Misterioso tubarão de águas profundas do Ártico é encontrado no Caribe

Um tubarão-da-groenlândia foi avistado na costa de Belize, aumentando a possibilidade de que tubarões tenham uma área de distribuição maior do que imaginado.

Por Annie Roth
Publicado 4 de ago. de 2022, 12:00 BRT, Atualizado 12 de jan. de 2024, 10:12 BRT
Somniosus_microcephalus

Os tubarões-da-groenlândia (Somniosus microcephalus) são mais comuns no gélido Ártico. Mas novas pesquisas sugerem que pode haver uma área de distribuição maior do que o imaginado em regiões frias de águas profundas de oceanos em todo o mundo.

Foto de Franco Banfi Nature Picture Library

A vida da maioria dos tubarões permanece um mistério, e o tubarão-da-groenlândia não é exceção. Mas, recentemente, foram obtidas informações extraordinárias. 

Nas últimas décadas, cientistas concluíram que esses primitivos animais do Ártico podem viver mais de 400 anos, e muitas vezes desenvolvem cegueira devido a um parasita que se adere às suas córneas. Apesar de sua alimentação ser composta predominantemente por peixes e lulas, eles também consomem carcaças de mamíferos como cavalos, renas e até ursos-polares. 

A última surpresa foi quando cientistas avistaram, no segundo trimestre de 2022, um tubarão-da-groenlândia no oeste do Caribe, a milhares de quilômetros de seu local de ocorrência, no Ártico. Embora cientistas considerem esses tubarões surpreendentes em diversos aspectos, ainda assim o avistamento foi um choque. 

“Foi incrível e emocionante”, afirma Devanshi Kasana, doutoranda da Universidade Internacional da Flórida, nos Estados Unidos, que, juntamente com uma tripulação de pescadores de Belize, capturou o tubarão por acidente durante uma expedição de marcação de tubarões-tigre. A descoberta foi anunciada em julho no periódico Marine Biology.

A pesquisadora Devanshi Kasana e seus colegas capturaram esse tubarão da família Somniosidae – quase certamente um tubarão-da-groenlândia – no recife de Glover, em Belize. É o primeiro registro de um membro da família Somniosidae no oeste do Caribe. 

Foto de Devanshi Kasana Florida International University

Embora Kasana não tenha conseguido coletar amostras de DNA para confirmar a identidade do tubarão, fotografias do animal levaram especialistas em tubarões a acreditar que ele fosse provavelmente um tubarão-da-groenlândia. Esse avistamento incomum levanta questões sobre a verdadeira distribuição do tubarão-da-groenlândia, que se acreditava estar restrita às águas geladas do Oceano Atlântico Norte. 

Avistamento surpresa 

O avistamento ocorreu na costa sul de Belize, perto da segunda maior barreira de corais do mundo. Kasana lançou um espinhel nas águas profundas próximas ao recife de Glover, um atol parcialmente submerso. Seu objetivo era capturar e marcar tubarões-tigre para estudar sua movimentação e ecologia. 

No dia do avistamento, o tempo estava ruim e a tripulação já pensava em desistir. Mas então usaram o molinete para puxar de volta a linha. 

“Percebemos imediatamente que havia algo pesado na linha”, afirma Hector Martinez, pescador que colabora com a pesquisa de Kasana.

O molinete hidráulico preso à linha estava com dificuldade para trazer o animal capturado à superfície. Depois de duas horas de tentativa, o tubarão finalmente emergiu. 

A princípio, Kasana e a tripulação não sabiam ao certo o que viam. “Quando esse indivíduo veio à tona, não reconhecemos sua espécie, apesar de todos os nossos anos de experiência de pesca”, recorda ela. 

Ela pensou que poderia ser um tubarão-vaca, encontrado em águas profundas de oceanos em todo o mundo. Kasana enviou uma foto do tubarão a Demian Chapman, seu orientador de doutorado, diretor do Laboratório e Aquário Marinho Mote, uma organização sem fins lucrativos na Flórida, que disse que não se tratava de um tubarão-vaca. Segundo ele, provavelmente era um tubarão-da-groenlândia. 

Longe de casa? 

Esses tubarões de grande porte podem atingir comprimentos de sete metros e pesar 1,5 tonelada. Embora sejam conhecidos por caçar focas, peixes e lulas, os tubarões-da-groenlândia são majoritariamente necrófagos e se alimentam de carcaças de grandes mamíferos que chegam ao fundo do mar. 

Recentemente, os tubarões-da-groenlândia foram considerados os vertebrados de maior longevidade do mundo. Cientistas estimam que podem viver mais de 400 anos. Em 2016, um tubarão de 272 anos foi encontrado na costa da Groenlândia. Os cientistas podem determinar sua idade datando por radiocarbono o tecido no centro de seus olhos, composto por proteínas formadas no nascimento do tubarão. 

Os tubarões-da-groenlândia são os maiores peixes do Oceano Ártico, bem como os únicos tubarões encontrados nessa região durante o ano inteiro. Seus níveis populacionais não são muito conhecidos, mas acredita-se que estejam em declínio, e são considerados “vulneráveis” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Embora algumas vezes sejam avistados em águas rasas, podem viver em águas a uma profundidade de 2,2 mil metros e tolerar temperaturas entre -2 e 7ºC). 

Os membros da família Somniosidae, a qual pertencem os tubarões-da-groenlândia, são adaptados a ambientes de águas frias. Eles se deslocam lentamente para conservar energia, e seus tecidos contêm altos níveis de substâncias químicas semelhantes a anticongelantes que impedem a formação de cristais de gelo. Essas adaptações permitem sua sobrevivência até nas águas mais frias do Ártico. 

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    Por isso, encontrar um em Belize foi incomum, embora tubarões da família Somniosidae tenham sido avistados algumas vezes perto do Equador. 

    Um avistamento documentado de um tubarão-da-groenlândia nos trópicos é uma informação “incrivelmente valiosa”, afirma Brynn Devine, especialista em pesca do Ártico da organização sem fins lucrativos Oceans North. 

    “Há muito poucas informações sobre sua distribuição longe dos polos. Observações como essa permitem obter mais informações sobre esses tubarões (...), mas ainda existem algumas lacunas de conhecimentos remanescentes sobre a espécie”, observa Devine.

    Embora distante do Ártico, o mar profundo do Caribe também é muito frio – e, ao que parece, mais do que adequado para esses animais. Aliás, comenta Kasana, é possível que tubarões da família Somniosidae, incluindo os tubarões-da-groenlândia, possam habitar águas profundas em todo o mundo. Mas avistamentos como esses são escassos. 

    “Não se sabe muito sobre o fundo do mar no Caribe”, destaca Dave Ebert, biólogo de tubarões e autor de Sharks of the World (Tubarões do mundo, em tradução livre). “Foi sorte essa estudante ter conseguido tirar uma foto desse tubarão, do contrário, poderíamos não saber de sua existência na região.” 

    Embora o tubarão capturado por Kasana e sua equipe naquele dia não fosse o que ela buscava, ela está feliz por ter documentado sua presença na região. 

    O governo de Belize recentemente declarou três atóis (incluindo o recife de Glover e as águas profundas em seu entorno) como áreas de proteção de tubarões. “Estamos bastante empolgados por ter sido encontrado por coincidência algo tão impressionante”, comemora Kasana, que espera que a descoberta “ajude a proteger quaisquer criaturas desconhecidas que vaguem pelas águas de Glover”.

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