Antes da existência de plantas ou animais, uma rocha de 250 mil toneladas caiu na lama
Diversas gerações de cientistas já visitaram a antiga paisagem e agora podem ter descoberto o desabamento de rochas mais antigo já encontrado na superfície terrestre.
Vista aérea mostra os penhascos da costa de Clachtoll, na região noroeste da Escócia. O rochedo gigante e antigo se estende pela costa no lado direito da imagem e forma uma colina ao longo da pequena praia em frente à formação.
CHUVA E VENTOS atingiam a costa noroeste da Escócia quando Zachary Killingback analisava uma rocha presa na lama. Não se tratava apenas de uma rocha antiga: com peso de cerca de um quarto de um milhão de toneladas e maior que um avião a jato, o rochedo se inclinou para sua posição cerca de 1,2 bilhão de anos atrás, podendo ser o desabamento de rocha mais antigo já encontrado na superfície terrestre.
Killingback era aluno de mestrado na Universidade de Durham na Inglaterra na época e queria descobrir o que havia acontecido nos breves segundos catastróficos que antecederam a queda do enorme rochedo. Rochas caem de penhascos desde que a Terra era fria o bastante para possibilitar a formação de rochas, mas constam poucos desabamentos de rochas antigas no registro geológico. Esse evento na Escócia mostra um pouco do que ocorria no planeta ainda antes dos animais darem o primeiro respiro, antes que as plantas fincassem suas raízes no solo, antes mesmo da formação dos continentes modernos.
Conforme descrito por uma equipe de pesquisadores em um novo estudo publicado na revista científica Geology, o rochedo caiu sobre cerca de 15 metros de depósitos aquáticos e a força do impacto fez com que a rocha rachasse e lama entrasse nas fraturas. A erosão eliminou o penhasco de onde a rocha caiu, mas a rocha desabada permaneceu. Cada rocha tem uma história e os cientistas têm a tarefa de utilizar fatos conhecidos sobre diversos processos físicos do nosso planeta para desvendar alguns fragmentos do passado.
“Isso mostra a quantidade de detalhes incríveis que é possível se extrair de um bloco de rocha se for observado com muita atenção”, diz Cara Burberry, geóloga estrutural da Universidade de Nebraska-Lincoln que não participou do estudo. “O evento foi muito bem documentado pelos pesquisadores.”
‘Disneylândia geológica’
A região noroeste da Escócia é um lugar maravilhoso, com suas águas na cor azul-turquesa inundando pequenas praias escondidas ao longo da costa. A paisagem sinuosa é um registro dos bilhões de anos de história do nosso planeta, com a formação e desintegração de supercontinentes e rios e lagos que baixavam e enchiam.
“É a Disneylândia geológica dos britânicos”, diz Alex Webb, geólogo da Universidade de Hong Kong que não participou do estudo.
Diversas gerações de cientistas visitaram essa paisagem antiga, que agora é uma atração popular entre universitários que realizam visitas de campo. “Se não fosse pela covid, hoje eu estaria nos afloramentos”, diz o autor do estudo Bob Holdsworth, geólogo estrutural da Universidade de Durham.
Durante uma dessas excursões com alunos, Holdsworth e seus colegas notaram que havia algo errado com um bloco de rochas próximo da vila de Clachtoll. O rochedo faz parte do Gnaisse Lewisiano e data de três bilhões de anos atrás. Ele foi comprimido sob pressão intensa à medida que se formava, o que fez com que os minerais se alinhassem em camadas conhecidas como foliação. Em grande parte da região, essas camadas ficam na direção noroeste-sudeste. Mas as camadas do rochedo estão viradas a 90 graus.
Holdsworth e seus colegas suspeitaram que as camadas viradas e outras características curiosas das fraturas da rocha podem ter resultado de uma queda abrupta, mas eles precisavam de mais dados para fundamentar o estudo. Foi quando Killingback aceitou o desafio de pesquisar esse tema para sua tese de mestrado.
O rochedo, maior que um avião a jato, se estende em primeiro plano nesta imagem de 2010.
