O que sabemos até agora sobre os esforços para vacinar crianças

Especialistas dizem que as crianças precisam ser vacinadas a fim de reduzir a capacidade de propagação do vírus.

Por Tara Haelle
Publicado 9 de abr. de 2021, 07:15 BRT
kids vaccine

Monserat, de 3 anos, observa a agulha enquanto seus avós são vacinados em uma clínica administrada pela MLK Community Healthcare na região sul de Los Angeles, Califórnia, EUA, na sexta-feira, 5 de março.

Foto de Francine Orr, Los Angeles Times via Getty Images

Milhões de pais deram um suspiro coletivo de alívio recentemente, quando os resultados preliminares dos ensaios clínicos da vacina contra a covid-19 da Pfizer/BioNTech em jovens de 12 a 15 anos revelaram o que muitos esperavam: a vacina também é eficaz em adolescentes.

Com quase um terço dos EUA já tendo recebido pelo menos uma dose da vacina contra covid-19 e mais de 2 milhões de vacinações ocorrendo diariamente, a nuvem de ansiedade que assolou o país no ano passado finalmente começa a se dissipar. O fim da pandemia está próximo. A imunidade coletiva — o ponto em que transmissões param de ocorrer porque o vírus não tem hospedeiros suscetíveis suficientes para infectar — agora parece uma possibilidade real. Mas tem um porém: as crianças precisam ser vacinadas.

“O fato de as crianças estarem apresentando uma resposta sólida à vacina é algo muito positivo e um bom indício de que, com sorte, veremos os mesmos resultados quando os testes das vacinas forem realizados em grupos com idade inferior”, declara Nayak.

As crianças representam cerca de 22% da população dos Estados Unidos, e a imunidade dessa população é crucial para atingir um limite nacional de imunidade, que os especialistas estimam variar de 70% a 90%, explica Tara C. Smith, epidemiologista da Universidade Estadual de Kent, em Ohio.

Mesmo se os Estados Unidos alcançassem essa faixa sem as crianças, a doença continuaria se espalhando porque o que importa é a imunidade coletiva em nível local, não nacional, explica Dominique Heinke, pesquisador de pós-doutorado e epidemiologista na Carolina do Norte. Mesmo em uma população com altas taxas de vacinação, pessoas não vacinadas interagindo e se aglomerando permitem que o vírus continue a circular, especialmente se elas se reunirem em lugares fechados, sem máscaras ou distanciamento social.

“É exatamente isso que vemos nas estruturas sociais das crianças”, diz Heinke. “Mesmo se chegarmos a níveis de ‘imunidade de rebanho’ para adultos, se as crianças não estiverem imunes, seja por imunidade natural ou por vacinação, essas cadeias de transmissão não serão quebradas e teremos um grupo inteiro de indivíduos suscetíveis pelo qual o vírus pode continuar sendo transmitido.”

Quanto mais a transmissão continua, mais o vírus se replica e evolui, e mais oportunidades ele tem de desenvolver mutações. “Minha maior preocupação é o surgimento de novas variantes”, explica Smith. “Diversas já foram descobertas, e estou preocupado que existam mais variantes que a imunidade não possa combater. Eu suspeito que veremos as crianças se tornando uma população mais proeminente para propagação do vírus à medida que mais adultos forem protegidos pela vacinação.”

Variantes podem manter o vírus circulando

As variantes originadas na África do Sul (B.1.351) e no Brasil (P.1) podem infectar pessoas com imunidade adquirida por infecções anteriores, explica Vaughn Cooper, microbiologista e geneticista molecular da Universidade de Pittsburgh.

“Isso basicamente cria maiores chances de mais infecções em adultos e mais oportunidades de transmissão e subsequente evolução”, diz Cooper. “Para lidar com um problema evolutivo, é preciso lidar com a quantidade de eventos evolutivos. Não vamos conseguir parar isso até que paremos a transmissão entre as crianças.”

