Radiografias de crânio de dinossauro revelam pistas sobre seu voo e comunicação

Imagens de raios X revelam como esses animais primitivos se movimentavam pelo mundo, como era sua visão e audição e até mesmo como provavelmente era o canto de seus filhotes.

O dinossauro do gênero Shuvuuia, que viveu durante o período Cretáceo na região atual da Mongólia, possuía olhos e ouvidos que sugerem que fosse um caçador noturno.

Foto de Viktor Radermaker (Ilustração)
Por Riley Black
Publicado 15 de jun. de 2021, 16:00 BRT

É a era de ouro da paleontologia: nos últimos anos, cientistas reuniram uma infinidade de indícios sobre a aparência e a vida dos dinossauros, como impressionantes reconstituições de fósseis, pegadas preservadas e marcas de mordidas em ossos. Agora, os paleontólogos demonstram que algumas das informações mais surpreendentes sobre o comportamento desses animais extintos estão guardadas no interior de seus crânios.

Dois estudos publicados na revista científica Science detalham uma técnica que emprega imagens de raios X para estudar as órbitas oculares e ouvidos internos preservados de dinossauros e de outros répteis pré-históricos. Essas imagens permitem que os paleontólogos saibam mais sobre aspectos da vida dos dinossauros que, de outra forma, poderiam ter se perdido no tempo.

“O formato do ouvido interno sempre esteve relacionado ao estilo de vida e ao comportamento de um animal”, afirma Julia Schwab, paleontóloga da Universidade de Edimburgo, que não participou da pesquisa. Por exemplo, o ouvido interno humano nos permite ouvir sons dentro de uma faixa de frequência específica, desde a queda de uma folha até um trovão, e o formato do ouvido interno está associado ao senso de equilíbrio de nossa espécie bípede.

A evolução dos crânios de dinossauros os tornou espessos para protegerem o cérebro e as estruturas associadas, como os canais tubulares do ouvido interno, o que manteve esses preciosos vestígios intactos por milhões de anos. Mas esses ossos protetores dificultam a visualização das estruturas contidas em seu interior. Por esse motivo, a equipe de um dos estudos, liderada por Michael Hanson, pós-graduando da Universidade de Yale, e Bhart-Anjan Bhullar, seu orientador, fez uma série de radiografias de 124 arcossauros — grupo que compreende dinossauros, outros répteis antigos, crocodilianos e as aves modernas — abrangendo um período compreendido entre 252 milhões de anos atrás e os dias atuais.

Os resultados forneceram mais informações do que era esperado pelos paleontólogos. Ao identificar padrões nas estruturas dos olhos e ouvidos internos dos animais, os pesquisadores conseguiram reunir novas informações sobre a visão dos dinossauros e para que tipo de movimentação seus ouvidos internos estavam ajustados, o que revela outra maneira de acompanhar a evolução do voo dos dinossauros e, por extensão, de seus descendentes modernos: as aves.

Além disso, os resultados de ambos os estudos apresentam indícios extremamente raros sobre os sons emitidos por dinossauros. A vocalização de dinossauros é notoriamente difícil de se reconstituir. Os órgãos produtores de sons de seus corpos em geral se deterioram logo após a morte, e relativamente poucas espécies dispunham de características ósseas relacionadas ao som. Mas a anatomia do ouvido interno de um dinossauro fornece algumas informações sobre a audição dos animais e, assim, sobre quais sons poderiam emitir.

“Para ser franco, nunca imaginei que teríamos a chance de desvendar as vocalizações dos dinossauros”, conta Bhullar.

Crânio perfeito para o voo

Para sua pesquisa, Bhullar e sua equipe examinaram radiografias de uma ampla gama de espécies, incluindo terópodes como o Velociraptor e um animal com patas curtas denominado Shuvuuia; répteis não-dinossauros, como os pterossauros; aves extintas que possuíam dentes, como as do gênero Hesperornis; e as aves e crocodilos modernos para fins de comparação.

Quando os paleontólogos analisaram imagens de troodontes, dinossauros com garras curvas que prosperaram durante o período Cretáceo entre 145 e 66 milhões de anos atrás, descobriram que esses dinossauros possuíam ouvidos internos semelhantes às das primeiras aves voadoras do período Jurássico anterior, iniciado há 201 milhões de anos, o que foi uma surpresa, já que a maioria dos troodontes conhecidos eram dinossauros terrestres que não voavam.

Porém as semelhanças no ouvido interno revelam uma característica evolutiva necessária em criaturas voadoras, levantando novas questões sobre como o voo evoluiu.

