Cabras selvagens dominaram ilha por mais de um século. Agora, o local está renascendo

A ilha rochosa de Redonda, que já teve sua flora e fauna dizimada por espécies invasoras, recupera-se de maneira surpreendentemente rápida.

Por Michael Hingston
Publicado 15 de jan. de 2020, 07:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Ilha de Redonda, que já foi tida como destruída por cabras e ratos vorazes.
Ilha de Redonda, que já foi tida como destruída por cabras e ratos vorazes.
Foto de Ed Marshall, Redonda Restoration Programme

REDONDA, ANTÍGUA São necessárias quatro horas de barco para chegar a Redonda, mas apenas dois minutos para avistar o primeiro lagarto.

Nessa pequena e isolada ilha nas Índias Ocidentais, um antigo e imponente vulcão é cercado por falésias de mais de trinta metros e coberto por arbustos e pasto que encobrem algumas das espécies incomuns que nela habitam. Ninhos de diversos atobás e fragatas se espalham em meio à vegetação, enquanto seus donos pontilham o céu aos montes. Três lagartos e lagartixas, ambos nativos da ilha, ficam à espreita na sombra. O raro lagarto da espécie Pholidoscelis atratus, preto e de cerca de quinze centímetros, é ainda mais ousado: paro de andar por alguns segundos e me encosto no que resta de um cabo, e um grupo deles aparece e passa por cima dos meus tênis.

Nem sempre foi assim. Se você visitasse Redonda há apenas cinco anos — não se trata de uma tarefa fácil, nem antes nem agora —, você encontraria um lugar que os moradores de Antígua, ilha localizada perto dali (e à qual Redonda tecnicamente pertence), consideravam uma ilha morta, sumindo no mar. Durante meio século, no final do século 19 e começo do século 20, Redonda foi um local agitado que abrigava uma mina equipada com um grande sistema de polias que transportava baldes de guano e fosfatos — usados como fertilizantes — até a costa abaixo. Mais de 100 homens trabalharam no auge das atividades da mina, e a maioria vivia nela em tempo integral.

O lagarto da espécie Anolis nubilus foi um dos répteis recuperados após a retirada de espécies invasoras da ilha.
Foto de Ed Marshall, Redonda Restoration Programme

Porém, após o início da Primeira Guerra Mundial, a mina foi fechada, e dois grandes problemas foram deixados para trás: cabras e ratos. Nos cem anos seguintes, essas espécies invasoras se uniram para comer tudo o que viam pela frente, até que não restasse nada além de poeira e pedaços de máquinas antigas.

Nos últimos anos, no entanto, uma impressionante reviravolta ecológica ocorreu em Redonda, a um ritmo mais rápido do que os seus simpatizantes mais otimistas poderiam imaginar. Para muitas pessoas, a recuperação da vida selvagem carrega a ideia de um processo silencioso e passivo, como se bastasse se afastar de um local para que as ervas daninhas voltassem a dominar a vegetação naturalmente. Mas para o Redonda Restoration Programme, essa tem sido uma empreitada mais complicada, envolvendo helicópteros, cabras embrulhadas em plástico, alpinistas armados com veneno de rato e equipamentos de proteção feitos de boias de piscina e calças de ioga.

Dizimada, mas não esquecida

Por muito tempo, Redonda foi dada como irrecuperável, em parte devido à extensão do dano causado pelos animais e à inacessibilidade da ilha, mas, também, porque a ideia de preservação ambiental demorou para se popularizar no local.

“De um modo geral, a preservação ambiental em Antígua é vista como algo elitista”, diz Natalya Lawrence, coordenadora do Environmental Awareness Group, organização sem fins lucrativos que supervisiona o projeto de recuperação de Redonda. “Se você tem dinheiro, pode se preocupar com árvores e lagartos. Mas se você precisa de um dólar hoje para alimentar seus filhos, não há tempo o suficiente para observar os efeitos em longo prazo”.

