A história mortal do nitrato de amônio, explosivo ligado à catástrofe em Beirute

Um mergulho profundo na química e no legado do composto oferece pistas sobre o que provocou a grave explosão no Líbano.

Por Sarah Gibbens
Publicado 7 de ago. de 2020, 11:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Uma grande explosão atingiu a capital libanesa, Beirute, em 4 de agosto. A explosão, que sacudiu ...

Uma grande explosão atingiu a capital libanesa, Beirute, em 4 de agosto. A explosão, que sacudiu prédios inteiros e quebrou vidraças, foi sentida em toda a cidade.

Foto de Anwar AMRO, AFP via Getty Images

Veja de perto as cenas do centro de Beirute, e você pode notar o chão deformar-se e curvar-se logo após a explosão irromper do armazém em 4 de agosto. Vídeos de telefones celulares também mostram a onda de choque e a nuvem de poeira invadindo os edifícios do porto, deixando para trás cenas de carnificina na capital libanesa.

A explosão registrou  magnitude 3,3 na escala Richter, e causou uma devastação geralmente associada a grandes terremotos. Dois dias depois, o número de mortos subiu para pelo menos 130 pessoas, com outros 5 mil feridos. O prefeito de Beirute Marwan Abboud disse à  Agence France-Presse que 300 mil pessoas não conseguem retornar às suas casas, pois os danos atingiram metade da cidade e  poderia custar até $15 bilhões para repará-los.

Autoridades libanesas estão culpando pelo incidente as mais de 2.750 toneladas de nitrato de amônio, uma substância comumente utilizada em fertilizantes e explosivos para projetos de mineração e construção. Os produtos químicos supostamente estavam depositados nas docas desde 2013. Documentos desenterrados pela  Al Jazeera  dizem que o nitrato de amônio chegou em Beirute a bordo de um navio de carga de propriedade russa depois que a embarcação teve problemas mecânicos no mar. A remessa acabou sendo abandonada e sua carga foi transferida para o hangar onde permaneceu, apesar dos funcionários aduaneiros libaneses solicitarem sua eliminação  em no mínimo seis diferentes ocasiões, de acordo com  The New York Times.

O que detonou o composto em Beirute permanece incerto — mas não é a primeira vez que uma explosão com nitrato de amônio leva à calamidade. Desde 1916, o produto químico foi responsável por no mínimo 130 desastres, alguns acidentais e alguns intencionais.

Uma vista aérea mostra os enormes danos nos silos de grãos do porto de Beirute e arredores em 5 de agosto de 2020, um dia após uma enorme explosão atingir o coração da capital libanesa. Equipes de resgate procuraram por sobreviventes em Beirute pela manhã após uma explosão cataclísmica no porto semear devastação em bairros inteiros, matando mais de 100 pessoas, ferindo milhares e mergulhando o Líbano ainda mais fundo na crise.

Foto de AFP via Getty Images

O que aconteceu em Beirute na terça-feira soa estranhamente semelhante a  descrições de uma grande explosão em 1947 em Texas City, no Texas. O S.S. Grandcamp—carregando nitrato de amônio, combustível e munição—chegou ao porto da área de Houston com fumaça saindo do compartimento de carga. A explosão que se seguiu matou cerca de 600 pessoas, incluindo  todos no cais e no navio. Feridos ultrapassaram mais de 5 mil. A explosão destruiu 500 lares e a fumaça continuou por dias.

Em abril de 1995, os terroristas americanos Timothy McVeigh e Terry Nichols usaram duas toneladas do composto  num ataque de caminhão-bomba no prédio federal de Oklahoma City; 168 pessoas foram mortas. E há apenas cinco anos,  uma quantidade estimada de 800 toneladas  de nitrato de amônio alimentou uma explosão num armazém que destruiu parte de um porto na  cidade Chinesa de Tianjin, matando 173.

Anualmente, o mundo produz e armazena enormes quantidades de nitrato de amônio—mais de  20 milhões de toneladas em 2017. Mas para que o composto termine numa explosão desta magnitude, especialistas em químicos e explosivos dizem que muita coisa tem que dar errado.

O que faz o nitrato de amônio explodir?

Comparado à maioria dos materiais combustíveis, o próprio nitrato de amônio não é excepcionalmente explosivo. Mas o composto pode contribuir com as explosões porque pertence a uma classe de compostos químicos conhecida como oxidantes.

Quando algo queima, requer oxigênio—é por isso que os extintores de incêndio podem facilmente apagar chamas sufocando-as. Oxidantes fazem o contrário: Eles aumentam a quantidade de moléculas de oxigênio concentradas num espaço, o que ajuda a tornar outras substâncias mais inflamáveis.

“É relativamente difícil fazer o nitrato de amônio puro incendiar, a menos que você adicione coisas e cozinhe em um fogo gigante,” diz Davin Piercey, um químico da Universidade Purdue. Qualquer combustível rico em carbono—papel, papelão, até açúcar—pode ser combinado com nitrato de amônio para produzir mais energia intensa. Se o nitrato de amônio em Beirute foi armazenado em recipientes de madeira ou papelão, isso pode ter tornado a substância incrivelmente inflamável, diz Jimmie Oxley, um químico da Universidade de Rhode Island.

