Quer pegar no sono? Então leia esta reportagem
Vou contar a você como é uma noite de sono saudável. E como as luzes azuladas de celulares e tablets nos impedem de dormir o suficiente.
Confira a reportagem completa na edição de agosto da revista National Geographic Brasil.
Quase todas as noites de nossa vida, vivemos uma metamorfose extraordinária.
Nosso cérebro altera profundamente seu comportamento e propósito, atenuando a nossa consciência. Por um tempo, ficamos quase inteiramente paralisados. Não conseguimos nem mesmo tremer. Vez por outra, porém, os nossos olhos – de um lado para o outro atrás das pálpebras fechadas, como se estivessem vendo algo – e os minúsculos músculos no ouvido médio, mesmo em silêncio, se movem. Em repetidos momentos, ficamos sexualmente excitados, homens e mulheres. Às vezes, acreditamos que somos capazes de voar. Até nos aproximamos das fronteiras da morte. Mas estamos dormindo.
Por volta de 350 a.C., o filósofo grego Aristóteles escreveu um ensaio, intitulado Sobre o Sono e a Vigília, no qual se perguntava o que fazíamos exatamente ao dormir e por que o fazíamos. No decorrer dos 2 300 anos seguintes, ninguém conseguiu dar uma boa resposta a essas questões. Em 1924, o psiquiatra alemão Hans Berger inventou a eletroencefalografia, um método de registrar a atividade elétrica no cérebro, e com isso o estudo do sono passou a interessar também aos cientistas. Porém, apenas nas últimas décadas, à medida que os equipamentos de visualização permitiram o exame cada vez mais profundo do cérebro, é que estamos chegando mais perto de dar uma resposta convincente a Aristóteles.
E tudo o que aprendemos sobre o sono ressalta o quão importante ele é para a nossa saúde mental e física. O padrão sono-vigília é uma característica fundamental da biologia humana – uma adaptação à vida num planeta que gira em torno do próprio eixo, numa incessante sequência de dias e noites. Em 2017, o prêmio Nobel de Medicina foi concedido a três cientistas que, nas décadas de 1980 e 90, identificaram o relógio molecular no interior das células que nos ajuda a manter a sincronia com o sol. Recentes pesquisas mostram que, quando esse ritmo circadiano se desorganiza, aumenta o risco de ocorrência de diabetes, doenças cardíacas e demência.
No entanto, hoje em dia, vivemos todos num estado de desequilíbrio entre o nosso estilo de vida e o ciclo solar. “Parece até que estamos participando de um experimento global sobre as consequências negativas da privação do sono”, diz Robert Stickgold, diretor do Centro de Sono e Cognição, na Universidade Harvard. Atualmente, o brasileiro médio tem uma das noites de sono mais curtas do mundo, ao lado de cingapurianos e japoneses, apontou um estudo de 2016. Isso se deve, sobretudo, à onipresença de luzes, televisores, computadores e celulares. Em nossa sociedade irrequieta e sempre iluminada, muitas vezes consideramos o sono um adversário, um estado indesejável que nos impede de sermos mais produtivos ou de nos divertirmos mais. O próprio Thomas Edison, o inventor das lâmpadas elétricas, afirmava que “o sono é uma insensatez, um hábito deplorável”.
Hoje, uma noite inteira de descanso parece tão rara e antiquada quanto uma carta manuscrita. Numa noite bem-sucedida de sono, repetimos quatro ou cinco vezes um ciclo com várias etapas, cada qual com características e propósitos distintos – cumprindo uma viagem sinuosa, e até surrealista, por um universo paralelo.
Estágios 1-2
Ao adormecemos, o nosso cérebro permanece ativo e dá início a um processo de edição, decidindo quais memórias serão preservadas e quais serão descartadas.
A mudança ocorre com rapidez. O corpo humano não aprecia a demora entre o estado da vigília e o do sono. Por isso, apagamos as luzes, deitamos na cama e fechamos os olhos. Se o nosso ritmo circadiano está adaptado à sucessão diária de luz e escuridão, se a glândula pineal na base do cérebro está produzindo melatonina e sinalizando que chegou a noite e, ainda, se vários outros sistemas se acham alinhados, então os nossos neurônios logo entram no novo ritmo.
Os neurônios – cerca de 86 bilhões deles – são as células que formam a internet do cérebro, comunicando-se umas com as outras por meio de sinais elétricos e químicos. Quando estamos plenamente despertos, os neurônios formam uma multidão agitada, uma tempestade com raios em nível celular. Quando os neurônios disparam os sinais de forma uniforme e rítmica – num eletroencefalograma, tal atividade se expressa por linhas onduladas nítidas –, isso indica que o cérebro se voltou para dentro, e agora dá as costas ao caos da vida desperta. Ao mesmo tempo, nossos receptores sensoriais são abafados e, a seguir, estamos adormecidos.
Esse, de acordo com os cientistas, é o estágio 1, a etapa superficial do sono. Ele dura cerca de cinco minutos. Então, das profundezas do cérebro, surge uma série de faíscas elétricas que percorre o córtex cerebral – a matéria cinzenta pregueada que recobre a camada mais externa do cérebro e abriga os centros da linguagem e da consciência. Essas rajadas de meio segundo, os “fusos”, indicam que entramos no estágio 2.
Portanto, durante o sono, o cérebro não fica menos ativo, como se pensava, mas continua ativo de forma distinta. A teoria corrente é que os fusos estimulam o córtex de modo a que preserve a informação recentemente adquirida – e, talvez, também para vinculá-la ao conhecimento já consolidado, na memória de longo prazo. Nos laboratórios do sono, quando se propõem às pessoas tarefas novas, nota-se, na mesma noite, aumento na frequência dos fusos. E, aparentemente, quanto mais fusos são registrados, melhores resultados as pessoas alcançam ao executar a mesma tarefa no dia seguinte.
Durante a vigília, o cérebro fica empenhado ao máximo em captar os estímulos externos; no repouso mental, ele se concentra em consolidar as informações coletadas. À noite, portanto, deixamos de lado a atividade de gravação e passamos à de edição, uma mudança perceptível em escala molecular. Não se trata apenas de um arquivamento rotineiro dos nossos pensamentos: no sono, o cérebro seleciona as lembranças a serem guardadas e aquelas a serem eliminadas.
Nem sempre o cérebro faz boas escolhas. O sono reforça a nossa memória de forma tão poderosa – não apenas no estágio 2, no qual passamos metade do tempo em que ficamos adormecidos, mas em todos os ciclos no decorrer da noite – que talvez fosse melhor, por exemplo, que os policiais ou soldados que voltam exaustos de missões difíceis não fossem logo para a cama. Para evitar os distúrbios de estresse pós-traumático, eles deveriam ficar acordados por outras seis a oito horas, alerta a neurocientista Gina Poe. Pesquisas feitas por ela indicam que dormir logo após um evento importante, antes que, ao menos em parte, a experiência seja processada, cria condições favoráveis para que o ocorrido seja convertido em memória de longo prazo.
O estágio 2 pode durar até 50 minutos no primeiro ciclo de sono de 90 minutos. (Normalmente ele ocupa uma porção menor dos ciclos subsequentes.) Os fusos podem ocorrer a cada poucos segundos por um tempo, mas, quando diminuem essas erupções, cai a frequência cardíaca. Assim como a temperatura no interior do corpo. Não temos mais nenhuma percepção do ambiente externo. Começamos então o mergulho nos estágios 3 e 4, as seções profundas do sono.
Confira a reportagem completa na edição de agosto da revista National Geographic Brasil.