Spinosaurus faz história como primeiro caso conhecido de dinossauro que nadava

Uma cauda recém-descoberta do predador pré-histórico de 16 metros de comprimento amplia nosso entendimento sobre como – e onde – os dinossauros viviam.

Por Michael Greshko
fotos de Paolo Verzone
Publicado 29 de abr. de 2020, 12:06 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
ilustração espinossauros

Dois Spinosaurus aegyptiacus caçam o pré-histórico peixe-serra Onchopristis nas águas de uma bacia hídrica hoje encoberta na região do Marrocos há 97 milhões de anos. Fósseis da cauda recém-descobertos mostram que o dinossauro era preparado para nadar – reforçando a ideia de que os Spinosaurus passavam boa parte do tempo na água.

Foto de Ilustração de Jason Treat, NG Staff e Mesa Schumacher. Arte por Davide Bonadonna. Fonte: Nizar Ibrahim, Universidade de Detroit Mercy

CASABLANCA, Marrocos | No fim de um corredor escuro na Université Hassan II de Casablanca, entrei em uma sala empoeirada contendo um conjunto notável de fósseis — ossos que levantam questões fundamentais sobre o Spinosaurus aegyptiacus, um dos dinossauros mais peculiares já descobertos.

Maior que um Tyrannosaurus rex, o predador de 16 metros de comprimento e 7 toneladas tinha uma enorme vela nas costas e uma narina alongada que parecia a boca de um crocodilo, cheia de dentes cônicos. Por décadas, reconstruções de seu volumoso corpo mostravam uma cauda longa que se afinava até a ponta e que se assemelhava às de muitos dos seus primos terópodes.

Os restos mortais vermelho-amarronzados na minha frente formavam uma cauda quase completa, a primeira já encontrada de um Spinosaurus. É tão grande que são necessárias cinco mesas para suportar todo o seu comprimento e, para minha surpresa, a estrutura se assemelha a um remo gigante, só que feito de ossos.

Pás e picaretas ajudam a equipe de pesquisadores escavar o sítio arqueológico Zrigat, no Marrocos, onde o paleontólogo Nizar Ibrahim e seus colegas procuram pelas partes de um esqueleto de Spinosaurus.

Foto de Paolo Verzone, National Geographic

Descrita hoje na revista científica Nature, a cauda é a adaptação aquática mais extrema já vista em um dinossauro de grande porte. Sua descoberta no Marrocos nos proporciona mais informações sobre como viveu e prosperou um dos grupos de animais terrestres mais dominantes do planeta.

Estruturas delicadas, com quase 60 cm de comprimento, projetam-se de várias vértebras que compõem a cauda, dando-lhe a aparência de um remo. Na parte final da cauda, as protuberâncias ósseas que ajudam no encaixe das vértebras adjacentes praticamente desaparecem, permitindo que a ponta da cauda ganhe um formato ondulado, de forma a impulsionar o animal na água. A adaptação provavelmente o ajudou a percorrer o vasto ecossistema fluvial que chamava de lar — ou até mesmo a perseguir os enormes peixes que provavelmente caçava.

“Este era basicamente um dinossauro tentando desenvolver um rabo de peixe”, diz o Explorador da National Geographic Nizar Ibrahim, pesquisador principal do estudo do fóssil.

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    Samir Zouhri, paleontólogo da Universidade Hassan II, Casablanca, explora um sítio próximoa Sidi Ali, no Marrocos, em busca de mais fósseis da época do Spinosaurus.

    Foto de Paolo Verzone, National Geographic

    A estrutura dos ossos – junto com uma moderna simulação robótica do movimento da cauda – forneceram evidências novas e convincentes para sustentar um antigo argumento entre paleontólogos: quanto tempo o Spinosaurus realmente passou nadando e, por consequência, quão perto os grandes dinossauros predadores chegaram de uma vida na água? Em 2014, pesquisadores liderados por Ibrahim argumentaram que o predador foi o primeiro dinossauro semiaquático confirmado, uma hipótese que gerou reação de colegas que questionaram se o fóssil que a equipe de Ibrahim estava estudando era realmente um Spinosaurus ou até mesmo um único indivíduo.