A acumulação de grandes quantidades de nitrato de amônio permite que mais calor seja contido por mais tempo quando uma mistura queima. Adicione oxidante suficiente a um fogo, e ele provocará uma explosão. Embora o nitrato de amônio tenha sido  sintetizado pela primeira vez em 1659 pelo químico alemão Johann Rudolf Glauber, ele não foi usado em explosivos até a Primeira Guerra Mundial, quando  fabricantes de armas o misturaram com TNT (dinamite) para fazer bombas mais baratas.

Sacos contendo fertilizantes com nitrato de amônio são expostos em uma feira agrícola em Vieillevigne, França, 7 de Outubro de 2016.

Foto de Stephane Mahe, Reuters

Tem uma massiva quantidade de energia emitida muito rapidamente,” diz Stephen Beaudoin, um engenheiro químico também da Universidade Purdue. “Ela oxidará aquele combustível muito rapidamente, criará uma grande quantidade de gás e emitirá uma quantidade enorme de calor. A enorme mudança de fase cria uma onda de choque.”

Na explosão de Beirute, a onda de choque resultante moveu-se mais rápido do que a velocidade do som; vídeos de telefones celulares mostram o impacto que atinge a cidade alguns segundos antes de um estrondo sônico.

A explosão de Beirute

Usando matemática pioneira dos anos 1940 para inferir o efeito da bomba atômica, especialistas podem analisar vídeos de uma onda de choque para obter estimativas aproximadas da energia total de uma explosão e quanto material explodiu. Ao comparar o tamanho da explosão contra prédios próximos,  o vídeo do incidente de Beirute  mostra que em um oitavo de segundo após a explosão acontecer, sua onda de choque esférica cresceu para aproximadamente 244 metros de largura.

Medida usando esse método, espectadores estimaram que a explosão foi equivalente a aproximadamente  400 a 3 mil toneladas de TNT, um material explosivo que também é usado como uma unidade para medir o quão destrutivas são as explosões. Embora  Jeffrey Lewis, um especialista em controle de armas do Instituto de Estudos Internacionais de Middlebury, calcule que provavelmente esteja perto de 400 toneladas. Por outro lado, a bomba atômica lançada em Hiroshima, Japão, em 1945 teve o efeito de pelo menos 13 mil toneladas de TNT.

Os cálculos da explosão sugerem que no nível do mar, uma explosão como a de Beirute precisaria de cerca de mil toneladas de nitrato de amônio. Dado que esses cálculos de retorno incluem uma ampla margem de erro, a estimativa é consistente com as 2.750 toneladas que, segundo autoridades libanesas, foram armazenadas pelo porto. Ou, esta discrepância pode significar  que o material dentro do armazém não era nitrato de amônio puro, e que algum outro composto estava envolvido na explosão.

Alguns  rumores da internet especulam  que pelo fato do nitrato de amônio ter sido deixado em um armazém por vários anos, ele poderia ter se degradado, tornando-se mais volátil a incrivelmente perigoso com o passar do tempo. Mas  David Chavez, um cientista de explosivos do Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México, duvida desse cenário. “Nitrato de amônio não se degrada com o tempo sob condições normais de armazenamento” ele diz.

Uma explicação mais provável é que o nitrato de amônio em Beirute não estava sozinho dentro do armazém. Dada a quantidade informada, Oxley supõe que um veículo deve ter sido usado para transportar o composto para dentro e que poderia tê-lo contaminado com óleo ou gasolina. Mesmo uma pequena contaminação teria aumentado a probabilidade de o nitrato de amônio detonar.

Embora as autoridades libanesas tenham dito que o nitrato de amônio foi o culpado pela explosão, Lewis aponta que em muitos casos os explosivos comerciais são referidos apenas como esse composto, embora contenham aditivos.

"Se as fotos estão certas, isto é algo que deveria ser um oxidante usado com outros agentes," tais como explosivos usados em mineração, ele diz.

Efeitos prolongados

A reconstrução do que exatamente deu errado em Beirute será difícil, mas Chávez diz que as autoridades devem procurar evidências de armazenamento inadequado, confinamento, contaminação, falta de ventilação e fontes potenciais de ignição.

Tais investigações podem levar tempo. O Líbano já estava lidando com  desgraças políticas e financeiras, devido em parte à crise migratória da Síria e à pandemia do coronavírus.

Também há efeitos de mais longo prazo a considerar. A explosão encheu o ar de Beirute de  material particulado, uma das formas mais comuns de poluição do ar. É conhecido como predispor as pessoas aos piores efeitos de doenças respiratórias, incluindo COVID-19. Além disso, a decomposição do nitrato de amônio pode criar subprodutos conhecidos como óxidos de nitrogênio, que são conhecidos por causar desconforto respiratório. Outros problemas de saúde, semelhantes aos  observados após o 11 de setembro, podem surgir devido à destruição de prédios e estradas.

“Todos os tipos de outros materiais provavelmente acenderam e queimaram,” diz Beaudoin. “Plásticos, por exemplo, e outros materiais orgânicos que queimaram completamente ou parcialmente—todos os materiais de construções que se tornaram poeira.”

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