Cooper também se preocupa que a variante B.1.1.7, do Reino Unido, que pode ser de 43% a 90% mais contagiosa, e outras semelhantes se tornem os vírus predominantes nos Estados Unidos devido à sua maior facilidade de propagação. Uma vez que a imunidade coletiva é baseada no número de reprodução — o número médio de infecções resultantes de uma só pessoa infectada — uma variante mais contagiosa também pode aumentar o nível de imunidade coletiva necessário para interromper a transmissão, explica Smith.

Adultos não vacinados e imunocomprometidos continuariam, portanto, com risco de evoluir para o estado grave da doença e morte. E o risco também não é nulo para crianças.

Falta de testes de vacinas em crianças

Estima-se que 3,4 milhões de infecções tenham ocorrido em crianças, de acordo com a Academia Americana de Pediatria, o que representa mais de 13% de todos os casos nos Estados Unidos. O risco de morte em crianças infectadas com covid-19 é extremamente baixo — menos de 0,03% — e a complicação mais comum, a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica, também é rara, com pouco mais de 2,6 mil casos e 33 mortes até o final de fevereiro. Mas esses números vão aumentar à medida que as crianças constituírem uma proporção cada vez maior das infecções.

Daí a frustração entre alguns especialistas por ter demorado tanto para se iniciar os testes de vacinas pediátricas.

“O mais difícil do ponto de vista de um pediatra e dos pais é que ficamos tão entusiasmados com a vacina contra a covid-19 e o que ela significa para nossas vidas, que acabamos deixando as crianças de fora dessa celebração e entusiasmo”, declara Heard-Garris, pediatra responsável do hospital Lurie Children's em Chicago e professora assistente de pediatria na Faculdade de Medicina Feinberg, na Universidade Northwestern. “Estamos atrasados para a comemoração. Devíamos ter pensado em incluir as crianças desde o começo.”

Além dos ensaios clínicos em adolescentes, a Pfizer também está testando sua vacina em 4,5 mil crianças de 6 meses a 11 anos de idade. A Moderna está realizando um teste com adolescentes e começou a recrutar 6,7 mil participantes com idades entre 6 meses e 11 anos para um segundo teste. A AstraZeneca iniciou um teste no mês passado para crianças com idade entre 6 e 17 anos, e a Johnson & Johnson está planejando um ensaio clínico pediátrico.

Embora haja uma boa chance de a Food and Drug Administration (FDA, na sigla em inglês, agência norte-americana responsável pela regulamentação de alimentos e medicamentos) autorizar a vacina Pfizer/BioNTech para essa faixa etária antes do início das aulas nos Estados Unidos (entre agosto e setembro), os resultados dos outros ensaios clínicos provavelmente não estarão prontos até pelo menos o último trimestre de 2021.

“O que me preocupa é que nós não vamos distribuir essas vacinas para as crianças rápido o suficiente”, declara Sallie Permar, chefe de pediatria da Faculdade de Medicina Weill Cornell e do Hospital Infantil Presbiteriano Komansky de Nova York. “Vamos tentar trazê-las de volta a suas escolas e suas vidas normais, o que é necessário porque estamos com uma crise nas mãos em termos de saúde mental e obesidade e tudo mais que veio com o isolamento social e o fechamento dos locais públicos. Elas podem não estar apresentando casos graves de covid-19, mas estão apresentando sintomas do isolamento social em atendimentos do sistema de saúde.”

Riscos do isolamento social em comparação com o risco de doenças

O retorno à escola antes que as vacinas estejam disponíveis para todas as crianças é uma decisão difícil para as comunidades e famílias. Especialistas em pediatria concordam que o retorno às aulas presenciais no segundo semestre deste ano deve ser uma prioridade.

Joelle Simpson, chefe da divisão interina de medicina de emergência do Hospital Infantil Nacional em Washington, D.C., reitera que as crianças precisam frequentar as salas de aula no ano que vem, independente de terem sido vacinadas antes do início das aulas. Ela reconhece o quanto os pesquisadores ainda não sabem sobre infecções por covid-19 em crianças, incluindo possíveis efeitos a longo prazo. Mas as evidências são claras quanto ao impacto negativo na saúde mental, na socialização e no desenvolvimento das crianças quando elas não estão em um ambiente escolar.

