Evento misterioso reduziu populações de tubarões há 19 milhões de anos

Registros fósseis indicam que cerca de 90% dos tubarões oceânicos do planeta desapareceram inexplicavelmente.

Por Michael Greshko
Publicado 10 de jun. de 2021, 17:00 BRT
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Os tubarões oceânicos que existem atualmente, como este tubarão-raposa-pelágico nas águas das Filipinas, representam uma fração dos tubarões oceânicos que viviam até o acontecimento de um misterioso evento de extinção há 19 milhões de anos.

Foto de Beara Creativem, Alamy Stock Photo

Os tubarões estão entre os maiores sobreviventes da natureza. Por mais de 400 milhões de anos, esses predadores marinhos têm navegado pelo planeta, desde recifes rasos até as profundezas do alto-mar. Os tubarões são mais antigos do que a mais antiga floresta fóssil e sobreviveram a pelo menos quatro extinções em massa.

E ainda assim, 19 milhões de anos atrás, os tubarões oceânicos foram atingidos por um misterioso evento — do qual eles nunca se recuperaram.

Registros dessa extinção, detalhados pela primeira vez na revista científica Science, foram descobertos em escamas de tubarão, chamadas dentículos, encontradas em amostras coletadas no fundo do Oceano Pacífico. Com base nas formas e na abundância de dentículos nessas amostras, pesquisadores estimam que as populações de tubarões oceânicos do planeta tiveram uma queda repentina e inexplicável de mais de 90%. Em contraste, durante o evento de extinção que matou os dinossauros não-avianos há 66 milhões de anos, os tubarões sofreram perdas de cerca de 30%.

“As amostras nos mostram que algo realmente grande aconteceu aqui”, afirma a autora do estudo, Elizabeth Sibert, paleobióloga e oceanógrafa da Universidade de Yale. “Os tubarões têm uma história evolutiva de 400 milhões de anos; eles estão no planeta há muito tempo e já passaram por muita coisa. E existe algo capaz de dizimar 90% deles?”

Ninguém sabe o que desencadeou a extinção, mas seja o que for, deve ter acontecido em um período de cerca de 100 mil anos, um piscar de olhos do ponto de vista geológico. Estranhamente, a extinção não coincide com nenhuma grande mudança climática conhecida na Terra ou qualquer grande avanço evolutivo entre outros predadores de mar aberto.

Dito isso, o declínio dos tubarões pode ter dado a outros animais marinhos a chance de se sobressaírem. Vários milhões de anos após a extinção, grupos incluindo atuns, aves marinhas, baleias e tubarões migratórios se diversificaram, culminando no tipo de ecossistema que vemos hoje no oceano aberto.

Os pesquisadores também alertam que as descobertas podem ser um mau presságio para as populações de tubarões modernos. Desde 1970, o número total de tubarões e raias oceânicas caiu 71%, de acordo com um estudo recente publicado na revista científica Nature, um declínio causado pela pesca excessiva. Se os tubarões oceânicos sofreram um golpe existencial há 19 milhões de anos e nunca se recuperaram totalmente, como serão os oceanos no futuro em consequência da atividade humana?

“De certa forma, isso mostra claramente como esses grandes predadores — esses animais tão carismáticos — são vulneráveis a qualquer tipo de mudança ambiental repentina”, afirma o paleobiólogo de tubarões Mohamad Bazzi, doutorando da Universidade de Uppsala, na Suécia, que não participou do estudo. “Essa descoberta tem implicações tremendas atualmente.”

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Acervo de tubarões

Sibert se deparou com indícios dessa extinção misteriosa anos atrás, enquanto tentava entender de maneira geral como era a vida dos peixes — incluindo tubarões — no oceano aberto nos últimos 85 milhões de anos da história da Terra.

Para descobrir essas tendências gerais, Sibert procurou um dos acervos mais importantes do planeta: núcleos de sedimentos do fundo do mar que os cientistas vêm perfurando desde 1968. Essencialmente, o fundo do mar atua como um livro de história do tamanho de um planeta. Indícios químicos e fósseis em cada camada de sedimentos registram a história de como a Terra mudou ao longo do tempo, bem como a maneira como a vida reagiu a isso. Por exemplo, esses registros foram essenciais para constatar as mudanças anteriores no clima da Terra.

O foco de Sibert estava em um componente mais obscuro dos núcleos: “ictiólitos”, pequenos fósseis derivados de peixes que incluem dentes de peixe e dentículos de tubarão, que os animais constantemente substituem ao longo da vida. Ao rastrear os tipos e as quantidades gerais desses fósseis através das muitas camadas dos núcleos, Sibert também esperava rastrear as mudanças nos ecossistemas oceânicos durante longos períodos da história recente da Terra.