    Na época do Spinosaurus – entre 95 e 100 milhões, no período Cretáceo –, diversos grupos de répteis haviam evoluído para viver em ambientes marinhos, como os ictiossauros, semelhantes a golfinhos, e os plessiossauros de pescoço longo. Mas esses monstros marinhos da era dos dinossauros fazem parte de um ramo diferente da árvore genealógica dos répteis, enquanto se acredita há tempos que os verdadeiros dinossauros, como o Spinosaurus, eram habitantes da terra firme.

    Agora, com evidências obtidas da cauda analisada recentemente, há um forte argumento de que o Spinosaurus não apenas frequentava a costa, como também era capaz de realizar movimentos aquáticos completos. Coletivamente, as descobertas publicadas hoje sugerem que o gigante Spinosaurus passou muito tempo debaixo d’água, talvez caçando presas como um enorme crocodilo. “Esta cauda não deixa dúvidas”, diz Samir Zouhri, membro da equipe e paleontólogo da Université Hassan II. “Esse dinossauro nadava.”

    Os membros da equipe Simone Maganuco, Nizar Ibrahim e Cristiano Dal Sasso examinam uma das vértebras da cauda do Spinosaurus. "Estudar o fóssil de um animal é, para mim, um tipo de criação", diz Dal Sasso, paleontólogo do Museu de História Natural de Milão, na Itália. "Você precisa ressuscitar um animal a partir de fragmentos."

    Foto de Paolo Verzone, National Geographic

    Longos espinhos de ossos protuberam da vértebra da cauda do Spinosaurus. Em vida, as protuberâncias aumentavam a área de superfície da cauda, ajudando a deixá-la com formato de remo.

    Foto de Paolo Verzone, National Geographic

    Outros cientistas que avaliaram o novo estudo concordam que a cauda elimina algumas dúvidas persistentes e fortalece o caso de um Spinosaurus semiaquático.

    “Isso certamente é uma surpresa”, diz o paleontólogo da Universidade de Maryland Tom Holtz, que não participou do estudo. “O Spinosaurus é ainda mais peculiar do que pensávamos.”

    Ossos e bombas

    A história do Spinosaurus é quase tão incomum quanto a cauda recém-descoberta, uma aventura que inclui museus alemães bombardeados e arenito do Saara marroquino que parece vindo de Marte.

    Os restos desse estranho animal surgiram das profundezas do tempo há mais de um século graças ao paleontólogo e aristocrata bávaro Ernst Freiherr Stromer von Reichenbach. De 1910 a 1914, Stromer organizou uma série de expedições ao Egito que renderam a descoberta de dezenas de fósseis, incluindo fragmentos do que mais tarde ele chamaria de Spinosaurus aegyptiacus. Em sua primeira descrição publicada, Stromer teve dificuldade para explicar a anatomia da criatura, especulando que sua estranheza “remetia a uma certa especialização”. Ele imaginou o animal em pé sobre os membros posteriores como um T. rex desproporcional, com as costas longas repletas de espinhos. Os fósseis expostos no Museu de Paleontologia de Munique evidenciaram a reputação de Stromer.

    Com muito cuidado, o paleontólogo Cristiano Dal Sasso segura a quarta vértebra desde a base da cauda do Spinosaurus, uma das mais completas que a equipe conseguiu recuperar.

    Foto de Paolo Verzone, National Geographic

    Durante a Segunda Guerra Mundial, o bombardeio dos Aliados levou Stromer – um crítico do regime nazista – a implorar ao diretor do museu que removesse os fósseis para um local seguro. O diretor nazista se recusou a fazê-lo e o bombardeio destruiu os fósseis em 1944. Desenhos, fotos e descrições em artigos publicados eram tudo o que restava para provar que os fósseis de Spinosaurus descobertos por Stromer realmente haviam existido.

    Nas décadas seguintes, o Spinosaurus ficou conhecido como um mito enquanto gerações de paleontólogos foram descobrindo seus parentes próximos em todo o mundo, do Brasil à Tailândia, e tentando entender como eles viviam. Desenterrados em quatro continentes diferentes, esses outros espinossaurídeos provavelmente se alimentavam de peixes. As evidências eram a anatomia do crânio, a estrutura dentária e, em um caso, escamas de peixes preservadas encontradas em uma caixa toráxica.

