O gás natural é uma fonte de energia muito mais “suja” do que se acreditava

O carvão, o petróleo e o gás são responsáveis por um volume muito maior de metano atmosférico, um gás de aquecimento superpotente.

Por Alejandra Borunda
Publicado 4 de mar. de 2020, 07:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A emissão de gás metano ocorre por meio do solo de forma natural ou pela extração ...
A emissão de gás metano ocorre por meio do solo de forma natural ou pela extração de carvão, petróleo e gás. Novas pesquisas mostram que uma quantidade maior do que se acreditava do gás na atmosfera é proveniente da indústria de combustíveis fósseis.
Foto de Katie Orlinsky, Nat Geo Image Collection

No auge do verão da Groenlândia, em 2015, Benjamin Hmiel e sua equipe trabalhavam na perfuração do interior congelado do enorme manto de gelo, extraindo periodicamente pedaços de gelo cristalino do tamanho do motor de uma motocicleta. O gelo continha parte da resposta a uma pergunta que atormentou os cientistas por anos: qual parcela do metano existente na atmosfera, uma das fontes mais potentes de aquecimento global, é proveniente da indústria de petróleo e gás?

Anteriormente, acreditava-se que fontes geológicas como emanações vulcânicas e poços vulcânicos de lama cheios de gás emitiam cerca de 10% do metano que acaba na atmosfera todos os anos. Porém, novas pesquisas, publicadas na revista científica Nature, sugerem que fontes geológicas naturais compõem uma fração muito menor de metano na atmosfera atual. Contudo os pesquisadores afirmam que o metano existente na atmosfera provavelmente provém da indústria. Em conjunto, os resultados indicam que o impacto do metano oriundo da extração de combustíveis fósseis foi subestimado em até 40%.

É uma péssima notícia para as mudanças climáticas, mas também há um aspecto positivo, afirma Hmiel, autor principal do estudo e pesquisador da Universidade de Rochester. Péssima porque significa que a produção de petróleo e gás teve um impacto maior e mais complexo no orçamento de gases de efeito estufa do que o esperado pelos cientistas. Mas Hmiel considera o resultado animador quase pelo mesmo motivo: quanto mais emissões de metano puderem ser identificadas como relacionadas à atividade humana, como a extração de petróleo e gás, mais controle terão os legisladores, empresas e reguladores para encontrar uma solução.

“Se fizermos um gráfico de pizza correspondente ao total de metano na atmosfera, uma fatia é produto de ruminantes, outra, de pântanos. A fatia que havíamos atribuído ao metano geológico era grande demais”, explica Hmiel. “Assim, o que estamos afirmando é que a fatia atribuída aos combustíveis fósseis é maior do que pensávamos e podemos ter uma influência maior no tamanho dessa fatia porque é algo que podemos controlar”.

Moléculas retêm o calor

Um potente gás de efeito estufa, o átomo de carbono e os átomos de hidrogênio do metano estão dispostos em uma configuração que torna o gás excepcional na absorção de calor. Em uma escala de tempo de 20 anos, uma molécula de metano é aproximadamente 90 vezes mais eficaz em reter o calor na atmosfera do que uma molécula de dióxido de carbono, o gás de efeito estufa que afeta mais o aquecimento futuro da Terra em longo prazo.

As concentrações atmosféricas de metano aumentaram ao menos 150% desde a Revolução Industrial. Quanto mais metano houver no ar, devido a sua potência, mais difícil será impedir que as temperaturas do planeta disparem acima das metas climáticas globais.

O metano também é o protagonista de um mistério científico que persiste há décadas em todo o planeta: qual a origem exata de todo o metano extra que atualmente aquece a atmosfera? É proveniente de arrotos de vaca ou de arrozais? Emissões da produção de petróleo e gás? Borbulhas gasosas de lodo vulcânico ou emanações decorrentes do deslocamento de fendas na Terra?

Nas últimas décadas, com a intensificação dos pedidos para redução das emissões de dióxido de carbono e o barateamento das tecnologias de extração de gás natural, como o fracking ou fraturamento hidráulico, muitas usinas a carvão nos Estados Unidos e no exterior foram aposentadas. Nos EUA, mais de 500 usinas a carvão fecharam desde 2010. Em muitos casos, foram substituídas por usinas de gás natural (composto principalmente por gás metano), que agora atendem a quase 40% da demanda de energia dos EUA.

O metano queima com mais eficiência do que o carvão, o que faz dele uma opção melhor do que o carvão em termos de custo de carbono e poluição atmosférica. Ele também permanece na atmosfera por muito menos tempo do que o CO2 — uma média de nove anos, em comparação com as centenas de anos do CO2.

Por causa de suas características, o gás natural tem sido frequentemente apregoado como um “combustível-ponte” para ajudar a suavizar a transição para um futuro com energias neutras em carbono. As usinas de gás natural atendem às demandas atuais de energia enquanto são desenvolvidas tecnologias renováveis ou com carbono negativo.

“O gás é um combustível-ponte ou permanecerá por muito tempo?”, questiona Sheila Olmstead, economista ambiental da Universidade do Texas em Austin. “O mercado está nos dizendo que provavelmente permanecerá por muito tempo.”

No entanto, o custo climático do gás natural se baseou em uma premissa básica: existem menos emissões totais de carbono provenientes do gás natural do que de outras fontes. Mas, nos últimos anos, uma infinidade de estudos científicos colocou essa premissa em xeque, principalmente em vista da quantidade de gás perdida durante o processo de produção.

Se houver poucos vazamentos ou perdas ao longo do processo (uma fração percentual do total de gás recuperado), há uma equiparação nos números ou até mesmo uma vantagem. Mas se essa “taxa de vazamento” ultrapassar 1% do total de gás recuperado, o orçamento fica indistinto, afirma Robert Howarth, cientista climático de Cornell.

