Novo teste genético para coronavírus promete facilitar retorno às atividades

Em implementação neste mês na rede privada, a tecnologia desenvolvida por hospital de São Paulo se baseia no sequenciamento de nova geração e analisa até 1.536 amostras por rodada.

Por Kevin Damasio
Publicado 28 de jun. de 2020, 08:30 BRT

Técnica de laboratório do Hospital Israelita Albert Einstein prepara amostras de material genético que serão testadas em massa para a presença do novo coronavírus.

Foto de Hospital Israelita Albert Einstein, Divulgação

Um homem de 61 anos que voltava da Itália foi o primeiro paciente diagnosticado com covid-19 no Brasil, em 25 de fevereiro, após exame conduzido por profissionais de saúde do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Para detectar a doença, utilizou-se a técnica de reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR, na sigla em inglês), recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde o início da pandemia de Sars-CoV-2. A partir da chegada do vírus ao Brasil, a demanda por testes diagnósticos é cada vez maior no combate à pandemia, seja na rede pública ou na privada.

No início, o procedimento na rede de hospitais era realizado manualmente, recorda o patologista João Renato Rebello Pinho, coordenador do Laboratório de Técnicas Especiais do Einstein. Com o aumento de casos de covid-19, o trabalho foi sendo automatizado, sobretudo nas etapas de reações – extração do ácido nucleico – e de amplificação – por meio do RT-PCR. Até 16 de junho, quase 85 mil exames com o PCR e mais de 37 mil sorológicos já foram feitos no Albert Einstein.

Contudo, os especialistas logo enfrentaram um problema também encontrado na rede pública: a falta de reagentes. Mesmo reagentes produzidos no Brasil ainda demandam insumos importados para serem sintetizados, aponta Rebello. “Teve uma procura muito grande por reagentes em todos os lugares do mundo, começada pela China, depois Europa e Estados Unidos, e as empresas que os produzem são exatamente desses países.”

Enquanto buscavam alternativas, os técnicos do Einstein notaram a ociosidade dos laboratórios de genética não apenas nos hospitais da rede em São Paulo, mas também em outros centros públicos e privados espalhados pelo país. Passaram a desenvolver, então, um teste genético capaz de ampliar o número de amostras analisadas em 16 vezes. Desenvolvido em dois meses, trata-se de um exame a base do sequenciamento de nova geração (NGS, na sigla em inglês), capaz de analisar até 1.536 amostras por vez – o PCR realiza, no máximo, 96 diagnósticos por rodada.

O teste por NGS deve ser implementado até o final deste mês e realizado em maior ritmo em julho e agosto. Como a aplicação principal é mais voltada à testagem em massa, Rebello entende que o exame genético seja uma opção complementar ao RT-PCR. “São bem semelhantes em termos de acurácia, sensibilidade e especificidade. Ou seja, detecta amostras com a mesma qualidade pequena de vírus que o PCR, não apresenta resultados falso-positivos, nem detecta outros vírus”, observa o patologista. “Vemos várias aplicações possíveis, como na volta ao trabalho, para as empresas identificarem se os funcionários estão contaminados ou não; ou na prática esportiva, para permitir que campeonatos voltem com risco de contaminação muito baixo.”

Rebello considera importante que o teste genético também seja implementado na rede pública. O exame pode ser realizado em laboratórios voltados a diagnósticos genéticos e de câncer, por exemplo, assim como centros de pesquisa e universitários que possuam equipamentos de sequenciamento de nova geração. Segundo a assessoria de comunicação da Anvisa, agência do governo federal responsável por homologar os kits de teste para covid-19, há três maneiras de o Einstein contribuir para a ampliação de testagem na rede pública. A primeira é analisar amostras recolhidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no próprio laboratório. A segunda, capacitar laboratórios e hospitais públicos para que eles próprios façam a análise genética. Essas duas não precisariam da homologação da agência, já que os laboratórios seguem normas da Anvisa para os exames chamados "in house". Por último, o hospital privado poderia desenvolver kits de testagem que seriam repassados ao SUS, solução que demandaria certificação da Anvisa.

“Os lugares que conseguiram controlar melhor a pandemia fizeram muitos testes, principalmente os que começaram precocemente. É algo que não tivemos no Brasil”, considera Rebello. Quanto mais casos forem identificados, continua o patologista, maior é a possibilidade de desempenhar ações de saúde pública que envolvam a identificação de contactantes e isolamento. Assim, obtém-se maior conhecimento sobre onde a doença está, evitando que ela se espalhe. “Essa pandemia vai exigir que testes continuem a ser feitos, para que não tenhamos a chamada segunda onda. Neste momento que o teste genético é importante, porque precisamos saber como voltar ao trabalho sem ter aumento de casos.”

Sequenciamento de nova geração

Enquanto o material genético dos seres vivos é composto por DNA e RNA, os vírus contam apenas com RNA. “A partir do momento que se sabe que a base da vida sempre é o ácido nucleico, mudar a técnica de genética humana para a viral não é algo tão difícil, apesar de não ser trivial”, explica Rebello, do Einstein. “Temos as ferramentas necessárias tanto na parte de bioquímica, para trabalhar com esses ácidos nucleicos, quanto de bioinformática, com softwares de interpretação.”