    No início do século 20, os paleontólogos começaram a pensar em dinossauros aquáticos, incluindo uma ideia de que grandes dinossauros herbívoros viviam em lagoas para ajudar a suportar o imenso peso. Mas décadas de pesquisa anatômica mostram agora que dinossauros de todas as formas e tamanhos, até mesmo os titãs entre eles, viviam em terra firme. A anatomia dos membros posteriores de outros espinossaurídeos sugeria fortemente que eles também andavam sobre a terra.

    Sem um novo esqueleto completo do Spinosaurus para análise, a espécie parecia fadada a permanecer desconhecida.

    Animação em 3D mostra o comportamento do Spinosaurus embaixo d'água
    Com cauda em formato de remo, um Spinosaurus aegyptiacus passeia por um rio cerca de 97 milhões de atrás no atual Marrocos. Fósseis recém-encontrados revelam que a cauda do animal era adaptada para o nado – fortalecendo a ideia de que o Spinosaurus passava boa parte da vida na água. (Modelagem: Davide Bonadonna e Fabio Manucci; animação e texturas: Fabio Manucci; cores: Davide Bonadonna, Supervisores científicos da Di.Ma. Dino Makers: Simone Maganuco e Marco Auditore; reconstrução baseada em: Nizar Ibrahim and others, Nature, 2020.)

    Quando Stromer tentou reconstruir o Spinosaurus nos anos 1930, ele preencheu as informações desconhecidas com características de outros terópodes, o que o conferia uma postura hoje desatualizada. Desde 2014, uma equipe liderada por Nizar Ibrahim argumenta que o Spinosaurus era um predador semi-aquático, uma ideia que a nova cauda ajuda a fortalecer.

    Foto de Ilustração de Jason Treat, NGM Staff; Mesa Schumacher

    Achados e perdidos

    Esclarecimentos viriam décadas depois do sudeste do Marrocos, onde milhares de garimpeiros artesanais vasculhavam as rochas da região e encontraram fósseis que fazem parte de centenas de milhões de anos da história da Terra. Na esperança de encontrar restos de dinossauros, alguns escavadores se concentraram nas camadas Kem Kem, uma formação de arenito com 95 a 100 milhões de anos de idade que começa 320 quilômetros a leste de Marraquexe e se estende por 241 a sudoeste. As rochas preservam traços do que antes era um vasto sistema fluvial, onde peixes do tamanho de carros nadavam. Se você encontrar um trecho exposto de arenito vermelho nas camadas Kem Kem na lateral de uma colina, é provável que se encontre a entrada de um túnel baixo, esculpido por garimpeiros locais com um pedaço de vergalhão afiado.

    Quando os garimpeiros se deparam com fósseis, geralmente vendem os ossos para uma rede de atacadistas e exportadores. Esse setor de mineração fóssil fornece renda vital a milhares de pessoas nessa região, embora a legalidade e ética da operação não possam ser comprovadas. Os habitantes locais cavam o ano todo, o que aumenta muito as chances de encontrarem espécimes cientificamente mais valiosos do que os paleontólogos acadêmicos, que realizam atividades de escavação apenas durante algumas semanas por ano.

    É por isso que os paleontólogos passam a conhecer os escavadores locais e frequentemente verificam o que eles encontram. Professor assistente da Universidade de Detroit Mercy, Ibrahim, de ascendência alemã e marroquina, viaja de vilarejo em vilarejo sempre que visita o Marrocos, discutindo as últimas descobertas locais em darija, dialeto árabe local, enquanto aprecia um copo de chá de hortelã fresca.

    De pé ao lado de uma antena de TV por satélite, um colecionador de fósseis mostra algumas de suas descobertas em sua casa próxima a Taouz, no Marrocos. Isolados, os ossos oferecem uma amostra da biodiversidade do ecossistema Kem Kem, onde viviam os Spinosaurus.

    Foto de Paolo Verzone, National Geographic

    Caixas de papelão usadas para comida guardam fósseis na frente de uma casa próxima a Taouz, Marrocos. Visitantes, pesquisadores ou outros potenciais compradores que passam examinam os ossos.