Coletando pistas em campo
O local do desabamento foi a viagem de campo favorita de Killingback na época em que cursava graduação. As excursões organizadas com seus colegas de classe eram sempre um desafio para Killingback, que é autista. Estar entre alunos, processar instruções rápidas e a enxurrada de estímulos sensoriais em campo eram obstáculos constantes para ele.
Contudo a viagem a Clachtoll foi diferente. Em vez de um professor guiando-os pelos pontos geológicos, ele conta que “os alunos ficaram livres para explorar — e eu gostei muito disso”.
Ele retornou ao local para realizar pesquisas para seu mestrado em setembro de 2016 e mapeou cuidadosamente a estrutura do rochedo. O vento soprava por entre as colinas e chovia, mas Killingback trabalhou em cada tarefa da forma mais eficiente que pôde antes de voltar correndo para a segurança de seu carro para revisar suas anotações e planejar os próximos passos. Mesmo estando dentro de seu veículo, os ventos marcaram presença. “Toda noite eu achava que seria carregado pelo vento”, diz ele.
Em seu último dia em campo, uma excursão de alunos de graduação lotou o local. Killingback concluiu seu trabalho enquanto o grupo explorava as rochas, em seguida voltou ao laboratório para reconstruir uma visão do passado antigo do planeta.
Uma queda destrutiva
A história geológica que Killingback e seus colegas descobriram é mais ou menos a seguinte: há cerca de 1,2 bilhão de anos, uma bacia se formava onde fica hoje a costa noroeste da Escócia. Lagos se formaram e rios passaram a correr pela região, formando camadas de rochas desordenadas e sedimentos na cor vermelha. Um forte terremoto pode ter sacudido o solo, talvez devido à expansão de terra até a bacia, e o rochedo caiu de um penhasco. Ele se virou levemente ao cair, fazendo com que suas camadas internas ficassem em um ângulo reto em relação ao restante das rochas da região.
Quando a rocha caiu, rachaduras abriram em sua parte superior e inferior. Hoje, as rachaduras estão repletas de lama vermelha e pequenas diferenças mostram evidências da queda. Os sedimentos nas fissuras do topo possuem várias camadas, sinal de que foram progressivamente depositados nas fendas ao longo do tempo. Nas rachaduras do fundo, no entanto, não há esse tipo de camadas e o preenchimento é com sedimentos mais finos, indicando uma entrada rápida resultante da força do impacto. Burberry considera esse padrão uma “prova conclusiva” do desabamento de rochas.
A rocha deslizou com o impacto, o que é evidenciado em parte por uma grande rachadura na parte frontal do rochedo, diz Killingback. A equipe também coletou pequenos núcleos da rocha e levou para o laboratório para testar a força necessária para quebrar a rocha. Esse número ajudou a determinar a que distância a rocha caiu: provavelmente cerca de 15 metros.
“Como não percebemos isso antes? Faz muito sentido”, observa a geóloga Catherine Mottram, da Universidade de Portsmouth, na Inglaterra, que leva seus alunos de graduação à região todos os anos, mas não participou da equipe de estudos. “Eu literalmente sentei naquele [rochedo] várias vezes e almocei ali mesmo.”
Histórias escondidas na rocha
Para Killingback, o maior desafio foi transformar suas ideias em um relatório por escrito — dificuldade comum para pessoas autistas. “Minha mente basicamente pensa em imagens”, diz ele. “Eu tinha toda a minha tese na cabeça... como um documentário silencioso.”
Transformar aquele filme mental em uma história escrita levou mais dois anos, diz ele. “Eu estava secretamente desejando que alguém inventasse uma tecnologia que permitisse conectar um pen drive USB na minha cabeça para fazer download de todas as informações.”
Killingback planejou estratégias, incluindo explicar as diversas partes do estudo para sua mãe e imediatamente escrever as ideias. No fim, valeu a pena, pois resultou em um estudo esclarecedor.
“É uma oportunidade única observar um processo que sabemos que está sempre acontecendo, mas raramente é possível de se encontrar preservado no registro rochoso”, diz Christopher Jackson, geólogo do Imperial College London que não participou da nova pesquisa.
Parte da diversão da geologia é o trabalho de detetive envolvido na identificação de cada pista que as rochas proporcionam. No artigo de Killingback, Webb diz, “a alegria dessa descoberta transparece em seu trabalho”.