Como avaliar a resposta do seu país ao coronavírus

Com gráficos, National Geographic analisa números que dão pistas sobre a eficácia das ações que cada nação tomou para frear a pandemia.

Por Nsikan Akpan
Publicado 9 de mai. de 2020, 12:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Alexanderplatz, uma grande praça pública no centro de Berlim, quase deserta na terça-feira, 21 de abril ...

Alexanderplatz, uma grande praça pública no centro de Berlim, quase deserta na terça-feira, 21 de abril de 2020, durante a pandemia de coronavírus.

Foto de Emile Ducke, T​he New York Times, via Redux

“A PNEUMONIA INEXPLICÁVEL DE WUHAN.” Faz quatro meses desde que essa simples frase apareceu no conhecido serviço de alerta de saúde ProMED-mail, o primeiro alerta ao público de que o novo coronavírus havia iniciado sua ação mortal. Desde então, a Covid-19 matou centenas de milhares de pessoas em seis continentes, além de ter provocado uma crise econômica global que pode ser comparada às piores desacelerações da história moderna.

Quando se trata de gerenciar a propagação da doença, alguns países, estados e cidades têm se saído melhor do que outros. Dados do Imperial College de Londres e de outros grupos de pesquisa em todo o mundo demonstram drásticas diferenças em como os países têm restringido as taxas de contágio dentro de suas fronteiras – e quais ações foram mais eficazes em todos os aspectos.

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Modelos matemáticos revelam a influência que a redução de contato social tem na propagação da doença, calculando a reprodução efetiva de um país (Rt). Essa medida indica até que ponto uma pessoa em um país transmitirá um patógeno.

Para controlar a propagação da Covid-19, o objetivo é reduzir a reprodução efetiva para menos de 1.

Foto de Gráfico de BRIAN T. JACOBS, Ng Staff

Consideremos a Alemanha em relação à Suécia. Os dois países relataram seus primeiros casos no fim de janeiro, com uma diferença de quatro dias um do outro. Apesar de ambas serem nações europeias ricas, com um sistema de saúde bem estruturado, a Suécia atualmente enfrenta um número três vezes maior de mortes per capita do que a Alemanha, de acordo com o Our World in Data, ao passo que a Alemanha planeja sua reabertura.

Uma ação rápida e abrangente provavelmente contribuiu para esses resultados contrastantes, explica Nicholas Grassly, epidemiologista de doenças infecciosas que trabalha no MRC Center for Outbreak Analysis do Imperial College de Londres.

A Alemanha foi mais rápida em lançar a primeira linha de defesa contra surtos – medidas como realização de testes, rastreamento de contatos e restrições de fronteiras tinham o objetivo de frear totalmente a transmissão da doença. Mas também deu início ao que chamamos de redução de contato social alguns dias antes da Suécia, adotando medidas mais rapidamente, como fechamento de escolas, proibição de eventos públicos e decretos para que todos permanecessem em casa – ações que podem retardar uma doença que já está em propagação. Até o momento, depois de 1º de maio, a Suécia ainda não implementou um bloqueio total.

Suécia:

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    A SUÉCIA instituiu algumas intervenções sociais, chegando perto de um bloqueio total. O país registrou 2.274 mortes, um número per capita muito mais alto do que o de seus vizinhos, mas os esforços empreendidos conseguiram evitar outras 1.980 a 3.099 mortes. Sua taxa de reprodução efetiva caiu de 2,3 para 1,1 desde o primeiro caso relatado em 1 de fevereiro.

    Foto de Gráfico de BRIAN T. JACOBS, Ng Staff

    Alemanha:

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    Na ALEMANHA, 5.913 morreram devido à covid-19, uma pequena porcentagem em relação à sua população total. As intervenções sociais precoces evitaram outras 4.980 a 7.071 mortes e a realização de testes em massa também ajudou. Sua taxa de contágio caiu de 4,2 para 0,7 desde o primeiro caso relatado em 28 de janeiro.