    Foto de Paolo Verzone, National Geographic

    Em uma dessas visitas a um vilarejo nos arredores da cidade de Erfoud, em 2008, Ibrahim – na época especialista nas camadas Kem Kem – conheceu um homem que havia encontrado ossos que os cientistas perceberam mais tarde que poderiam pertencer a um Spinosaurus. O encontro também pode ter sido obra do destino. Ibrahim amava o Spinosaurus desde que era garoto, época em que morava em Berlim.

    Parceiros de pesquisa de Ibrahim no Museu de História Natural de Milão o alertaram que o mesmo garimpeiro local tinha mais ossos na Itália – ele assegurou o retorno dos fósseis ao Marrocos. Uma segunda viagem de Ibrahim, Zouhri e alguns de seus colegas em 2013 finalmente levou a equipe ao afloramento de Kem Kem, local de origem dos fósseis, e eles começaram a encontrar mais fragmentos de ossos. 

    Ibrahim utilizou os fósseis recém-descobertos, ossos encontrados anteriormente e os artigos de Stromer para tentar uma nova reconstrução do Spinosaurus. Seu trabalho, publicado no periódico Science em 2014, declarou que os fósseis marroquinos representavam um substituto dos fósseis originais egípcios destruídos nos bombardeios da Segunda Guerra Mundial. Sua reconstrução revelou que a criatura tinha mais de 15 metros de comprimento na fase adulta, mais que um T. rex totalmente desenvolvido.

    O estudo também argumentou que o Spinosaurus tinha um tronco esbelto, membros traseiros atarracados, um crânio em forma de crocodilo que se alimenta de peixes e ossos de paredes espessas semelhantes aos de pinguins e peixes-boi – características que apontavam para um estilo de vida semiaquático.

    Samir Zouhri examina um dente de Spinosaurus na casa de um aldeão em Taouz, Marrocos. Paleontólogos na região construíram relações com os locais para ter certeza que fósseis com valor científico sejam encaminhados para um fundo público.

    Foto de Paolo Verzone, National Geographic

    O estudo deixou os paleontólogos divididos. Alguns reagiram positivamente, convencidos pelos novos dados sobre os ossos de paredes espessas do Spinosaurus. “Isso era realmente o que faltava para mim”, diz Lindsay Zanno, paleontóloga do Museu de Ciências Naturais da Carolina do Norte, dos EUA, que não fez parte da equipe de pesquisa de Ibrahim. “Os ossos têm memória”, acrescenta ela, observando que a microestrutura óssea é diferente em animais terrestres, animais voadores ou animais que passam a maior parte do tempo na água.

    Para outros paleontólogos, no entanto, as evidências apresentadas em 2014 não justificavam um Spinosaurus capaz de nadar ativamente. Esses pesquisadores acreditavam que, no mínimo, o Spinosaurus, assim como outros espinossaurídeos, se alimentavam de peixes que capturavam ao entrar em águas rasas, como fazem os ursos-pardos e as garças. Mas, com base nos restos mortais incompletos encontrados no Marrocos, poderiam agora os pesquisadores afirmar que o predador pré-histórico fazia mais do que seus parentes e nadava rapidamente atrás de presas na água? Se sim, como ele se movia na água?

    Outros ainda duvidavam que os ossos encontrados no Marrocos pertenciam a um Spinosaurus. Ao passo que os recém-descobertos ossos marroquinos eram claramente da família dos espinossaurídeos, o número de espécies de espinossaurídeos no norte da África era, e ainda é, alvo de controvérsia científica. A anatomia do fóssil correspondia exatamente à criatura egípcia de Stromer que havia sido perdida? Ou pertencia a um parente próximo, mas diferente? “Ninguém tinha muita certeza de quantas espécies ou gêneros existem [no norte da África] e de onde estão no tempo e no espaço”, diz Dave Hone, paleontólogo da Universidade Queen Mary de Londres e especialista em espinossaurídeos.

    Na tentativa de solucionar a imbróglio, Ibrahim e seus colegas retornaram ao local no Marrocos, com o apoio da National Geographic Society, para verificar a existência de mais ossos em setembro de 2018. Era necessário correr contra o tempo: ele soube de contatos locais que escavadores comerciais de fósseis estavam abrindo túneis nas colinas próximas em busca de ossos. Ibrahim não podia correr o risco de deixar o restante do que ele acreditava ser o único esqueleto de Spinosaurus conhecido no mundo desaparecer em armários de colecionadores.