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    O método do teste por sequenciamento de nova geração possui etapas similares ao do RT-PCR. Primeiro, a coleta da amostra é feita na região da nasofaringe e orofaringe da pessoa, por meio de uma haste flexível conhecida como swab. Depois, no laboratório, reagentes são utilizados para a extração do RNA. Em seguida, a partir de uma enzima, os profissionais realizam a transcriptase reversa, isto é, transformam o RNA em DNA complementar, ou cDNA. O processo de amplificação do material genético é auxiliado por uma fita simples de DNA, conhecida como primer universal, capaz de ampliá-lo em até 100 milhões de vezes. Ocorre, então, o sequenciamento do DNA, a fim de compor o genoma do vírus. Por fim, os dados são analisados no Varstation, uma plataforma de bioinformática desenvolvida pelo Einstein. O resultado de cada rodada de exame sai em, no máximo, 72 horas.

    “Duas partes do genoma viral são sequenciadas e permitem que identifiquemos, com certeza, se é covid-19”, observa Rebello. “O importante é que conseguimos trabalhar com reagentes diferentes da técnica convencional de RT-PCR, para a qual esses insumos começaram a faltar e impediam que fizéssemos a reação em um grande número de amostras, uma necessidade a partir de agora.”

    O Varstation é uma plataforma já utilizada em laboratórios e universidades do Brasil e do exterior, observa Claudio Terra, diretor de Inovação e Transformação Digital da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Antes da covid-19, essa ferramenta de inteligência artificial voltava-se para a análise de dados do sequenciamento genético de humanos para oncologia, neurologia e outras condições relativas a alterações genéticas.

    “Já temos um grupo cujo trabalho é analisar essa sopa de letras que é nosso DNA e o que significa cada alteração, mas que ainda não tinha utilizado o NGS para o sequenciamento de vírus”, continua Terra. “A partir de uma tecnologia de análise do DNA humano, foi desenvolvida uma inovação em que, a partir do RNA, conseguimos chegar no resultado de um diagnóstico muito preciso para saber se o ser humano contém ou não o coronavírus.”

    A testagem na pandemia

    “Nossa recomendação sempre foi teste, rastreie, trate e isole”, reforçou Clarissa Etienne, diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em entrevista à imprensa em 16 de junho. “Isolamento social diminui o ritmo de transmissão, para que serviços de saúde possam testar casos suspeitos, rastrear os contatos e isolar e tratar os pacientes. É uma combinação que funciona desde que adaptada a cada cenário, e é a essência da estratégia de muitos países que controlaram a transmissão com sucesso.”

    Entre os países mais bem-sucedidos no controle da pandemia, o Vietnã testou 38.171 pessoas por caso confirmado, seguido pela Nova Zelândia (25.606), Austrália (2.172,63) e Tailândia (2.172,63). Na América do Sul, o Uruguai testa, em média, 320,13 pessoas para cada diagnóstico positivo. O oposto acontece nos cinco países com mais habitantes infectados pela covid-19: Estados Unidos (21,2), Brasil (2,27), Rússia (35), Índia (13,9) e Reino Unido (54,55). Os dados são compilados pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, e estão disponíveis na plataforma Our World in Data.

    “A situação do Brasil é delicada”, classificou Marcos Espinal, diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis da Opas, questionado pela National Geographic na mesma coletiva de imprensa. O médico dominicano ressaltou a preocupação com o aumento expressivo no número de casos e na taxa de mortalidade na semana anterior. Considerou que o Brasil é um país vasto e que a realidade em cada estado é diferente, mas que todos os estudos apontam para a necessidade de manter as medidas de isolamento social e aumentar a testagem. “O Brasil ainda não está fazendo um número suficiente de testes. Tem melhorado – agora com 4,3 mil por milhão de habitante. Mas há países que fazem 25 mil testes, 15 mil por milhão. Então, é crucial que se amplie a testagem.”

    Foram feitos 602.384 testes RT-PCR e sorológicos nas redes pública e privada do estado de São Paulo, conforme informou Carlos Carvalho, coordenador do Centro de Contingência da Covid-19 de São Paulo, em coletiva de imprensa na última terça-feira, 16 de junho. Desse total, 525.666 testaram pessoas com quadros leves, de síndrome gripal, e 76.718 eram pacientes internados em estado grave. Cerca de 30 mil testes são feitos diariamente (8 mil na rede pública), taxa que o governo estadual prometeu triplicar nas próximas duas semanas.

    No estado de São Paulo, 190.285 pessoas foram diagnosticadas com covid-19 até 16 de junho, com taxa de letalidade de 5,9%. Esses pacientes, tanto com quadros leves quanto graves, foram testados através de 236 mil exames por RT-PCR e 77,6 mil sorológicos. O teste RT-PCR serve para fins estatísticos de casos confirmados de pessoas que estão com o vírus no momento, enquanto o sorológico indica se a pessoa já teve contato com o vírus no passado e desenvolveu anticorpos – com alta taxa de falso-negativo e falso-positivo.

    Em 8 de junho, a secretária de Desenvolvimento Econômico, Patrícia Ellen, disse que a estratégia do governo estadual é baseada em “três pilares fundamentais”. O primeiro consiste em entender onde os testes estão sendo realizados, identificar a capacidade necessária e a maneira como otimizar a aplicação de recursos, seja na testagem pública (estadual e municipal), seja da rede privada e de empregadores. O segundo envolve o aprimoramento do processo de notificação e consolidação dos testes positivos e negativos, “para entender o percentual da população que hoje tem o vírus ou que já teve contato”. Por último, está a criação de um selo de testagem privada com empregadores, com base no Protocolo de Testagem do estado, para que as empresas saibam onde adquirir os testes para seus funcionários.

    “A testagem bem realizada e bem reportada é um pilar fundamental para o sucesso do controle da pandemia e para que a retomada consciente aconteça o mais rápido possível”, disse Ellen.

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