Por que alguns animais são mais inteligentes que outros?

Novo estudo revela de onde vem a capacidade de inovação e aprendizado dos animais mais inteligentes do planeta.

Por Cristina Crespo Garay
Publicado 8 de ago. de 2022, 15:36 BRT
Corvo americano (Corvus brachyrhynchos)

Corvo-americano (Corvus brachyrhynchos) no Centro de Pesquisa Aviária. Existem 40 espécies diferentes de corvos.

Foto de Joël Sartore National Geographic Photo Ark

Desde gralhas quebrando a casca de uma noz e jogando-a no chão até pardais bloqueando os sensores das portas dos supermercados para roubar comida. Ou um pássaro chapim-azul abrindo as latas de leite que o entregador deixa nas portas das casas. Mesmo com cérebros do tamanho de uma noz, esses animais alcançam comportamentos e aprendizados que vêm sendo estudados há décadas.

Entre as aves, os corvos são considerados os animais mais inteligentes do mundo, superando até mesmo algumas crianças e primatas. De fato, vários estudos descobriram nos últimos anos que os corvos fazem e usam ferramentas ou resolvem quebra-cabeças, e outras espécies, como papagaios, têm um vocabulário muito diversificado.

A ciência já comprovou que essas aves fazem bom uso de suas cavidades cerebrais e, de fato, possuem mais neurônios do que muitos mamíferos. Mas o que então torna alguns animais mais inteligentes do que outros?

Anos atrás, acreditava-se que a inteligência estava relacionada ao tamanho do cérebro. A chamada teoria da encefalização argumenta que o tecido cerebral “extra” de um cérebro maior permite que mais neurônios sejam dedicados a tarefas cognitivas, de acordo com os pesquisadores do Centro de Pesquisa Ecológica e Aplicações Florestais (Creaf, na sigla em inglês).

No entanto, até agora nenhuma evidência científica estava disponível devido, em parte, à dificuldade de contabilizar a densidade neuronal em diferentes espécies animais.

Os animais têm a capacidade de inovar?

Agora, um novo trabalho publicado na revista Nature Ecology and Evolution mostra, pela primeira vez, que um número maior de neurônios está relacionado a uma das principais formas de inteligência: a capacidade de inovar. Por sua vez, esse número de neurônios está relacionado a um cérebro maior, tanto em relação ao corpo quanto em termos absolutos.

"Nossos resultados sugerem que em corvídeos e papagaios o acúmulo de neurônios no pálio – o equivalente ao córtex nos mamíferos – é resultado do aumento do tempo que a galinha precisa para se desenvolver, uma vez eclodida", destaca Daniel Sol, cientista do Conselho Superior de Pesquisa Científica (Csic) e do Creaf.

Portanto, esses resultados mostram que o número de neurônios no pálio – área do cérebro que corresponde a funções superiores, como aprendizado de diferentes tipos de memória, inteligência, emoções, linguagem, etc. – são um preditor afinado da capacidade cognitiva de uma espécie. Ou seja, um número maior de neurônios no pálio implica em uma maior capacidade de inovação. "Esses resultados são consistentes com a hipótese de que o acúmulo de neurônios no pálio ocorre em fases tardias do desenvolvimento", explica Sol.

“Por sua vez, o acúmulo de neurônios no pálio faz com que o cérebro cresça tanto em termos absolutos quanto em termos relativos. Assim, dentre todas as espécies e linhagens estudadas, os cientistas destacam que os corvídeos e os papagaios são as aves que possuem cérebro maior em relação ao corpo e também mais neurônios no pálio. São também os que têm maior tempo de maturação”, explicam.

Por outro lado, “em grupos como faisões e pombos, o estágio de desenvolvimento pós-natal é mais curto, o que não permite que eles acumulem tantos neurônios no pálio. Isso pode explicar por que eles têm cérebros relativamente pequenos e são menos inovadores em seu comportamento."

Rumo a um novo modelo evolutivo

Além disso, tanto os corvídeos quanto os papagaios têm uma vida útil mais longa. "Viver mais aumenta o valor da solução de problemas por meio da inovação, porque o tempo que você gasta aprendendo um novo comportamento é compensado se o comportamento oferecer benefícios por mais tempo." Até agora, havia controvérsia sobre se o tamanho do cérebro era mais importante em termos absolutos ou em termos relativos.

“Os elefantes têm um cérebro maior que os humanos em termos absolutos”, conta Louis Lefebvre, psicólogo da Universidade McGill (Montreal, Canadá) e co-líder do estudo. “Isso significa que eles são mais inteligentes que os humanos? Não necessariamente, se o que mais importa é o tamanho relativo do cérebro. O cérebro humano contém mais neurônios no pálio, tornando-o maior em proporção ao nosso tamanho do que o dos elefantes."

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Essa nova descoberta foi possibilitada pelo recente desenvolvimento de um novo método de contagem de neurônios, o fracionador isotrópico, que consegue contar com precisão neurônios de várias espécies, uma descoberta da neurobióloga Suzana Herculano-Houzel e sua equipe. Os pesquisadores começaram estimando o número de neurônios no telencéfalo palial, área do cérebro das aves onde ocorrem funções superiores (sensoriais, associativas e pré-motoras) e que nos mamíferos corresponderia ao neocórtex.

Os pesquisadores mediram a densidade neuronal de 81 indivíduos de 46 espécies, graças à participação de Pavel Němec, neurobiólogo da Universidade Charles em Praga, República Tcheca, que co-liderou o estudo e é um dos poucos especialistas mundiais em quantificação de neurônios com a técnica do fracionador isotrópico. Somado às 65 espécies medidas em estudos anteriores, o número total de espécies analisadas chega a 111, o que representa a maior amostra do número de neurônios utilizados até agora no mesmo estudo. 

Os dados sobre o número de neurônios foram comparados com informações sobre a capacidade de inovação com base em mais de 4 mil observações, realizadas de 1960 a 2020, que descrevem comportamentos inovadores de aves em seus habitats naturais, tanto na adoção de novos alimentos quanto no uso de novas técnicas. 

De acordo com Lefevbre, "nossos resultados ajudam a unificar as medidas neuroanatômicas em vários níveis, reconciliando visões conflitantes sobre o significado biológico da expansão cerebral".

"Os resultados também destacam", diz Sol, "o valor da perspectiva da história de vida no avanço de nossa compreensão da base evolutiva das conexões entre o cérebro e a cognição."

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