Pesquisadores brasileiros testam nova técnica para vacina contra coronavírus

Segundo Jorge Kalil, coordenador da iniciativa, medicamento deve demorar no mínimo um ano para ficar pronto. Medidas mais importantes a serem tomadas agora são as não farmacológicas, como distanciamento social e higienização.

Por João Paulo Vicente
Publicado 18 de mar. de 2020, 07:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Partículas do vírus SARS-CoV-2 em microfotografia em cores realçadas produzida por microscópio eletrônico são vistas emergindo ...
Partículas do vírus SARS-CoV-2 em microfotografia em cores realçadas produzida por microscópio eletrônico são vistas emergindo de células cultivadas em laboratório.
Foto de National Institute of Allergy and Infectious Diseases

Enquanto os brasileiros se acostumam com a ideia de que talvez não haja alternativa a não ser recolher-se dentro de casa frente à pandemia do coronavírus, um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) trabalha numa pesquisa promissora para desenvolver uma vacina contra o vírus Sars-CoV-2, nome oficial do causador da doença. Para isso, apostam num método distinto do seguido por outras instituições com o mesmo objetivo.

A ideia dos pesquisadores do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) é criar uma candidata à vacina por meio de uma técnica conhecida como Virus Like Particle (VLP), em português: partícula semelhante ao vírus. Essa abordagem, justificam, resultaria em um produto mais seguro e imunogênico, ou seja, uma resposta imune muito forte nas pessoas que utilizarem a vacina.

“Nós achamos que dessa forma vamos ter uma vacina muito eficaz, muito segura e que não vai ser cara de produzir”, diz Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia e coordenador da pesquisa, em entrevista por telefone.

Em contrapartida, outras iniciativas de pesquisas com vacinas que ajudariam a prevenir o Covid-19 – este, por sua vez, o nome oficial da doença causada pelo vírus – são baseadas em mRNA. É o caso da primeira vacina experimental contra o vírus, anunciada no mês passado nos Estados Unidos.

O mRNA são moléculas sintéticas de RNA mensageiros que, quando decodificados pelo organismo, resultam na produção de uma proteína semelhante a encontrada em um determinado vírus. A partir daí, o indivíduo infectado vai criar uma resposta imunológica contra essa proteína estranha e, com isso, produzir anticorpos contra o vírus.

“Nós podemos produzir vacinas de diversas formas. Podemos propô-las com o vírus inativado, com o vírus inativado e fragmentado, caso do influenza, podemos atenuar o vírus, caso do sarampo, pode ter apenas uma proteína importante para desencadear a resposta imunológica para a inativação do vírus, como a hepatite B, há várias outras formas”, explica Kalil. “Têm se achado muito promissor ultimamente vacinas de mRNA, existe um investimento nesse sentido porque elas não trariam riscos.”

Kalil ressalta, no entanto, que hoje não há nenhuma vacina baseada em mRNA em uso. A tecnologia da VLP, por outro lado, está por trás das vacinas contra as diversas variedades de papilomavírus – a HPV.

“Achamos nossa proposta melhor porque além de também não ter riscos, ela é muito imunogênica, desencadeia uma resposta imune muito forte por ser parecida com o vírus”, continua o coordenador do projeto. Segundo Kalil, uma vacina VLP contém uma partícula que com formato tridimensional idêntico ao de um vírus. No entanto, isso diz respeito apenas à casca, não há material genético para que um vírus como o Sars-CoV-2, no caso, se multiplique no organismo.

Além disso, também há um trabalho de identificar pedacinhos do coronavírus importantes na indução de anticorpos neutralizantes – uma tarefa para a qual é fundamental que o genoma do vírus já tenha sido sequenciado. A partir daí, fragmentos dessas proteínas são sintetizados e colocados junto às VLPs.

Quando o sistema imune tem contato com essa substância, reage como se fossem proteínas do vírus e produz o anticorpo neutralizante. E todos os ingredientes da vacina – tanto a estrutura semelhante ao vírus quanto os fragmentos de proteínas -, ressalta Kalil, são sintetizados no próprio Laboratório de Imunologia do Incor.

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    Por lá, o trabalho com o Covid-19 começou há cerca de duas semanas. Prestes a iniciar nos próximos meses testes clínicos com uma vacina contra o Streptococcus pyogenes, vírus causador da febre reumática, Kalil convidou o pesquisador Gustavo Cabral para se juntar ao time do Laboratório.

    Nos últimos cinco anos, Gustavo estudou aplicações de vacinas desenvolvidas a partir de VLP em pós-doutorados em Oxford, na Inglaterra, e Berna, na Suíça. Com o convite, a ideia é que ele ajudasse a criar uma segunda geração de vacinas mais eficientes contra o Streptococcus pyogenes a partir dessa abordagem.

    Mas no meio do caminho tinha um coronavírus. “Como surgiu o coronavírus, nós achamos importante participar desse esforço mundial e trabalhar nisso”, diz Kalil, que já sente na pele os efeitos da pandemia. O pesquisador conta que ao seu redor há dez pessoas que testaram positivo para a doença. Entra elas, seu filho e nora. Por isso, mesmo sem apresentar nenhum tipo de sintoma, Kalil e a esposa adotaram um isolamento autoimposto, segundo reportagem da BBC Brasil.

    Na opinião dele, muita gente não tem levado a série a recomendação de evitar aglomerações e contato físico. “As pessoas no Brasil não seguem as determinações. No dia 15 teve as manifestações que juntaram milhares de pessoas. Na inauguração da CNN havia muito políticos, ninguém dá a mínima”, afirma. “Isso vai fazer o vírus se propagar rapidamente e vai dar sobrecarga no sistema hospitalar brasileiro, aí vai ser muito difícil segurar.”

    Neste momento, mesmo com uma vacina como exemplo da força da ciência brasileira, ela não seria de grande ajuda. No melhor cenário, uma vacina contra o Covid-19 só estará disponível para o público em “um ano ou um ano e meio”.

    “A gente está fazendo a vacina porque se conseguir conter o vírus e ele aparecer de novo daqui a um ou dois anos, teremos como controlar”, explica. “Agora não existe nada, não existe remédio, nem vacina. O que pode fazer é tratar os sintomas e dar condições para os indivíduos passar essa crise, essa infecção.”

    Num cenário como esse, a melhor medida é evitar que o número de contaminados aumente com medidas não farmacológicas como distanciamento social e lavagem constante das mãos. Há 20 anos coordenando o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Investigação em Imunologia, Jorge Kalil sabe que é preciso dar o exemplo.

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