“Estamos vendo um aumento nos casos de problemas graves de saúde mental, bem como em crianças que sofrem lesões por abuso, seja ele mental ou físico”, declara Simpson. “Nosso sistema escolar nos permite ter profissionais treinados para identificar crianças com problemas como distúrbios de aprendizagem, abusos e condições crônicas, o que francamente não pode acontecer quando elas estão em casa.”

Pesquisas mostraram que usar máscaras e manter distância de um metro de outras pessoas funciona bem para prevenir infecções, explica Permar. Mas ainda restam dúvidas sobre a capacidade de todas as escolas implementarem essas medidas e como as autoridades responderão quando ocorrerem infecções.

“Seria ótimo se todas as escolas tivessem os recursos necessários para receber os alunos presencialmente cinco dias por semana e também oferecerem opções virtuais para pais ou responsáveis que não se sentissem confortáveis em mandar seus filhos à escola”, diz Heard-Garris. “Eu não acho que isso vai ser uma realidade. Se tivermos aumentos nas taxas de infecção, as escolas voltarão a fechar, deixando as crianças em casa novamente, piorando o isolamento e a solidão. Se nossos filhos não receberem a vacina ou nós não atingirmos a imunidade coletiva, receio que esses impactos fiquem cada vez maiores.”

As comunidades precisarão encontrar um equilíbrio entre os benefícios substanciais de aulas e atividades presenciais e o risco de infecção naquela região e em populações individuais, explica Christopher Golden, professor associado de pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins.

“Não vimos nenhum aumento no número de crianças que tiveram infecções graves, mas há populações que podem estar em risco”, diz Golden. “Fizemos um trabalho muito importante de manter as pessoas isoladas e em quarentena, mas ainda vimos que crianças afro-americanas, latinas e com doenças crônicas correm maior risco, então, se tudo voltar a abrir, há a possibilidade de que as infecções possam aumentar e ser mais severas em populações de risco.”

Desigualdade na distribuição das vacinas pode piorar disparidades

Mesmo quando as vacinas pediátricas se tornarem disponíveis, as disparidades em algumas dessas populações vulneráveis podem aumentar.

“É preocupante”, explica Heard-Garris, porque muitas cidades já não estão distribuindo as vacinas de forma igualitária às populações de minorias raciais e étnicas sob maior risco. “Uma das coisas com que nos preocupamos quando falamos sobre equidade é que é possível aumentar as disparidades inadvertidamente por meio de certas intervenções, como a oferta de uma vacina que uma grande população não pode obter ou sobre a qual está preocupada.”

Especialistas também se preocupam com a desconfiança da vacina entre os pais, especialmente porque nenhuma vacina anterior aprovada para crianças com mais de 2 anos atingiu taxas de cobertura de mais de 50%, explica Permar. Quanto mais tempo levar para disponibilizar a vacina para as crianças, mais tempo levará para lidar com essa desconfiança e, por fim, vacinar crianças suficientes para avançar em direção à imunidade coletiva.

“Esse vírus nunca irá embora, mas acho que a pandemia, a situação em que estamos agora, terá consequências longas e dolorosas — por muitos anos — se não vacinarmos as crianças”, declara Cooper.

Então, até que a vacinação generalizada das crianças possibilite o retorno às salas de aula normalmente, o restante do país também não voltará ao normal.

“Ainda serão necessárias muitas medidas de atenuação em vigor”, diz Heinke. “Ainda precisaremos usar máscaras, manter o distanciamento, provavelmente limitar o número de pessoas nos prédios, e a ventilação ainda será muito importante. Até certo ponto, os indivíduos poderão viver uma vida mais normal se forem vacinados, mas a sociedade como um todo não será capaz de voltar ao normal sem vacinar as crianças.”

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