decidiram correr o risco – eles colheram um buquê de flores silvestres de dois campos dinamarqueses e os colocaram em um banho químico para extrair qualquer DNA em sua superfície.

“Na verdade, não tínhamos certeza se isso funcionaria”, lembra a professora assistente de biologia Eva Egelyng Sigsgaard.

Para sua surpresa, só uma flor de aipo selvagem continha DNA de 25 espécies de insetos, aranhas e outros artrópodes. Em 56 flores, eles detectaram eDNA de pelo menos 135 espécies com enorme diversidade, desde uma ampla variedade de polinizadores, incluindo mariposas e abelhas, até escaravelhos predadores.

“O mais impressionante é que por um lado temos espécies com um intervalo de interação muito curto” – como os segundos que uma borboleta leva para sugar o néctar antes de voar – “e por outro, espécies que completam seu ciclo de vida inteiro na flor”, como pulgões, diz Philip Francis Thomsen, outro professor associado de biologia da Universidade de Aarhus, que pesquisou eDNA por mais de uma década.

Amostras de DNA ambiental retiradas de flores podem fornecer informações muito necessárias sobre os polinizadores mais ativos de uma região ou espécie vegetal. Por exemplo, os cientistas acreditam que as contribuições de mariposas e moscas são consideravelmente subestimadas e poderiam ser um alvo importante para os esforços de conservação.

DNA na areia

Nos Estados Unidos, as praias de areia branca da Flórida estão cobertas de eDNA – e não apenas dos turistas. Uma equipe de cientistas da Universidade da Flórida recuperou material genético das impressões de nadadeiras deixadas por filhotes de uma tartaruga-cabeçuda, que pesam como duas moedas de quarto de dólar, que saíam do ninho para o mar.

Análises adicionais das amostras da areia demonstraram que o eDNA pode ajudar os pesquisadores a monitorar não apenas as espécies, mas também a propagação de doenças.

Uma tartaruga-cabeçuda recém-nascida faz o seu caminho para o mar. Estudos de DNA na areia da praia revelaram material genético de um vírus que infecta essa espécie, mas não era conhecido por afetar os filhotes.

Foto de Daynjer-In-Focus Getty Images

As minúsculas pegadas também continham eDNA do ChHV5, um vírus debilitante que causa crescimentos de tumores de fibropapilomatose em tartarugas jovens de muitas espécies. A descoberta desafia a teoria de que a doença é transmitida horizontalmente, seja através da água ou pelo contato direto entre tartarugas juvenis.

“Detectar o vírus em um filhote recém-nascido abre uma grande incógnita sobre se a transmissão vertical” da mãe para o filhote “também está em jogo”, diz Jessica Farrell, recém-formada pela Universidade da Flórida e primeira autora do estudo.

Isso “teria um efeito indireto muito grande em termos de como tentaríamos mitigar essa doença no futuro”, acredita.

DNA no ar

No auge dos confinamentos de 2020, Christina Lynggaard, então pós-doutoranda na Universidade de Copenhague, usou uma variedade de aspiradores para sugar o ar do Zoológico de Copenhague. Ela e sua orientadora, Kristine Bohmann, professora associada de ecologia molecular, não tinham muita esperança – talvez ela poderia pegar DNA de um ocapi se estivesse no estábulo da espécie, ela pensou.

Mas os resultados superaram amplamente suas expectativas. Ao filtrar o ar em vários locais do zoológico, Lynggaard finalmente detectou 49 espécies de animais, alguns alojados a centenas de metros de distância – pássaros, répteis, mamíferos e até os peixes com que eram alimentadas as espécies predadoras.

“Sentimos arrepios, e nos emocionamos até as lágrimas”, recorda Bohmann. “Lynggaard mostrou algo que pode mudar todo o campo de monitoramento de vertebrados terrestres”, referindo-se a animais de coluna vertebral que moram na superfície terrestre.

Sem o conhecimento de Lynggaard, um estudo quase idêntico estava sendo realizado simultaneamente em um zoológico no Reino Unido. Seus resultados ecoaram os da equipe dinamarquesa, que encontrou 25 espécies – incluindo, afortunadamente, um ouriço selvagem da Eurásia que os cuidadores viam regularmente perambulando a área do zoológico.

As descobertas gêmeas foram um momento decisivo na história do eDNA, mas o que eles deixaram escapar foi quase tão fascinante quanto o que eles pegaram. Algumas espécies nunca foram detectadas, e o tamanho do corpo de um animal e o número de indivíduos nem sempre pareciam relevantes para as interpretações.

“Quando eu passeava pelo zoológico, tinha a ideia de que se pudesse cheirar um animal, provavelmente seria capaz de detectá-lo”, diz Beth Clare, professora assistente de biologia na Universidade de York, no Canadá, e líder do estudo realizado no Reino Unido.

“Pensei o seguinte: se estou cheirando, seja o que for – hormônios, feromônios ou o que eles estejam liberando – com certeza, deve haver DNA sendo carregado com essas gotículas.” Mas o eDNA do residente mais fedido do zoológico, um lobo-guará, escapou de seus filtros.

Agora, ambas as equipes estão trabalhando para refinar suas técnicas. Clare e seus colegas aplicaram quatro rodadas de protótipos em ambientes naturalistas de Ontário aos trópicos, diz ela, e estão experimentando a coleta passiva (ou seja, filtros sem aspiradores) de eDNA da poeira.