    Foto de Gráfico de BRIAN T. JACOBS, Ng Staff

    Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconvoca seu comitê de emergência três meses após declarar uma crise global de saúde, a National Geographic analisa as lições aprendidas com as respostas de cada país à pandemia de covid-19.

    As restrições de viagem funcionaram?

    Normalmente, a melhor arma no arsenal de contenção é uma vacina, que impede a ação do vírus antes que ele possa se multiplicar no organismo de uma pessoa. Enquanto o mundo espera por esse medicamento preventivo, que pode chegar apenas no ano que vem, os países estão se concentrando em outras medidas, como a realização de testes, isolamento de pessoas doentes e fechamento de fronteiras. Mas o que os cientistas descobriram desde janeiro é que a Covid-19 geralmente supera essas medidas de defesa antes mesmo de serem estabelecidas.

    O trabalho de genética revelou que o surto começou pelo menos um mês antes de os hospitais chineses enviarem o alerta internacional, na véspera de Ano Novo, e agora sabemos que a Covid-19 pode ser transmitida antes que os sintomas apareçam, ou até mesmo sem a presença de nenhum sinal.

    Quando OMS se reuniu em 22 de janeiro para discutir se deveria declarar uma emergência de saúde pública e interromper ostensivamente as viagens à China, havia apenas 82 casos e nenhuma morte fora do país asiático. No entanto, já era tarde demais.

    Noruega:

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    A NORUEGA rapidamente implementou intervenções sociais, indo das primeiras etapas ao bloqueio total em poucos dias. A covid-19 matou 193 pessoas na Noruega, mas outras 144–254 mortes foram evitadas devido às medidas implementadas. Sua taxa de contágio caiu de 3,8 para 0,6 desde o primeiro caso relatado em 27 de fevereiro.

    Foto de Gráfico de BRIAN T. JACOBS, Ng Staff

    Áustria:

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    Áustria

    Foto de Gráfico de BRIAN T. JACOBS, Ng Staff

    “Quando detectaram a ponta do iceberg, infelizmente, havia milhares de infecções em diversas cidades”, diz Alessandro Vespignani, diretor do Network Science Institute da Universidade Northeastern, em Boston, EUA.

    No início de fevereiro, seu instituto era um dos que realizava projeções de que o coronavírus havia saído da China antes de Wuhan ser isolada em 23 de janeiro. Pesquisas posteriores agora apoiam esses modelos iniciais, pois os dados publicados na semana passada na revista científica Nature mostram que 11,5 milhões de pessoas deixaram Wuhan entre 1 e 24 de janeiro, principalmente como parte dos deslocamentos para o feriado do Ano Novo Lunar. Essas restrições de viagens também falharam porque a maioria dos países se concentrava em estrangeiros que desembarcavam, mas os primeiros casos conhecidos em vários países foram atribuídos a cidadãos que voltaram para casa do exterior.

    “De certa forma, as restrições de viagens estão sempre perseguindo um inimigo invisível”, diz Vespignani. “Elas constituem uma medida importante para desacelerar a transmissão do vírus, mas infelizmente, para [uma] doença como a Covid, é muito difícil impedir a propagação.”

    A OMS demorou mais oito dias após sua reunião inicial para declarar uma emergência de saúde global. Em uma reunião em 1 de maio, a National Geographic perguntou se o comitê se arrependia de ter adiado a declaração original.

    “Temos orgulho de ser a OMS porque sempre colocamos nossas vidas em risco para salvar vidas”, respondeu o diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus, citando como a organização usou esse intervalo para coletar evidências na China. “O mundo teve tempo suficiente para intervir.”

