Encontrada na Austrália mais antiga evidência de movimentação de placas tectônicas

As placas tectônicas esculpiram a superfície terrestre e podem ter criado condições propícias para o surgimento da vida. Novo estudo oferece indícios sobre como essa movimentação planetária começou.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 28 de abr. de 2020, 07:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Esta ilustração mostra como seria a aparência de um corte transversal da Terra há mais de ...

Esta ilustração mostra como seria a aparência de um corte transversal da Terra há mais de três bilhões de anos. É muito debatida a existência ou não da tectônica de placas durante esse período e um novo estudo aprofunda o debate diante das primeiras evidências diretas encontradas da movimentação de placas.

Image by Alec Brenner, Harvard University

Na paisagem desolada do oeste da Austrália, um afloramento rochoso formado há mais de três bilhões de anos está oferecendo aos geólogos uma perspectiva sem precedentes das primeiras movimentações do nosso planeta. Essas rochas — dentre as mais antigas do mundo — contêm o que podem ser as evidências diretas mais antigas da movimentação das placas tectônicas.

As rochas se formaram pelo transbordamento do magma a partir da subsuperfície da Terra em um oceano agora desaparecido, que posteriormente esfriou e endureceu, se transformando em uma massa bulbosa. Conforme detalhado em um novo estudo publicado na revista científica Science Advances, assinaturas magnéticas preservadas na rocha sugerem que a região se deslocava pelo planeta há 3,2 bilhões de anos a velocidades semelhantes às das atuais placas tectônicas — quase meio bilhão de anos antes das evidências anteriores dessa movimentação.

“É quase uma prova definitiva”, afirma Annie Bauer, geoquímica da Universidade de Wisconsin-Madison, que não participou do novo estudo. “Essa é a evidência mais importante que se pode obter (das primeiras movimentações das placas).”

Atualmente, as placas tectônicas da Terra se deslocam e migram incessantemente — um processo que forma montanhas, esculpe bacias e provoca erupções vulcânicas. Essas movimentações esculpiram uma variedade de nichos ecológicos, como fontes hidrotermais no fundo do mar e reservatórios de água fervente na superfície: a espécie de ambientes onde se acredita que a vida tenha se originado.

“Ao juntar as peças para desvendar a história das placas tectônicas, estamos contribuindo para desvendar nossa própria história original”, afirma Alec Brenner, principal autor do estudo e doutorando da Universidade de Harvard.

Em busca de pedras antigas

Nosso planeta se fundiu em uma nuvem giratória de gás e poeira há cerca de 4,5 bilhões de anos e, inicialmente, o calor era causticante. Oceanos de rocha derretida cintilavam na superfície e vulcões provavelmente lançavam lava no ar. Mas logo a Terra começou a esfriar e, durante dezenas de milhões de anos, a superfície endureceu formando uma crosta.

Os cientistas acreditam que essa crosta inicial tenha sido uma calota única que recobria o planeta, muito semelhante à superfície atual de Marte. Em algum momento (as estimativas variam entre cerca de quatro bilhões e um bilhão de anos atrás), essa calota se partiu em um quebra-cabeça global formado por pedaços da crosta que colidiram uns com os outros, empurrando rochas para baixo do manto ou para o alto. Assim nasceu a tectônica de placas.

Mas pouco se sabe sobre como e quando essa transição ocorreu. A tectônica de placas recicla continuamente as rochas da Terra, derretendo a crosta e levando lava fresca à superfície, o que apaga os resquícios do passado distante. “Basicamente, a primeira metade da história da Terra é representada hoje por apenas 5% das rochas existentes na superfície”, afirma Brenner.

Muitos estudos sobre a tectônica de placas primitiva entendem as movimentações por meio da identificação de indícios químicos, como a composição de minerais antigos que apontam para sua formação dentro de zonas de subducção — os locais onde uma placa tectônica afunda abaixo da outra. Contudo, para mapear a movimentação das placas, os cientistas precisam recorrer a outras medidas, como as assinaturas magnéticas preservadas das rochas.

