Beber água reduz os efeitos colaterais da vacina contra a covid-19?

Uma boa hidratação pode ajudar a evitar a contaminação pela covid-19. Mas cientistas não sabem exatamente como e por que beber água antes de receber uma vacina pode alterar a reação do sistema imunológico.

Por Emily Sohn
Publicado 19 de mai. de 2021, 17:00 BRT
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Profissional de saúde prepara seringas com vacinas contra a covid-19 da Pfizer e da Moderna antes de aplicá-las.

Foto de Allen J. Schaben, Los Angeles Times via Getty Images

O conselho vem de vizinhos, artigos de revistas, sites de clínicas e até de enfermeiras: beba muita água antes e depois tomar a vacina contra a covid-19 para ajudar a evitar efeitos colaterais.

O problema: não há evidências de que beber mais água ajude a evitar dores no local da injeção, no corpo, ou febre, reações que algumas pessoas apresentam depois de receber a vacina contra a covid-19.

Beber muita água também não reduzirá as chances de desmaios para pessoas que têm fobia de agulhas.

Eis o que sabemos sobre como a água pode influenciar a reação à vacina e a saúde em geral, com base nas evidências disponíveis.

Vacinação e água

Cientistas não conduziram estudos clínicos randomizados para verificar como o ato de beber — ou não beber — água antes de receber uma vacina pode afetar os níveis de anticorpos ou outras reações do sistema imunológico. Essa é uma questão complicada de resolver, em parte porque a resposta imune segue dois caminhos principais: a longo prazo, ajuda o corpo a produzir defesas duradouras contra o vírus e, a curto prazo, a vacina também causa a resposta imune “inata”, que é responsável pelos efeitos colaterais que algumas pessoas sentem após tomarem vacinas. Os pesquisadores têm opiniões conflitantes sobre o papel da água nesses processos.

Estudos feitos com sapos (um parente distante dos humanos) sugerem que a desidratação extrema pode suprimir o sistema imunológico, dificultando a comunicação entre as células, afirma Sonia Sharma, imunologista do Instituto de Imunologia La Jolla, na Califórnia. Em humanos, a desidratação pode ser um entre vários fatores de estresse e maus hábitos relacionados à saúde que atrasam a produção de anticorpos, ela acrescenta. E algumas pesquisas sugerem que as pessoas sentem mais dor quando estão desidratadas, conta Jodi Stookey, antiga epidemiologista nutricional no Instituto de Pesquisa do Hospital Infantil de Oakland, na Califórnia.

Mas estudos mostram que beber água em excesso também apresenta um risco para a saúde, causando queda nos níveis de sódio e resultando em dores de cabeça, fadiga, convulsões e até mesmo morte. Muitos especialistas argumentam que, fora de contextos como calor em excesso ou exercícios de resistência, adultos saudáveis obtêm com facilidade uma quantidade suficiente de líquidos através de alimentos e bebidas — mesmo que se sintam indispostos durante um ou dois dias após a aplicação da vacina.

E embora a água seja útil na prevenção de cálculos renais e infecções urinárias recorrentes, para pessoas que tentam aumentar a resposta do sistema imunológico ao mesmo tempo em que minimizam os efeitos colaterais, é improvável que a água resolva o problema sozinha. “A água não é uma solução mágica que vai gerar a melhor resposta do sistema imunológico”, afirma Sharma. “Ela é parte do conjunto de hábitos saudáveis que promovem um sistema imunológico saudável.”

Pesquisas com atletas de resistência levantam dúvidas sobre o potencial da água em influenciar o sistema imunológico. Sabe-se que exercícios prolongados, como corridas de maratona, causam um aumento nos hormônios do estresse, que podem reduzir a função dos glóbulos brancos por várias horas e fazer com que os corredores fiquem mais suscetíveis a adoecer logo após um longo esforço, explica Michael Gleeson, professor emérito de bioquímica dos exercícios na Universidade de Loughborough, no Reino Unido, que estuda nutrição e resposta imune relacionada aos exercícios.