    Mais do que testar

    Para avaliar a resposta de um país atingido pela Covid-19, especialistas geralmente analisam a quantidade de testes de diagnóstico realizada por pessoa. Todos os países mais elogiados por controlarem seus surtos – Coréia do Sul, Alemanha, Vietnã, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia – começaram com altas taxas de testes per capita. As evidências iniciais também demonstram que os grupos testados e a frequência de testes também são aspectos importantes.

    Itália:

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    Alguns países se saem pior por diversas razões. A Covid-19 desembarcou na ITÁLIA, com base em análises genéticas, muito antes de seu primeiro caso ser registrado em 31 de janeiro. Ao passo que 26.977 pessoas morreram no país, as intervenções sociais ainda foram capazes de evitar de 24.816 a 33.326 mortes adicionais. Sua taxa de contágio foi reduzida de 3,7 para 0,6.

    Foto de Gráfico de BRIAN T. JACOBS, Ng Staff

    Reino Unido:

    O REINO UNIDO e a Espanha demoraram para começar a testar e implementar intervenções sociais, apesar ...

    O REINO UNIDO e a Espanha demoraram para começar a testar e implementar intervenções sociais, apesar de terem registrado seus primeiros casos no mesmo dia da Itália. Ainda no Reino Unido, 21.092 pessoas morreram vítimas da covid-19, mas outras 17.646-24.872 mortes foram evitadas. Sua taxa de contágio passou de 3,9 para 0,6.

    Foto de Gráfico de BRIAN T. JACOBS

    Espanha:

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    A ESPANHA registrou 23.190 mortes e 18.851–26.170 foram possivelmente evitadas. Sua taxa mudou de 4,5 para 0,6.

    Foto de Gráfico de BRIAN T. JACOBS

    “Descobrimos que o teste era mais eficaz quando visávamos grupos de alto risco, como profissionais da saúde”, diz Grassly, do Imperial College. Os profissionais da saúde representam até 20% de todos os casos nos locais mais atingidos, como a Espanha. Um relatório recente do MRC Center estima que a triagem semanal de profissionais da saúde e outros grupos de risco pode reduzir em um terço as taxas de transmissão a partir dessas pessoas.

    No entanto, o teste não faz milagre, diz Grassly, porque boa parte da transmissão ocorre antes que as pessoas desenvolvam sintomas, sendo que às vezes elas são assintomáticas. É por isso que surgiram tantos novos esforços para ampliar o rastreamento de contatos, seja pela convocação de legiões de soldados de infantaria ou por meio do desenvolvimento de aplicativos para smartphones. O rastreamento agressivo de contatos e a realização de testes em massa foram duas medidas que contribuíram para que alguns países conseguissem achatar suas curvas. Quando esses contatos são encontrados, eles precisam ser isolados e testados continuamente até que seja seguro liberá-los, afirma Grassly.

    “Na Coréia do Sul, eles fizeram muitos rastreamentos de contatos usando aplicativos para celulares”, conta Grassly. “Grande parte do sucesso desse programa está relacionado à adesão ao aplicativo, que em alguns casos é determinada por lei.”

    No entanto, as lições de um país não necessariamente se aplicam a outro. Por exemplo, a Nova Zelândia anunciou no início desta semana que efetivamente eliminou o vírus de suas regiões costeiras, “mas pode não ter atributos aplicáveis à cidade de Nova York ou a muitas partes densamente povoadas dos Estados Unidos e da Europa”, diz Wafaa El- Sadr, epidemiologista e diretor do ICAP da Universidade de Columbia, uma iniciativa que visa fortalecer os sistemas de saúde em países com poucos recursos.

    A Nova Zelândia tem uma população de 4,9 milhões, cerca da metade do tamanho de Londres, que se estende por uma área 170 vezes maior. A nação insular também é relativamente remota, com visitas de turistas internacionais que somam menos da metade das visitas à sua vizinha Austrália, de acordo com o Banco Mundial. A Nova Zelândia simplesmente não começou com um surto importado na mesma escala daquele que atinge muitos outros países, incluindo países com populações semelhantes. Além disso, eliminar uma doença infecciosa não é o mesmo que erradicação total do ponto de vista da saúde pública, e a Nova Zelândia já registrou diversos casos novos desde seu anúncio.