Em 2016, Roger Fu, paleomagnetista que viria a ser o futuro orientador de Brenner em Harvard, começou a examinar mapas da Austrália em busca de rochas antigas, onde poderia utilizar essas impressões magnéticas para medir diretamente os primeiros deslocamentos da crosta terrestre. Fu e um colega acabaram se concentrando em um local: o basalto de Honeyeater, na Austrália Ocidental. No verão de 2017, Brenner e Fu se aventuraram pelo interior da Austrália em busca das rochas de 3,2 bilhões de anos.

Perfuraram cerca de cem núcleos de rocha de vários pontos do afloramento, observando a posição e direção de cada um e combinando-os com mais de cem amostras coletadas anteriormente. De volta ao laboratório, analisaram as assinaturas magnéticas de cada amostra, codificadas na forma de minerais ricos em ferro que se orientam como pequenas agulhas de bússolas ao se cristalizar.

Depois de considerar as mudanças na posição da rocha desde sua formação — um processo conhecido como ensaio de dobramento — todas as agulhas da bússola se alinharam, sugerindo que representavam a verdadeira assinatura magnética antiga da rocha. “Talvez exista algum fator em ação aqui”, Fu recorda-se de ter pensado.

Origens tectônicas

A equipe comparou a posição calculada do basalto de Honeyeater com um afloramento de rocha analisado anteriormente nas proximidades, que era um pouco mais antigo e possuía uma assinatura magnética anterior. A análise revelou que a crosta se deslocava cerca de 2,5 centímetros por ano e se formava pelos efeitos do tempo.

Essa taxa “seria totalmente compatível com o ambiente tectônico existente na Terra atualmente”, afirma Brenner.

A movimentação pode ter ocorrido enquanto a Terra ainda estava coberta por uma única camada de crosta, embora a velocidade seja mais rápida do que seria esperado se fosse esse o caso. A descoberta sugere que, pouco mais de um bilhão de anos após a formação do nosso planeta, a tectônica de placas já poderia estar acentuando.

No entanto as evidências desse local não significam necessariamente que as placas estivessem se movimentando em todo o mundo, afirma Brenner. A tectônica de placas provavelmente foi irregular no início, ocorrendo a ruptura e movimentação da crosta em algumas regiões antes do que em outras.

“Pode ter sido um processo fragmentado”, afirma Bauer, que publicou recentemente um estudo que demonstrou o início desigual das primeiras movimentações das placas.

O mecanismo responsável por essa primeira movimentação também não está claro, afirma John Geissman, paleomagnetista da Universidade do Texas em Dallas, que não participou do novo estudo. Uma importante força responsável pelas atuais movimentações das placas é o arrasto de placas rochosas à medida que afundam sob o manto em zonas de subducção. Mas poderiam existir outros processos há bilhões de anos, como o aumento de colunas de magma, as quais afastam as rochas na superfície.

Se essas primeiras movimentações de 3,2 bilhões de anos atrás foram de fato as precursoras da tectônica de placas, indicariam um início incrivelmente precoce da rotação geológica da Terra, que foi um elemento crucial para a evolução da vida como a conhecemos. A tectônica de placas atua como um termostato planetário, em um ciclo que transfere gases de efeito estufa das profundezas da Terra à atmosfera; que provoca erupções vulcânicas e traz novos nutrientes do subterrâneo à superfície. Pode até ter desempenhado um papel importante na transferência de oxigênio aos céus.

A compreensão das origens da tectônica de placas “pode ajudar a determinar quando ocorreram fenômenos cruciais para o desenvolvimento da vida neste planeta”, afirma Val Finlayson, geoquímica da Universidade de Maryland, que não participou do estudo.

Para tanto, os cientistas continuam a exploração da superfície terrestre em busca de mais sinais de movimentação antiga. Brenner afirma: “Aliás, neste exato momento, estamos analisando dados de outro corpo rochoso”.

 

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