Bhullar levanta a hipótese de que os troodontes, cujo tamanho se assemelhava ao de perus, herdaram ouvidos adequados para voar de um ancestral anterior comum com as aves — talvez um dinossauro voador, semelhante a espécies emplumadas como o Anchiornis, que viveu há 165 milhões de anos. Além disso, um ouvido interno adaptado a movimentos complexos de voo, que auxiliasse no equilíbrio dos animais no ar, poderia ter outras utilidades em terra.

“Acredito que até mesmo dinossauros não voadores com parentesco próximo com as aves se movimentavam de maneiras complexas”, como escaladas em árvores ou subidas em ladeiras correndo, conta Bhullar. Em dinossauros com parentesco próximo com as aves, esses comportamentos podem ter contribuído para que o ouvido interno se desenvolvesse de forma a permitir o voo — uma atividade que requer controle dos membros e movimentos complexos.

Perseguidores noturnos

No entanto nem todos os dinossauros semelhantes a aves se movimentavam como seus parentes aviários. Os pesquisadores constataram que alguns dinossauros se movimentavam e provavelmente caçavam de maneiras inesperadas do ponto de vista paleontológico.

Por exemplo, o Shuvuuia, dinossauro do tamanho de um peru, há muito tempo é um mistério para os paleontólogos. Conhecido por suas patas curtas com grandes garras únicas e mandíbulas sem dentes ou quase sem dentes, esse gênero pertence a um grupo de terópodes bípedes denominados alvarezssauros. Bhullar e seus colegas ficaram surpresos ao descobrir que o Shuvuuia possui um ouvido interno semelhante ao de animais de quatro patas com locomoção relativamente simples.

O segundo estudo da revista científica Science pode oferecer mais informações sobre o ouvido interno peculiar do Shuvuuia. Esse estudo examinou os ouvidos internos e os olhos de dinossauros para ter uma noção do comportamento desses animais extintos.

“Os dois estudos são complementares”, afirma Lars Schmitz, autor do estudo e biólogo do Museu de História Natural do Condado de Los Angeles — e, juntos, indicam que o Shuvuuia era de fato um dinossauro incomum.

O Shuvuuia possuía canais longos no ouvido interno, o que ampliava o alcance da audição do dinossauro. Schmitz e seus colegas acreditam que esse dinossauro tinha audição excelente, comparável à capacidade auditiva das atuais suindaras. Tal audição precisa, aliada aos olhos grandes do Shuvuuia, sugere que esse dinossauro era ativo à noite.

Não está claro exatamente o que o Shuvuuia caçava — talvez mamíferos pequenos ou insetos sociais como formigas. Mas Schmitz destaca que há inúmeros motivos pelos quais um dinossauro pode ter evoluído uma propensão às horas mais escuras. “Tamanho do corpo, alimentação, clima, competição”, todos esses fatores importam, observa Schmitz.

Canto do dinossauro

As novas análises também levaram a uma maior compreensão da comunicação entre esses animais. Os pesquisadores concluíram que os ancestrais e os parentes primitivos dos dinossauros desenvolveram uma região mais longa no ouvido interno denominada cóclea, associada à audição de sons de alta frequência.

A razão mais provável, segundo os paleontólogos, é que essa adaptação permitiu que animais adultos ouvissem guinchos e chamados de seus filhotes, semelhante aos cuidados zelosos dos crocodilos e jacarés dos dias atuais para com os filhotes. As habilidades vocais dos pássaros canoros de hoje, portanto, podem ter origem nos guinchos emitidos por répteis minúsculos e escamosos ao eclodir dos ovos há mais de 200 milhões de anos.

“Estamos propensos a acreditar que o canto dos pássaros modernos, em toda sua glória e suavidade, é uma reminiscência em adultos de gorjeios agudos juvenis”, afirma Bhullar.

Essa abundância de informações sobre o comportamento de dinossauros, viabilizada pelo exame de crânios fossilizados, é proporcionada pelos rápidos avanços tecnológicos nos estudos do passado pré-histórico.

“Acredito que a disponibilidade de técnicas modernas de imagem e representação visual contribua para essa abundância de informações”, conta Schmitz, acrescentando que as descobertas sobre os sistemas sensoriais dos animais modernos também podem ajudar paleontólogos a examinar e compreender melhor a anatomia e o comportamento de espécies extintas, o que significa que, até mesmo quando animais da atualidade revelam o que já se sabe sobre dinossauros, os dinossauros mudam nosso olhar sobre as criaturas ao nosso redor.

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