    “A Nova Zelândia e a Alemanha demonstram como é possível impedir o aumento da transmissão e obter uma redução sustentada do número de novos casos ao longo do tempo”, diz El-Sadr. “Mas é preciso observar o que acontece depois que algumas dessas medidas de mitigação começam a ser relaxadas.”

    Seguindo as regras

    Os locais com surtos iniciais de Covid-19 sofreram tantas dificuldades com os métodos de contenção – como testes, rastreamento de contatos e quarentena – que alguns países que ficaram para trás optaram por pular uma etapa e ir direto à redução de contato social, como distanciamento, fechamento de escolas e exigir que a maior parte das pessoas trabalhe de casa.

    “[Muitos países africanos] recorreram diretamente à redução de contato social”, diz El-Sadr, cuja organização trabalha com nações africanas há quase 20 anos. “Eles acreditavam que a contenção não funcionaria com base no que aconteceu na Europa Ocidental e nos Estados Unidos.”

    Mas a eficácia dessas medidas de redução de contato social pode variar se as pessoas não cumprirem ordens e diretrizes oficiais – um fator que pode ser influenciado por normas culturais. Em 2008, pesquisadores pediram a mais de sete mil pessoas de oito países europeus que anotassem os contatos sociais que tinham todos os dias, desde beijos e apertos de mão a conversas pessoais. Com base nessas pesquisas, a equipe constatou que é mais provável que um vírus respiratório se espalhe rapidamente em certos países devido a diferenças na miscigenação social.

    “O número médio de contatos por dia que poderia levar à transmissão de doenças foi de 20 na Itália, contra oito na Alemanha”, explica Grassly, que acrescenta que esses padrões parecem estar se mantendo válidos para a Covid-19.

    Gigantes da tecnologia, como Google e Apple, começaram a compartilhar dados anônimos de smartphones para que pesquisadores na área da saúde pública pudessem avaliar a reação do público a ordens de redução de contato social e uma tendência surpreendente até o momento é que as pessoas parecem não se importar com declarações de emergência.

    Quando o grupo de Vespignani na Universidade Northeastern analisou esses dados de mobilidade referentes às principais cidades dos Estados Unidos, descobriu que a maioria das pessoas continuava se deslocando mesmo depois de declarada situação de emergência nas cidades, estados e no país para a Covid-19. Muitas cidades tiveram um declínio gradual, com a mobilidade sendo reduzida para menos de 50% do normal somente após a emissão de decretos para que a população ficasse em casa.

    “O que cada um de nós faz, nosso comportamento, pode mudar o padrão e a trajetória da epidemia”, diz Vespignani.

    Os dados de mobilidade também podem revelar quais líderes estão obtendo sucesso com suas mensagens e convencendo as pessoas a mudar seus comportamentos. A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, é aclamada por se dirigir à população com uma linguagem simples e, para isso, vem utilizando transmissões de vídeo do Facebook Live desde o fim de fevereiro. Quando o bloqueio foi implementado um mês depois, a mobilidade foi drasticamente reduzida, sugerindo uma ampla adesão à política governamental.

    “Mensagens com as quais o público se identifica serão fundamentais para que as nações continuem combatendo a pandemia”, afirma El-Sadr. Se a vacina levar muito tempo e a imunidade natural diminuir, grande parte da população mundial poderá ser atingida por diversas ondas do vírus, nas quais os casos diminuem e voltam a aumentar. Isso significaria que alternaríamos entre períodos de contenção forçada e períodos nos quais dependeríamos da redução de contato social.

    “O que precisamos é de mensagens muito claras e consistentes”, diz El-Sadr. “Em geral, as pessoas são ávidas por esse tipo de coisa. Elas realmente desejam clareza.”

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