Para combater vício em opioides, cientistas pesquisam veneno de caramujo marinho

Pesquisadores investigam se o veneno desses indivíduos marinhos serve como analgésico.

Por Elaina Zachos
Publicado 8 de dez. de 2017, 12:29 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Para combater vício em opioides, cientistas pesquisam veneno de caramujo marinho
A resposta para o problema do vício em opioides pode vir de uma surpreendente fonte: os oceanos. Cientistas estudam o veneno de vários caramujos, lesmas e moluscos marinhos como alternativa não-viciante a tratamentos contra dores. Como não têm recursos como dentes e braços, esses moluscos marinhos paralisam e capturam suas presas utilizando tais substâncias. Os cientistas querem usar as qualidades anestésicas do veneno para combater dores e inflamações em humanos, em vez de utilizar opioides que causam dependência. Recentemente, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos concedeu 10 milhões de dólares à Universidade de Utah para o estudo.

A próxima fronteira da pesquisa de drogas talvez esteja debaixo d’água.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou oficialmente a crise dos opioides como uma emergência nacional de saúde pública no país. Em novembro, ele indicou a conselheira Kellyanne Conway para liderar esforços contra esse tipo de droga, e concordou em contribuir com parte do seu salário para essa campanha. Agora, graças a uma concessão de US$ 10 milhões do Departamento de Defesa dos EUA, pesquisadores da Universidade de Saúde Utah estão trabalhando nas iniciativas.

Essa equipe multidisciplinar de cientistas tem olhado para os caramujos marinhos venenosos para combater a epidemia (em inglês).

“Nosso objetivo é gerar uma fonte de diferentes possibilidades para drogas não-opioides”, diz Toto Olivera, biólogo envolvido na pesquisa. “Pensamos que quanto mais alternativas, melhor.”

PISTAS DO MAR

Existem centenas de espécies de caramujos Conus, um molusco predador cheio de toxinas. Para essa pesquisa sobre remédios, cientistas consideram o subgênero Conus asprella (em inglês), que inclui seis espécies distintas. A tática de caça dessas criaturas do mar é injetar no peixe um veneno paralisante, por meio de um dente em formato de arpão. O molusco marinho, então, se afasta e observa a reação de sua presa ao coquetel tóxico, antes de apunhalá-la novamente e, por fim, engoli-la.

Se os pesquisadores puderem aproveitar ingredientes dormentes do veneno que não façam mal aos humanos, eles talvez cheguem um passo mais perto de combater a crise nacional do opioide.

O caramujo marinho tem de 2,5 e 4 cm de comprimento, então seu pequeno tamanho o torna mais difícil de estudar. Mas Olivera diz que a tecnologia moderna facilita na investigação dos mecanismos de defesa desses minúsculos moluscos. Sua equipe também observa a biologia do caramujo e o comportamento para desconstruir os componentes tóxicos do veneno.

“Se um caramujo é pequeno, ele pode machucar ou paralisar seu dedo. Mas, no geral, não será uma emergência médica”, diz Olivera. Na natureza, uma ferroada do caramujo Conus asprella não teria muitos efeitos no ser humano, mas, se certas toxinas venenosas puderem ser controladas, talvez contribuam para desenvolver um novo remédio.

Após adquirir mais dados das análises e exemplares do animal, a equipe irá identificar os componentes do veneno mais promissores e descobrir como sintetizá-los para criar drogas prescritas. Em fevereiro, Olivera participou de um estudo que descobriu que o veneno da Conus regius podem servir de analgésicos eficazes aos humanos (em inglês).

“Estamos esperançosos enquanto desenvolvemos esse composto”, diz Olivera. “Esperamos ficar bastante surpreendidos com algumas das coisas que descobrirmos.”

REMÉDIOS DA NATUREZA

Zoltan Takacs, cientista biomédico e explorador da National Geographic, diz que a natureza é o lugar perfeito para encontrar medicamentos. A evolução tem testado defesas – inclusive o veneno do caramujo – ao longo de centenas de milhões de anos, para identificar funções chave do corpo com excelente precisão.

“Toxinas de veneno são as únicas moléculas no universo inteiro especialmente selecionadas pela natureza para tirar uma vida em menos de um minuto”, diz Takacs. “Há uma grande semelhança na função geral e na estrutura dos venenos de diferentes espécies. A natureza escolheu uma molécula, e a mesma molécula desempenha um papel na cobra, no escorpião e no caramujo Conus.”

Takacs está empolgado com a nova pesquisa. Em média, leva-se pelo menos 10 anos para desenvolver um medicamento a partir de uma toxina natural – a verba dos pesquisadores será para quatro anos. Takacs acrescenta que a equipe terá de criar uma droga que seja eficaz e específica para as dores, o que a tornará mais potente e reduzirá seus efeitos colaterais. Também precisa ser de fácil aplicação – outra droga derivada de veneno de caramujo só funciona se injetada diretamente na espinha dorsal.

“Estou realmente ansioso pelo que iremos descobrir”, diz Takacs. “Isso é dinheiro bem gasto.”

PEQUENO CARAMUJO, GRANDE PROBLEMA

Ao longo do tempo, muitos pacientes que sofrem de dor crônica se renderam aos opioides. Esses medicamentos analgésicos aumentam os níveis de dopamina no cérebro, levando os usuários a sentirem um efeito alegre e agradável.

Os efeitos entorpecentes da droga a torna altamente viciante e leva ao abuso. Overdoses de opioides causam 91 mortes por dia nos Estados Unidos, e a crise também afeta os bebês.

Graças aos avanços tecnológicos, sabemos mais do que nunca sobre dependência. Nossos corpos naturalmente produzem pequenas doses de morfina para combater a dor. Até onde chega a natureza das prescrições, o veneno de cobra pode ser tão forte quanto alguns opiáceos e há evidências de que nossos antecessores utilizavam uma aspirina pré-histórica. Cientistas também se voltaram ao peixe-zebra, que possui estruturas neurológicas similares às dos humanos, para buscar respostas sobre a dependência de drogas.

Com a pesquisa sobre o caramujo marinho, Olivera espera desenvolver uma droga analgésica que não seja aditiva como os prejudiciais opioides. Observando caramujos marinhos, “nós pensamos que eles têm muito potencial”, ele diz.

“Essa é uma mina de ouro para novos medicamentos”, diz Takacs.

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