     

    Mohand Ihmadi, dono do Centro Trilobitas Ihmadi, em Alnif, Marrocos, prepara um dente de Spinosaurus para a venda. Por anos, Ihmadi tem salvado os fósseis mais raros que passam pela sua loja na esperança de encontrar um museu. "É importante preservar nosso passado", diz ele. "Se o perdemos, nunca mais o retomaremos."

    Foto de Paolo Verzone, National Geographic

    Bonança fóssil

    A escavação de 2018 começou brutalmente. Para limpar toneladas de arenito, a equipe comprou a única britadeira em funcionamento da região. Ela quebrou após alguns minutos de uso. Os dias eram tão cansativos que vários membros da equipe foram hospitalizados quando voltaram para casa. Mas a promessa da descoberta fez todos continuarem, além dos intervalos que faziam para comer um pouco de Nutella, o que os distraía temporariamente do difícil trabalho. Finalmente, eles começaram a encontrar vértebras caudais consecutivas do animal, às vezes apenas após alguns minutos e poucos centímetros de distância uma da outra. A equipe ficou tão empolgada com a bonança, que batia os martelos em forma de música, gritando: “Outra vértebra!” no ritmo da música The Final Countdown, da banda Europe.

    Eu pude experimentar um pouco dos desafios do local e da corrida das descobertas quando acompanhei a equipe em julho de 2019 durante uma expedição de retorno. O calor de 47°C e os ventos áridos arrancavam litros de água do meu corpo enquanto abríamos caminho por um afloramento repleto de veios brancos, como um pedaço de bacon. Espalhados ao longo do afloramento embaixo, os estudantes da Universidade Detroit Mercy, assistentes de Ibrahim, arrastavam pedras em baldes feitos com pneus reciclados e vasculhavam os destroços em busca até mesmo dos menores fragmentos de osso.

    No fim do dia seguinte, encontramos vários fósseis de Spinosaurus, incluindo ossos do pé e duas vértebras caudais delicadas que formariam a ponta da cauda do dinossauro. Quando o resultado de todo o trabalho foi finalmente exposto nas mesas do laboratório de Casablanca, no Marrocos, Ibrahim e seus colegas sabiam que tinham algo verdadeiramente importante.

    A estátua de Triceratops, espécie encontrada na América do Norte, enfeita a área em torno do museu de fósseis Tahiri, próximo a Rissani, Marrocos. Apesar de o Marrocos ter dinossauros nativos, eles são menos conhecidos que seus distantes parentes americanos.

    Foto de Paolo Verzone, National Geographic

    O museu de fósseis Tahiri, gerenciado por um comerciante de fósseis, abriga restos marroquinos e moldes de fósseis do mundo inteiro. Cerca de metade do espaço é reservado para uma loja de presentes, onde turistas podem comprar peças fatiadas de fósseis de dinossauro.

    Foto de Paolo Verzone, National Geographic

    Até o fim de 2018, a equipe de escavação havia descoberto mais de 30 vértebras caudais de Spinosaurus. É importante ressaltar que alguns dos ossos da cauda se correlacionam perfeitamente com ilustrações de vértebras da cauda de espinossaurídeos mais fragmentadas que Stromer publicou em 1934, reforçando a ideia de que uma espécie de espinossaurídeo vivia no norte da África, no período Cretáceo, e poderia ser encontrado do Marrocos ao Egito. Além disso, Ibrahim e sua equipe não encontraram nenhum osso duplicado no local de escavação – um sinal claro de que os fósseis pertencem a apenas um indivíduo, uma ocorrência extremamente incomum nos leitos dos rios agitados das camadas Kem Kem.

    Feito para a água

    Com a cauda quase completa em mãos, Ibrahim e seus colegas ficaram mais confiantes de que o Spinosaurus era um nadador – uma afirmação para a qual começaram a buscar comprovação em laboratório.

    Em fevereiro de 2019, Ibrahim entrou em contato com Stephanie Pierce, curadora de paleontologia de vertebrados no Museu de Zoologia Comparativa de Harvard, nos EUA, com uma pergunta: ela poderia ajudá-lo a testar o nível de propulsão que a cauda de um dinossauro gerava na água? Embora realizar modelagem digital do movimento dos animais fosse uma de suas especialidades, Pierce sabia que responder à pergunta exigia experimentos dinâmicos realizados no mundo real. Ela e seu colega George Lauder, biólogo de peixes, concordaram em se juntar à equipe.