Os glóbulos brancos incluem os linfócitos T e B, que são responsáveis por localizar agentes infecciosos, formular uma defesa e desenvolver anticorpos que reconhecem e memorizam esses agentes infecciosos. No entanto, quando os pesquisadores pediram para os atletas beberam mais água e manterem a hidratação durante as corridas, o sistema imunológico deles mostrou o mesmo nível de supressão comparado com corredores que ficaram desidratados.

“A ideia de que beber muita água pode ajudar a evitar os efeitos colaterais da vacina contra a covid-19 é incoerente”, diz Gleeson. “A água não influencia as funções do sistema imunológico.”

Também é pouco provável que beber água ajudará a evitar desmaios. Cerca de uma em cada mil doses de vacina administradas desencadeiam uma reação vasovagal que causa tontura e, às vezes, desmaio nos primeiros 15 minutos após a injeção. Com base na evidência de que as pessoas têm menos probabilidade de desmaiar se beberem água antes de doar sangue, Alex Kemper, chefe do departamento de cuidados primários de pediatria no Hospital Infantil Nationwide, em Columbus, no estado de Ohio, solicitou que centenas de pessoas, com idades entre 11 e 21 anos, bebessem até dois copos de água uma hora antes de tomaram uma vacina, ou que tomassem água como de costume. Ele descobriu que a maior ingestão de água não alterou a probabilidade de tontura ou sensação de desmaio. “A conclusão é que a água não fez diferença”, afirmou Kemper.

Motivação para a vacina

Perguntas sobre hidratação e reações à vacina se encaixam em um conjunto maior de questões relacionadas à quantidade de água que precisamos ingerir, como medir a desidratação e se precisamos ser intencionais em relação à ingestão de água em geral. Dados sugerem que adultos mais velhos são mais vulneráveis à desidratação crônica, mas ainda não está claro o quanto isso é comum.

Como avaliar seu próprio estado de hidratação também é uma questão em debate. De acordo com Kemper, sentir sede pode ser suficiente. “Milhões de anos de evolução fizeram com que as pessoas bebam água quando elas realmente precisam”, ele explica. “Em um dia normal, a vontade inata de beber quando se está com sede é suficiente. E, provavelmente, o mesmo raciocínio é válido para o dia da vacina.”

Dadas as incertezas, o conselho de beber água pode estar relacionado ao desejo de uma sensação de controle. É algo simples e fácil de fazer, e alguns especialistas consideram o conselho de se hidratar antes da vacina inofensivo e até mesmo benéfico, se ajudar a motivar as pessoas a tomá-la. “Quanto mais pessoas pudermos vacinar, melhor, e se as pessoas quiserem beber água, com certeza isso não vai fazer mal”, conclui Kemper. “As pessoas acreditam muito no benefício da água, e se isso as faz se sentirem melhor, qual é o problema?”

Porém, outros temem que, se beber água não traz nenhum resultado, encorajar o uso do que pode ser considerado um placebo pode cultivar desconfiança no sistema de saúde e sugerir que os efeitos colaterais normais são algo com que se preocupar. Ceder a modismos não-científicos relacionados à saúde pode prejudicar a credibilidade dos profissionais da área, acrescenta Christopher Labos, cardiologista e epidemiologista do centro de saúde Queen Elizabeth Health Complex , em Montreal.

Na opinião dele, aconselhar as pessoas a beber água é mais indiferente que dizer: “olha, é apenas uma dor no braço. Vai passar, aguente mais um pouco”, diz Labos, que já escreveu sobre mitos relacionados à ingestão de água. “Embora seja mais difícil no curto prazo, provavelmente no longo prazo seja melhor simplesmente ser honesto com as pessoas e dizer a elas que essa não é uma questão de saúde importante.”

Em sua rotina como médico, conta Labos, muitos pacientes perguntam sobre o que eles devem consumir ou evitar ao tomar a vacina. “Nenhum alimento, bebida ou medicamento irá interferir na vacina”, ele afirma. “Quando for a sua vez de se vacinar, simplesmente vá.”

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