Quer pegar no sono? Então leia esta reportagem

Vou contar a você como é uma noite de sono saudável. E como as luzes azuladas de celulares e tablets nos impedem de dormir o suficiente.

Por Michael Finkel
fotos de Magnus Wennman
Publicado 30 de jul. de 2018, 19:47 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Wile, o filho de sete anos do fotógrafo Magnus Wennman, assiste a desenhos animados em seu iPad, um ritual moderno para alguns na hora de dormir. O estímulo pode afastar o sono, assim como sua tela iluminada. A presença de luz durante a noite inibe a produção de melatonina, o hormônio que ajuda a regular nosso ciclo biológico diário.
Foto de Magnus Wennman

Confira a reportagem completa na edição de agosto da revista National Geographic Brasil.

Quase todas as noites de nossa vida, vivemos uma metamorfose extraordinária.

Nosso cérebro altera profundamente seu comportamento e propósito, atenuando a nossa consciência. Por um tempo, ficamos quase inteiramente paralisados. Não conseguimos nem mesmo tremer. Vez por outra, porém, os nossos olhos – de um lado para o outro atrás das pálpebras fechadas, como se estivessem vendo algo – e os minúsculos músculos no ouvido médio, mesmo em silêncio, se movem. Em repetidos momentos, ficamos sexualmente excitados, homens e mulheres. Às vezes, acreditamos que somos capazes de voar. Até nos aproximamos das fronteiras da morte. Mas estamos dormindo.

Por volta de 350 a.C., o filósofo grego Aristóteles escreveu um ensaio, intitulado Sobre o Sono e a Vigília, no qual se perguntava o que fazíamos exatamente ao dormir e por que o fazíamos. No decorrer dos 2 300 anos seguintes, ninguém conseguiu dar uma boa resposta a essas questões. Em 1924, o psiquiatra alemão Hans Berger inventou a eletroencefalografia, um método de registrar a atividade elétrica no cérebro, e com isso o estudo do sono passou a interessar também aos cientistas. Porém, apenas nas últimas décadas, à medida que os equipamentos de visualização permitiram o exame cada vez mais profundo do cérebro, é que estamos chegando mais perto de dar uma resposta convincente a Aristóteles.

E tudo o que aprendemos sobre o sono ressalta o quão importante ele é para a nossa saúde mental e física. O padrão sono-vigília é uma característica fundamental da biologia humana – uma adaptação à vida num planeta que gira em torno do próprio eixo, numa incessante sequência de dias e noites. Em 2017, o prêmio Nobel de Medicina foi concedido a três cientistas que, nas décadas de 1980 e 90, identificaram o relógio molecular no interior das células que nos ajuda a manter a sincronia com o sol. Recentes pesquisas mostram que, quando esse ritmo circadiano se desorganiza, aumenta o risco de ocorrência de diabetes, doenças cardíacas e demência.

O sono é visto como uma interrupção da vida, mas o verdadeiro flagelo é a insônia. No Japão, cerca de 40% da população dorme menos que seis horas por noite. O cochilo em público, como neste restaurante de Tóquio, é um comportamento socialmente aceito.
Foto de Magnus Wennman

No entanto, hoje em dia, vivemos todos num estado de desequilíbrio entre o nosso estilo de vida e o ciclo solar. “Parece até que estamos participando de um experimento global sobre as consequências negativas da privação do sono”, diz Robert Stickgold, diretor do Centro de Sono e Cognição, na Universidade Harvard. Atualmente, o brasileiro médio tem uma das noites de sono mais curtas do mundo, ao lado de cingapurianos e japoneses, apontou um estudo de 2016. Isso se deve, sobretudo, à onipresença de luzes, televisores, computadores e celulares. Em nossa sociedade irrequieta e sempre iluminada, muitas vezes consideramos o sono um adversário, um estado indesejável que nos impede de sermos mais produtivos ou de nos divertirmos mais. O próprio Thomas Edison, o inventor das lâmpadas elétricas, afirmava que “o sono é uma insensatez, um hábito deplorável”.

Hoje, uma noite inteira de descanso parece tão rara e antiquada quanto uma carta manuscrita. Numa noite bem-sucedida de sono, repetimos quatro ou cinco vezes um ciclo com várias etapas, cada qual com características e propósitos distintos – cumprindo uma viagem sinuosa, e até surrealista, por um universo paralelo.

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    Estágios 1-2

    Ao adormecemos, o nosso cérebro permanece ativo e dá início a um processo de edição, decidindo quais memórias serão preservadas e quais serão descartadas.

    A mudança ocorre com rapidez. O corpo humano não aprecia a demora entre o estado da vigília e o do sono. Por isso, apagamos as luzes, deitamos na cama e fechamos os olhos. Se o nosso ritmo circadiano está adaptado à sucessão diária de luz e escuridão, se a glândula pineal na base do cérebro está produzindo melatonina e sinalizando que chegou a noite e, ainda, se vários outros sistemas se acham alinhados, então os nossos neurônios logo entram no novo ritmo.