Um estudo recente descobriu que a “taxa de vazamento” de gás amplamente empregada no processo de produção de gás natural nos EUA pode ser superior a 2%. Outros estudos, que analisaram “superemissores” específicos nas principais regiões de perfuração dos EUA, constataram ainda mais vazamentos.

“Em vista das pesquisas dos últimos anos, eu diria que toda a argumentação de que o metano seria um combustível-ponte perdeu o sentido”, conta Howarth. “Mas se houvesse um recuo e admitíssemos que de fato precisamos de gás natural por um tempo, o cálculo dependeria do ponto de equilíbrio do metano. E não sabemos ao certo se estamos perto desse equilíbrio.”

É fundamental eliminar progressivamente as emissões de CO2, salienta Jessika Trancik, especialista em energia do MIT, pois são essas emissões que estão provocando de fato o aquecimento do planeta em longo prazo. Entretanto, para cumprir as metas climáticas que o mundo tem tanta dificuldade para alcançar neste momento (impedir que a temperatura atmosférica ultrapasse a meta de temperatura de 2oC do Acordo de Paris de 2015), também é fundamental impedir o vazamento de qualquer metano a mais na atmosfera.

“É impossível atingir essas metas climáticas com o metano compondo a mistura”, afirma Lena Höglund Isaksson, especialista em gases de efeito estufa do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados da Áustria.

O gelo detém algumas respostas

É incrivelmente difícil descobrir a quantidade de metano na atmosfera decorrente de atividades humanas, como a perfuração ou queima de petróleo e gás, a quantidade proveniente de outras fontes influenciadas pelo homem, como a agricultura, e quanto provém de fontes naturais, como emanações vulcânicas.

Sua origem determina o que podemos fazer a respeito. Se sua origem estiver no petróleo e no gás, seria possível corrigir os sistemas para produzir menos metano. Se forem os vulcões, não há muito a fazer para controlar as emissões.

“É como uma investigação policial”, afirma Höglund Isaksson.

No passado, os cientistas fizeram estimativas de quanto do chamado metano natural é proveniente de fontes geológicas, em uma trilha até emanações vulcânicas ou poços vulcânicos de lama em que efetuaram medições minuciosas de suas emissões. Então os cientistas extrapolaram a escala dessas observações para chegar a uma estimativa para todo o planeta. Empregando essa estratégia, a maioria das estimativas coloca a contribuição anual do metano de origem geológica natural em cerca de 50 teragramas por ano, cerca de 10% do total anual das emissões de metano. Estimativas recentes colocam a contribuição anual total do metano oriundo da aquisição e queima de combustíveis fósseis em pouco menos de 200 teragramas.

A equipe de Hmiel suspeitava que as fontes geológicas pudessem ser ainda menores — e havia um local para testar essa suspeita: o amplo e plano manto de gelo da Groenlândia. O gelo dessa região, enterrado mais de 100 metros abaixo da superfície, era anterior ao início da Revolução Industrial na década de 1800 e, portanto, continha metano pré-industrial aprisionado dentro de pequenas bolhas de ar em sua estrutura congelada.

Foram escavados mais de 900 quilogramas de gelo. Em seguida, foi feita uma sucção do ar que continha metano no interior das bolhas presas no gelo.

O metano de fontes geológicas naturais apresenta uma composição química discretamente distinta do metano de outras fontes, como pântanos. O metano extraído do gelo com 250 anos continha apenas vestígios de uma pequena quantidade de metano geológico. E como as amostras eram anteriores ao início da Revolução Industrial e ao aumento simultâneo de metano advindo do carvão e do petróleo, não havia vestígios de metano proveniente de combustíveis fósseis.

Por outro lado, as amostras posteriores ao início da Revolução Industrial apresentaram um aspecto característico indicativo de combustíveis fósseis.

Mas a principal descoberta foi a quantidade irrisória de metano proveniente de fontes geológicas no gelo: o equivalente a no máximo cerca de cinco teragramas de metano eram liberados na atmosfera por ano naquela época anterior aos combustíveis fósseis. É improvável que a geologia tenha mudado em tão pouco tempo, portanto, segundo Hmiel, essa estimativa também é bastante representativa para a contribuição atual das fontes geológicas.

Basicamente, essa contribuição é 10 vezes menor que outras estimativas — como as empregadas pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA e pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas — utilizadas para fazer avaliações científicas e tomar decisões políticas.

De modo geral, os cientistas sabem há muito tempo quanto metano existe exatamente na atmosfera. Esse número não mudou: ainda há um acúmulo de cerca de 570 teragramas de metano na atmosfera a cada ano. Contudo, se as fontes geológicas naturais são responsáveis por bem menos do que se acreditava, alguma outra fonte deve estar compensando a diferença. A equipe ainda conseguiu demonstrar que a fonte mais provável são as operações de petróleo e gás.

Se as operações de petróleo e gás tiveram uma participação muito maior nas emissões de metano do que se sabia, concluiu Hmiel, isso também implica que podem eliminar essas emissões — reduzindo a quantidade de gás utilizada e eliminando vazamentos, explosões e outros desperdícios de gás do processo.

“As concessionárias de energia que atualmente estão escolhendo entre a energia eólica, solar ou do gás natural devem entender que, se optarem pelo gás, essa usina permanecerá por décadas”, afirma Olmstead.

“As repercussões perdurarão muito além do previsto. Diante disso, mudaremos as decisões que tomamos hoje? Ou sentiremos os efeitos das emissões de metano daqui a 10, 20, 30, 40 anos?”

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