“Nossa descoberta mais interessante é que o material não está apenas se acumulando aleatoriamente”, comenta. “Quando os animais estão ativos, eles são detectados, [e] quando eles ficam inativos, um sinal faz a mesma coisa.”

Essas novas descobertas, que atualmente estão em revisão para publicação, são um grande alívio para Clare e um sinal prometedor para o futuro do eDNA no ar.

“Uma das primeiras preocupações [era] que não tivesse um sinal real – o risco de pegar ‘tudo o que estiver em todo lugar”, explica ela. “Foi sugerido que o vento apenas moveria o DNA ao redor, tornando-o uma sopa homogênea. Nossos dados sugerem o contrário.”

DNA no mar aberto

A dinâmica populacional do tubarão-baleia, um gigante enigmático que prefere as águas profundas do oceano aberto e não precisa vir à superfície para respirar, permanece um mistério para os cientistas.

Para aprender sobre como as diferentes populações de tubarões em perigo de extinção estão relacionadas, os cientistas normalmente usam lanças de mão para retirar amostras de tecido e fazer biópsias dos corpos.

Um cardume de peixes segue um tubarão-baleia se alimentando na costa da Austrália Ocidental. Os pesquisadores mostraram que podem usar o eDNA para estudar esses animais – em vez de ter que coletar amostras de tecido.

Foto de Daynjer-In-Focus Getty Images

“É como um pequeno cilindro que você obtém – basicamente uma seção transversal da pele e do tecido adiposo” do tamanho da “ponta do seu dedo mindinho”, explica Laurence Dugal, candidata a doutorado na Universidade da Austrália Ocidental.

 Mas uma nova pesquisa, publicada em 2021, descobriu outra forma de obter os genes de um tubarão-baleia – seguir de perto a fera e abrir uma garrafa de Nalgene – plástico reutilizável.

Ao coletar amostras de eDNA alguns metros atrás dos tubarões-baleia, Dugal e sua equipe obtiveram leituras claras o suficiente para determinar os haplótipos individuais dos tubarões, marcadores genéticos que fornecem informações sobre onde seus ancestrais viveram e sua relação com outras populações. Eles coincidiam com as biópsias tradicionais realizadas nos mesmos indivíduos.

“Achei bastante surpreendente que fomos capazes de detectar um sinal tão dominante deles no mar aberto”, explica ela.

Informantes invertebrados

Mas nem sempre rastros de DNA são encontrados facilmente – alguns indivíduos pequenos naturalmente coletam material genético de organismos com os quais interagem ao longo de suas vidas.

Um subcampo florescente do eDNA é o iDNA, ou DNA adquirido por invertebrados, no qual “fontes de amostras naturais” fornecem um atalho útil para os cientistas.

Os primeiros estudos sobre as esponjas-do-mar descobriram que elas criam repositórios acidentais de eDNA à medida que se alimentam por meio de filtragem, ao mesmo tempo as sanguessugas contêm um registro genético de suas refeições de sangue anteriores que podem durar até quatro meses. Os pesquisadores também recuperaram DNA de espécies de dentro das entranhas de escaravelhos que se alimentavam de fezes de outros animais, como o javali-barbado e o veado sambar.

Folhas de chá que refletem o passado

Pesquisadores da Universidade de Trier e do Instituto Max Plank, na Alemanha, levaram sua pesquisa de eDNA para perto de casa – talvez não da melhor maneira. Em junho, a equipe relatou ter encontrado eDNA de 1.279 espécies diferentes de insetos, aranhas e outros artrópodes em chás e especiarias comprados em lojas alemãs.

O chá verde ficou em primeiro lugar (ou último, dependendo de como for analisado), com uma média de 449 espécies em cada amostra e, por extensão, em cada xícara de chá. A amostra de salsa e camomila, hortelã e chá verde continha eDNA de aproximadamente 200 espécies.

A descoberta de que o eDNA é bem preservado em matéria vegetal seca armazenada à temperatura ambiente desbloqueia um potencial tesouro de novos dados, segundo os autores. Os espécimes botânicos históricos coletados ao redor do mundo durante séculos podem conter informações ainda não examinadas sobre as espécies que os cercaram em vida.

DNA ambiental: complemento, e não substituto

Mas a nova disciplina não é isenta de desvantagens: até os maiores defensores do eDNA dizem que é um complemento, não um substituto, para as técnicas tradicionais de amostragem de campo.

Até agora, o eDNA não pode revelar a idade, sexo ou condição corporal de um organismo, e, embora avanços recentes tenham sido feitos, é difícil dizer quantos indivíduos estão por trás da leitura de eDNA para uma espécie. Ainda precisaremos de armadilhas fotográficas e as tradicionais observações de campo por muitos anos. E embora a coleta de amostras possa requerer pouca tecnologia, a contaminação é uma ameaça tanto no laboratório quanto no campo.

Ainda assim, é difícil exagerar a sensação de assombro que os cientistas sentem com o poder da técnica.

“Se você já esteve em uma floresta tropical, já viu todas essas maravilhas da natureza e sabe que há muita vida lá fora”, diz Bohmann. “Mas você chega lá e quase não vê nada. Você tem que ficar muito quieto e, se tiver sorte, ouvirá algo se mexendo. Mas com o eDNA, de repente você consegue esse retrato do que está por aí – e todo esse mundo de diversidade se abre para você.”

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