    Os neurônios – cerca de 86 bilhões deles – são as células que formam a internet do cérebro, comunicando-se umas com as outras por meio de sinais elétricos e químicos. Quando estamos plenamente despertos, os neurônios formam uma multidão agitada, uma tempestade com raios em nível celular. Quando os neurônios disparam os sinais de forma uniforme e rítmica – num eletroencefalograma, tal atividade se expressa por linhas onduladas nítidas –, isso indica que o cérebro se voltou para dentro, e agora dá as costas ao caos da vida desperta. Ao mesmo tempo, nossos receptores sensoriais são abafados e, a seguir, estamos adormecidos.

    Descansando em seu beliche no U.S.S. Paul Hamilton, um marinheiro usa óculos iluminados por um curto período de tempo depois de acordar. Nita Shattuck, da Escola Naval de Pós-Graduação em Monterey, Califórnia, testa os dispositivos para ver se conseguem redefinir o relógio interno dos marujos, sincronizando-os aos seus turnos em vez do ciclo solar.
    Foto de Magnus Wennman

    Esse, de acordo com os cientistas, é o estágio 1, a etapa superficial do sono. Ele dura cerca de cinco minutos. Então, das profundezas do cérebro, surge uma série de faíscas elétricas que percorre o córtex cerebral – a matéria cinzenta pregueada que recobre a camada mais externa do cérebro e abriga os centros da linguagem e da consciência. Essas rajadas de meio segundo, os “fusos”, indicam que entramos no estágio 2.

    Portanto, durante o sono, o cérebro não fica menos ativo, como se pensava, mas continua ativo de forma distinta. A teoria corrente é que os fusos estimulam o córtex de modo a que preserve a informação recentemente adquirida – e, talvez, também para vinculá-la ao conhecimento já consolidado, na memória de longo prazo. Nos laboratórios do sono, quando se propõem às pessoas tarefas novas, nota-se, na mesma noite, aumento na frequência dos fusos. E, aparentemente, quanto mais fusos são registrados, melhores resultados as pessoas alcançam ao executar a mesma tarefa no dia seguinte.

    Durante a vigília, o cérebro fica empenhado ao máximo em captar os estímulos externos; no repouso mental, ele se concentra em consolidar as informações coletadas. À noite, portanto, deixamos de lado a atividade de gravação e passamos à de edição, uma mudança perceptível em escala molecular. Não se trata apenas de um arquivamento rotineiro dos nossos pensamentos: no sono, o cérebro seleciona as lembranças a serem guardadas e aquelas a serem eliminadas.

    As novas memórias são consolidadas no sono. O que ocorre no cérebro? Na Universidade de Tsukuba, no Japão, Takeshi Sakurai estuda a questão com a ajuda daoptogenética – um laser ativa células cerebrais em camundongos geneticamente modificados para adquirirem tal sensibilidade.
    Foto de Magnus Wennman

    Nem sempre o cérebro faz boas escolhas. O sono reforça a nossa memória de forma tão poderosa – não apenas no estágio 2, no qual passamos metade do tempo em que ficamos adormecidos, mas em todos os ciclos no decorrer da noite – que talvez fosse melhor, por exemplo, que os policiais ou soldados que voltam exaustos de missões difíceis não fossem logo para a cama. Para evitar os distúrbios de estresse pós-traumático, eles deveriam ficar acordados por outras seis a oito horas, alerta a neurocientista Gina Poe. Pesquisas feitas por ela indicam que dormir logo após um evento importante, antes que, ao menos em parte, a experiência seja processada, cria condições favoráveis para que o ocorrido seja convertido em memória de longo prazo.

    O estágio 2 pode durar até 50 minutos no primeiro ciclo de sono de 90 minutos. (Normalmente ele ocupa uma porção menor dos ciclos subsequentes.) Os fusos podem ocorrer a cada poucos segundos por um tempo, mas, quando diminuem essas erupções, cai a frequência cardíaca. Assim como a temperatura no interior do corpo. Não temos mais nenhuma percepção do ambiente externo. Começamos então o mergulho nos estágios 3 e 4, as seções profundas do sono.

    Confira a reportagem completa na edição de agosto da revista National Geographic Brasil.

    Na clínica de sono infantil em Washington, Michael Bosak, de 8 anos, dorme numa posição que ajuda a evitar o estreitamento repetido das vias aéreas superiores – a causa do seu ronco. (A foto foi feita no escuro, com uma câmera de infravermelho, para não perturbá-lo.) O sono é crucial para a saúde na infância; durante o sono, é liberado o hormônio do crescimento e as proteínas que combatem as infecções. O sono ruim gera obesidade e problemas de aprendizagem.
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