Montanhas da Terra podem ter parado de crescer misteriosamente por um bilhão de anos

Há cerca de 1,8 bilhão de anos, a crosta continental do planeta ficou mais fina, desacelerando o fluxo de nutrientes para o mar e, possivelmente, paralisando a evolução da vida.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 21 de fev. de 2021, 08:30 BRT
Os Montes Apalaches no sudeste dos Estados Unidos estão encolhendo lentamente devido à erosão causada pelo ...

Os Montes Apalaches no sudeste dos Estados Unidos estão encolhendo lentamente devido à erosão causada pelo clima e à falta de pressão antes exercida pelas placas tectônicas de baixo para cima. Por cerca de um bilhão de anos na história da Terra, quase todas as montanhas do planeta podem ter parado de crescer, mas não se sabe ao certo o motivo exato.

Foto de Robb Kendrick, Nat Geo Image Collection

SE FOSSE possível explorar a superfície da Terra há um bilhão de anos, o mais notável seriam as características pouco notáveis do planeta. Não havia árvores, nem insetos, nem aves no céu. A única forma de vida era minúscula e rudimentar, uma mistura oceânica viscosa.

Um novo estudo publicado na revista científica Science destaca outro aspecto que poderia estar ausente na época: montanhas.

As placas tectônicas agitadas da Terra como a conhecemos hoje se deslocam continuamente, em uma dança lenta que remodela a superfície do nosso planeta. As colisões entre continentes espessam a crosta terrestre e elevam montanhas, como a Cordilheira do Himalaia, que parece subir cada vez mais alto em direção ao céu.

Mas vestígios gravados em cristais minúsculos de zirconita, formados nas profundezas da Terra, sugerem que as placas tectônicas nem sempre se comportaram da mesma forma. No período entre 1,8 e 0,8 bilhão de anos atrás — uma época apelidada de “bilhão entediante” — os continentes pareciam cada vez mais delgados. O motivo exato desse afinamento geológico permanece desconhecido. Mas em sua forma mais delgada, a superfície terrestre era cerca de um terço mais fina do que atualmente, uma mudança que, conforme sugerem os pesquisadores, pode ter sido causada em parte por uma desaceleração no movimento das placas tectônicas.

Os pesquisadores também supõem que essa crosta fina possa ter atrasado a evolução da vida como a conhecemos. As montanhas pequenas teriam retardado a erosão das rochas do planeta, limitando o suprimento de nutrientes vitais às criaturas dos oceanos.

“Aquela foi uma época de fome nos oceanos”, afirma Ming Tang, geoquímico da Universidade de Pequim, China, e autor principal do estudo recente. Mas logo depois que os continentes voltaram a ficar mais espessos, uma onda de nutrientes pareceu conduzir a evolução a uma vida cada vez mais ampla e complexa.

“O artigo traz mais perguntas do que respostas”, afirma Christopher Spencer, geoquímico especializado em placas tectônicas da Queen’s University, no Canadá. Mas de forma geral, segundo ele, o estudo pode servir de ferramenta para compreender melhor o surgimento de nosso mundo moderno.

Interpretando as rochas

Tang analisava rochas de granito do Himalaia, ao sul do Tibete, quando percebeu um padrão intrigante de zirconita em seus cristais. Essas minúsculas cápsulas do tempo se formam à medida que o magma esfria dentro da Terra, registrando as impressões digitais químicas de condições antigas de nosso planeta — e são quase indestrutíveis. Os pesquisadores encontraram zirconitas formadas logo após o nascimento da Terra, há quase 4,4 bilhões de anos.

Tang notou que a composição química dos cristais de zirconita nas amostras tibetanas mudava em função da espessura continental na época da formação de suas rochas originais.

Anteriormente, os cientistas haviam calculado a espessura continental determinando as quantidades relativas dos elementos lantânio e itérbio nas rochas, explica Tang. Mas usar a própria rocha para vislumbrar o passado é difícil porque restaram poucas rochas inteiras desde os primórdios da Terra, deixando lacunas na história geológica.

“Seria como ler um romance com somente 25% da história em mãos”, ilustra Peter Cawood, geólogo da Universidade Monash,na Austrália, que não participou do estudo. A resistência das zirconitas, entretanto, permite aos cientistas vislumbrarem uma história muito mais completa do passado do nosso planeta.

Tang e sua equipe desenvolveram uma nova forma de uso de zirconita para estimar a espessura continental: verificaram que a quantidade do elemento európio nos cristais mudava de forma concomitante à espessura, mensurada utilizando métodos químicos anteriores de análise de rochas.