O EAG foi criado no final da década de 1980 e, desde então, evoluiu para incluir muitos projetos de recuperação ambiental em Antígua e seus arredores. Nas últimas décadas, já erradicaram ratos de mais de uma dúzia de ilhas na área. Ainda assim, Redonda, que pode ser vista no horizonte sudoeste, sempre foi o projeto dos sonhos da organização. Finalmente, em 2016, após várias rodadas de consultas às partes interessadas e estudos de viabilidade, um grupo de voluntários montou acampamento no planalto principal da ilha e começou a trabalhar.

O primeiro passo foi realocar o rebanho de aproximadamente 60 cabras selvagens que vivia em Redonda. Os voluntários implementaram um plano, mas após dois meses haviam conseguido capturar apenas um animal.

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    Cabras em Redonda antes de serem levadas à Antígua.
    Foto de Jeremy Holden, Fauna & Flora International

    “Essas cabras eram muito espertas”, relembra Shanna Challenger, coordenadora do Redonda Restoration Programme, e se diverte. “Elas enxergavam nossas armadilhas e desviavam.”

    Tentar atrai-las com comida e água fresca, também não surtiu efeito. Por fim, um grupo maior de voluntários conseguiu reunir as cabras à mão e transportá-las para fora da ilha por helicóptero. Para mantê-las calmas, cada cabra foi envolta em um saco plástico até o pescoço, vendada com capuz feito de calças de ioga antigas e tiveram seus chifres protegidos por boias-espaguete para o voo de 20 minutos de volta à Antígua.

    Ao mesmo tempo, o grupo maior (com representantes de várias organizações, incluindo a Fauna and Flora International e a Wildlife Management International) também foi encarregado de erradicar os cerca de 6 mil ratos-pretos que haviam infestado todos os cantos da ilha. Os ratos eram grandes e vorazes: quando os voluntários voltavam para conferir suas armadilhas envenenadas, outros ratos já tinham começado a comer seus colegas mortos. E como grande parte de Redonda é praticamente inacessível aos seres humanos, o EAG também contratou alpinistas do British Mountaineering Council para escalar os penhascos e aplicar veneno nos cantos e recantos de mais difícil acesso.

    Antes e depois: Redonda em 2016 e 2019.
    Foto de EAG Antigua

    Após as cabras e ratos terem sumido oficialmente, o EAG decidiu esperar para analisar o que poderia reaparecer naturalmente antes de tomar alguma atitude. Felizmente, não precisaram fazer mais nada. Dentro de um ano, as populações de aves terrestres haviam aumentado dez vezes. Espécies endêmicas raras, como o lagarto da espécie Pholidoscelis atratus e o lagarto da espécie Anolis nubilus, também tiveram suas populações aumentadas. Até a própria cor da ilha mudou, de marrom para verde, quando as gramíneas e árvores nativas voltaram mais rápido do que se previa. Um estudo de 2012 contou 17 tipos diferentes de vegetação crescendo em Redonda; a contagem mais recente, de 2019, mostrou 88.

    Planos para o futuro

    Como em muitos projetos de preservação ambiental, não existe uma data de conclusão definida. Enquanto as visitações à Redonda forem escassas e infrequentes, o EAG continuará monitorando a ilha para garantir que o crescimento continue em ritmo acelerado e que ratos e outras espécies invasoras não reapareçam sem aviso. Enquanto isso, um plano para transformar Redonda e suas águas circundantes em uma reserva natural permanente está tramitando no governo de Antígua.

    De qualquer maneira, para o EAG, Redonda já é um marco em décadas de projeto de recuperação ambiental. A velocidade de recuperação da ilha demonstra não apenas que é eficaz, mas também que mesmo os lugares mais aparentemente inóspitos podem ser salvos. “Com uma ajudinha”, diz Challenger, “a natureza pode se recuperar”.

    Lawrence diz que espera que as pessoas ao redor do mundo admirem Redonda, mas também entendam e comemorem todo o trabalho que ocorre em um projeto de recuperação ambiental dessa magnitude e que não é visto. É fácil, acrescenta, ver as pessoas se maravilharem com a beleza de uma ilha. “Mas elas não sabem o trabalho necessário para mantê-la conservada.”

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