Para garantir uma boa noção dos padrões globais, e não locais ou regionais, Sibert contou com dois núcleos de sedimentos que foram perfurados nos giros subtropicais do Oceano Pacífico, vastas correntes rodopiantes que permaneceram estáveis por milhões de anos, e onde qualquer ponto no fundo do mar pode conter dentículos e dentes de animais que viveram a milhares de quilômetros de distância. Esse tipo de ciência requer o investimento de gerações: o núcleo principal em que Sibert se concentrou foi coletado no Pacífico Sul em 1983, antes de ela nascer.

Quando contou as escamas de tubarão e os dentes de peixe, Sibert descobriu que o oceano aberto sofreu diversas mudanças nos últimos 85 milhões de anos. Até a extinção dos dinossauros, há 66 milhões de anos, os sedimentos continham cerca de um dentículo de tubarão para cada dente de peixe. Alguns milhões de anos depois, a proporção de dentículos de tubarão caiu pela metade.

Há cerca de 56 milhões de anos, a quantidade havia se estabilizado em um dentículo de tubarão para cada cinco dentes de peixe. Essa proporção permaneceu sólida pelos próximos 40 milhões de anos ou mais — até 19 milhões de anos atrás, quando Sibert conseguiu encontrar apenas um dentículo para cada 100 dentes de peixe.

“Não há como não perceber esse declínio”, ela relata.

O segredo está nos dentículos

Sibert publicou essas observações na revista científica Proceedings of the Royal Society B em 2016, mas ainda havia muito que ela não sabia. O colapso atingiu todos os tipos de tubarões igualmente? Ou alguns tipos de escamas — e, por extensão, de tubarões — desapareceram completamente há 19 milhões de anos?

Para descobrir, Sibert se juntou a uma aluna dedicada, Leah Rubin, que na época era estudante da universidade College of the Atlantic em Bar Harbor, Maine. Depois de olhar para quase 600 fotos de tubarões modernos, arraias e peles de arraia, e quase 1,3 mil fósseis, Rubin descobriu como classificar os dentículos fósseis dos sedimentos com base em características como suas formas e sulcos.

“Eles são pequenos demais para ver qualquer detalhe a olho nu... É impossível realmente sentir como eles são lindos e intrincados”, afirma Rubin, que agora está iniciando um doutorado na Faculdade de Ciência Ambiental e Silvicultura da Universidade Estadual de Nova York, localizada em Syracuse.

Depois que Rubin e Sibert classificaram os dentículos, os resultados foram chocantes. Amostras com menos de 19 milhões de anos tinham apenas 30% da diversidade de dentículos que os sedimentos mais antigos possuíam. De alguma forma, muitas espécies de tubarões oceânicos do Pacífico — senão a maioria — desapareceram.

Além disso, a extinção parece ter atingido alguns grupos com mais intensidade do que outros. Os chamados dentículos geométricos, que tendem a pertencer aos tubarões que nadam mais devagar entre as espécies modernas, entraram em colapso há 19 milhões de anos, enquanto outros tipos persistiram.

Registros irregulares

A descoberta, sem dúvida, renovará o interesse no estudo sobre esse período, conhecido nos círculos científicos como uma sub-época do Mioceno Inferior. Os registros climáticos existentes da época sugerem que o clima da Terra era estável, mas isso também é mal compreendido.

De acordo com Sibert, dos 683 núcleos de sedimentos do fundo do mar que vão fundo o suficiente para cobrir o Mioceno Inferior, mais de 80% não possuem sedimentos desse período, por motivos que permanecem desconhecidos. Mas entre a clareza da evidência fóssil e os registros irregulares da Terra, é inteiramente possível que algum tipo de evento climático de curto prazo tenha atingido o planeta há 19 milhões de anos.

“Alguns aspectos do estudo [da Terra em períodos antigos] ainda são tão recentes que é possível fazer enormes descobertas sobre coisas que aconteceram há relativamente pouco tempo”, explica James Rae, cientista do clima da Universidade de St. Andrews, na Escócia, que não participou do estudo.

Na década de 1980, pesquisadores notaram que os sedimentos do fundo do mar mostravam que o plâncton marinho passou por uma grande extinção há cerca de 55 milhões de anos. Evidências posteriores revelaram que, naquela época, os níveis de dióxido de carbono aumentaram rapidamente, fazendo com que as temperaturas subissem e os oceanos da Terra ficassem mais ácidos.

Geólogos agora estudam com atenção esse período, que é chamado de Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno, para aprender mais sobre como a Terra pode responder às mudanças climáticas causadas pelos humanos. Talvez os futuros cientistas estudem a extinção dos tubarões no Mioceno da mesma maneira — mas somente com mais dados será possível resolver o mistério.

“Deve haver alguma resposta nos sedimentos”, afirma Sibert. “Nós só não sabemos qual é ainda.”

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