Tang e sua equipe publicaram seu novo modelo no ano passado, no periódico Geology, e imediatamente começaram a aplicar essa nova ferramenta. Eles reuniram dados de zirconitas estudadas anteriormente em todo o mundo — mais de 14 mil ao todo — e desenvolveram gráficos com as mudanças químicas ocorridas ao longo do tempo. Um padrão impressionante foi observado: um estreitamento constante da crosta durante o chamado ‘bilhão entediante’.

“Não era um resultado que esperávamos ver”, afirma Tang, referindo-se ao padrão. O afinamento coincidia com o desaparecimento de muitos outros marcadores da formação de montanhas antigas que haviam sido identificados anteriormente no registro de rochas. A composição do estrôncio, relacionada à erosão, havia sido alterada drasticamente. Da mesma forma, os elementos molibdênio e urânio praticamente desapareceram das rochas marinhas. E as rochas ricas em fósforo se tornaram escassas.

“Tudo isso pode ser explicado por nosso modelo com continentes muito mais planos”, observa Tang.

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Gelatina continental

Embora não se saiba ao certo o processo responsável por essa redução, Tang e seus colegas afirmam que a mudança pode ter sido originada, em parte, por uma desaceleração nas placas tectônicas. Sem o deslocamento ascendente contínuo, os picos das montanhas se achatariam lentamente com a erosão do vento e da água nas rochas.

A equipe sugere que essa desaceleração foi o resultado de mudanças na distribuição de calor na superfície da Terra durante o bilhão entediante, quando os continentes estavam agrupados em um único supercontinente.

O supercontinente conhecido como Nuna começou a se formar há cerca de 2,1 bilhões de anos. Então, após um pequeno rearranjo, o supercontinente conhecido como Rodínia tomou forma, tendo origem há cerca de 1,2 bilhão de anos e durando quase meio bilhão de anos a mais. Por mais de uma era, a massa terrestre formou uma cobertura quase ininterrupta sobre uma grande faixa do planeta, aprisionando o calor abaixo da superfície.

Tang sugere que o excesso de calor abaixo do supercontinente também produziria um resfriamento sob a crosta oceânica, afetando o deslocamento das placas tectônicas.

O tecnonismo lento, no entanto, não condiz completamente com os registros geológicos, segundo Spencer, da Queen’s University. Embora as placas não estivessem muito agitadas ao redor do globo, ainda havia atividade magmática; cerca de 40% da América do Norte se formou durante esse período. Se formos traçar uma linha entre o sul da Califórnia e Labrador, tudo o que está a sudeste se formou entre 1,8 e 1 bilhão de anos atrás, conta Spencer — e isso não poderia ter acontecido sem atividades tectônicas intensas.

Além da desaceleração tectônica, a noção de uma cobertura do supercontinente levanta outra hipótese: o excesso de calor acumulado por baixo poderia ter enfraquecido as rochas acima. Esse fenômeno causaria um achatamento da superfície, pois as rochas quentes não suportariam cordilheiras altas.

“É como uma gelatina”, explica Cawood. Enquanto é mantida fria, ela mantém seu formato. Se aquecer, começa a se desfazer.

“Acredito que essa seja a ideia central do estudo”, afirma Spencer. Talvez o afinamento da crosta não se deva tanto a uma redução nos movimentos tectônicos que formam as montanhas, mas a uma mudança no funcionamento desses processos.

A combinação de excesso de calor e uma crosta fina poderia explicar um conjunto incomum de rochas formadas durante as colisões que produziram Rodínia, conta Andrew Smye, geólogo metamórfico da Universidade Estadual da Pensilvânia, que não participou do estudo. Essas rochas parecem ter se formado a temperaturas mais elevadas do que o esperado para sua profundidade — mas uma crosta quente e delgada poderia explicar isso.

Embora Tang argumente que tanto a intermitência tectônica quanto a crosta enfraquecida provavelmente tenham entrado em ação, ele afirma que ainda faltam muitos conhecimentos sobre como teria sido nosso planeta eras atrás. A pesquisa de sua equipe torna ainda mais intrigante o bilhão entediante e ressalta uma questão levantada anteriormente por alguns cientistas: talvez essa época não tenha sido tão monótona quanto se pensa.

“Não considero que tenha sido entediante. Não foi calma nem tranquila”, prossegue Cawood, que sugere trocar o apelido para “Idade Média”. Mas ele ressalta que o nome é irrelevante: o importante é que o período foi bastante distinto.

“É evidente que algo interessante ocorreu nessa época”, afirma Smye.

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