    Quase seis meses após a dupla de Harvard ingressar na equipe de Ibrahim, visitei o laboratório de Lauder, uma sala tomada pelo barulho de ventiladores que tentavam resfriar computadores sobrecarregados. Lauder, sentado em uma bancada, pegou uma folha de plástico laranja – o contorno cortado a laser de uma cauda de Spinosaurus – e a prendeu a uma haste de metal. Ele então atravessou o laboratório até o que parecia ser um aquário cuidadosamente construído e instalou a cauda no interior de um emaranhado de vigas de metal penduradas no teto.

    Com novos ossos, chegam novos modelos: Guzun Ion – do estúdio de esculturas para museus DI.MA. Dino Makers, em Fossalta de Piave, na Itália – produz um molde para já com a nova cauda do Spinosaurus em tamanho real.

    Foto de Paolo Verzone, National Geographic

    O dispositivo é um robô chamado Flapper, que fica pendurado sob uma calha de água cuja velocidade de fluxo Lauder pode controlar com alta precisão. Com luzes, câmeras e sensores, a estrutura é capaz de rastrear com precisão os movimentos aquáticos de um animal nadador ou de um robô nadador – e as forças que exercem conforme se movem.

    Enquanto eu observava, Lauder baixou o Flapper na água, e a cauda de Spinosaurus, um modelo de plástico acoplado a ele, ganhou vida com um movimento destinado a imitar um jacaré nadador. A cada golpe, uma sombra atravessava a cauda – e os dados eram transmitidos para os computadores de Lauder. O Flapper registrou as forças exercidas pela cauda, refletindo o nível de propulsão que teria oferecido ao Spinosaurus na água.

    Os resultados de Pierce e Lauder, incluídos no artigo da revista científica Nature, mostram que a cauda do Spinosaurus oferece uma propulsão oito vezes maior na água do que as caudas dos terópodes não pertencentes à família dos espinossaurídeos, Coelophysis e Allosaurus – e o fazem com o dobro de eficiência. Coletivamente, as descobertas publicadas hoje sugerem que o gigante Spinosaurus passou muito tempo debaixo d’água, talvez caçando presas como um enorme crocodilo.

    Essa conclusão distingue o Spinosaurus de outros dinossauros amantes da água, descritos desde 2014, incluindo espécies que podem ter vivido como gansos ou tartarugas. Quanto mais Lauder fala sobre o remo na parte traseira de um predador com mais de 15 metros de comprimento, mais seus olhos demonstram surpresa em relação à natureza sem precedentes da descoberta. “É inacreditável!”, afirma ele.

    Em experimentos futuros, Pierce e Lauder dizem que uma versão modificada dos testes do Flapper poderia avaliar um modelo tridimensional da cauda, ou até mesmo um modelo de corpo inteiro do Spinosaurus atualizado, o que ajudaria a esclarecer como a nadadeira dorsal de um dinossauro de 1,82 metros de altura afetava sua forma de nadar. Para realizar esse sonho, Ibrahim quer utilizar cada fragmento de osso que puder, e é por isso que sua equipe voltou ao deserto no auge do verão de 2019 para mais escavações.

    Alguns dos fósseis que eu os vi encontrar naquela expedição em breve ajudará a testar outra característica aquática do Spinosaurus: pés possivelmente palmípedes. Com mais ossos em mãos, os pesquisadores podem finalmente reconstruir todo o pé do dinossauro para ajudar a descobrir a extensão na qual o Spinosaurus abria seus dedos.

    Ainda mais importante para Ibrahim, todos os fósseis encontrados pela equipe permanecem no Marrocos, aumentando o acervo supervisionado pelo paleontólogo da Université Hassan II, Zouhri, em seu laboratório em Casablanca. A esperança é que, algum dia, esses ossos e os cientistas que os estudam criem o primeiro museu nacional de história natural do Marrocos – e inspirem as pessoas do norte da África a sonharem com os mundos perdidos sob os seus pés.

    “Desejo construir um lar para o Spinosaurus”, diz Ibrahim. “Isso vai se tornar um símbolo – um ícone – da paleontologia africana.”

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