Covid-19 matou mais de cinco milhões de pessoas no mundo– e pandemia está longe de acabar
Pesquisadores dizem que, caso vacinas não sejam distribuídas rapidamente, o número de mortos e danos colaterais aumentará.
Vista aérea do Cemitério Público de Rorotan para vítimas de covid-19, no bairro de Cilincing, na cidade de Jacarta do Norte, na Indonésia, em 21 de julho de 2021. Esse cemitério foi inaugurado em março e tem capacidade para 7,2 mil corpos, mas está ficando sem vagas rapidamente. O governo de Jacarta planeja uma ampliação do espaço, já que a Indonésia está se tornando o novo epicentro da pandemia.
A covid-19 já causou a morte de mais de cinco milhões de pessoas em todo o mundo, marco assustador de uma série que parece interminável. Em muitos países, incluindo os Estados Unidos, a covid-19 é atualmente uma das principais causas de morte, ao lado de doenças cardíacas e acidente vascular cerebral. Mesmo assim, especialistas dizem que o verdadeiro número de vítimas da pandemia é provavelmente muito maior.
“É bem possível que o número de mortes seja o dobro do declarado”, afirma Amber D’Souza, professora de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg. “Mas cinco milhões é um número impressionante por si só. Nenhum país conseguiu escapar dessa doença.”
D’Souza e outros especialistas concordam que o registro global oficial apresenta apenas os casos confirmados em cada país — e os padrões de notificação de mortes variam amplamente entre os países. Alguns países não têm estrutura para realizar os protocolos de teste necessários para diagnosticar os casos; outros podem não contabilizar as vítimas que faleceram por complicações causadas pela covid-19. Além disso, em muitos lugares há pessoas que estão morrendo em casa por não terem acesso a atendimento médico e, por isso, não são contabilizadas no número oficial de mortos.
Os registros oficiais também não levam em consideração o grande número de desdobramentos clínicos ocasionados pela covid-19. Em todo o mundo, pessoas doentes têm evitado procurar atendimento por medo de serem infectadas, além disso, os países desviaram recursos de outras prioridades críticas da área da saúde. Por exemplo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que a taxa de mortes por tuberculose aumentou pela primeira vez em uma década.
E embora as taxas de mortalidade estejam diminuindo após o aumento impulsionado pela variante Delta, elas permanecem incrivelmente elevadas e provavelmente continuarão em alta.
“Milhares de norte-americanos morreram no mês passado”, diz D’Souza, acrescentando que esses números são um lembrete de quantas pessoas ainda estão perdendo suas vidas quase dois anos após o início da pandemia, apesar da disponibilidade de vacinas altamente eficazes nos Estados Unidos. Ela ainda ressalta que a maioria da população mundial continua não vacinada — e vulnerável.
Quem está morrendo, onde e por quê
Os dados globais de mortalidade mostram que as Américas e a Europa foram atingidas de maneira implacável pela pandemia. O Peru tem a maior taxa de mortalidade por covid-19 do mundo, com 615 mortes por 100 mil pessoas. Bósnia e Herzegovina, Macedônia do Norte, Montenegro, Bulgária e Hungria são os próximos na lista de taxas de mortalidade mais altas: todos esses países registram mais de 300 mortes a cada 100 mil pessoas.
Enquanto isso, os Estados Unidos registram o maior número de mortes em geral, com mais de 741 mil vidas perdidas desde o início da pandemia, seguidos pelo Brasil (mais de 600 mil mortes) e Índia (mais de 450 mil mortes). Vários outros países têm uma classificação elevada tanto em mortes gerais quanto em taxa de mortalidade, como México, Reino Unido, Itália e Colômbia.
Rebecca Martin, vice-presidente de saúde global e diretora do Instituto de Saúde Global Emory, da Universidade de Emory, explica que grande parte da calamidade sanitária vivenciada nos Estados Unidos e em partes da Europa se deve ao fato de que suas populações tendem a ser mais idosas e com maior número de doenças subjacentes, como diabetes e hipertensão, que tornam a covid-19 ainda mais letal. Os cientistas chegaram à conclusão de que a idade é um dos fatores de risco particularmente relevantes para a forma grave da doença.
No entanto, D’Souza observa que muitos países de baixa e média renda com populações mais jovens enfrentam picos nas taxas de mortalidade em decorrência de seus sistemas de saúde mais vulneráveis, que dificultam o acesso das pessoas aos tratamentos necessários para salvar suas vidas. Esse é o caso de alguns países africanos, como Essuatíni (antiga Suazilândia), onde muitos habitantes de áreas rurais não têm acesso a instituições de saúde — e as existentes podem não oferecer acesso adequado a oxigênio.
Mas as mortes não são decorrentes apenas dos problemas relacionados aos sistemas de saúde. Muitos países registraram grandes desigualdades raciais e socioeconômicas entre as vítimas fatais da covid-19. Christopher Mores, professor da Faculdade de Saúde Pública Milken, da Universidade George Washington, observa que a pobreza foi um fator que impossibilitou a proteção contra o vírus de muitas pessoas que viviam em comunidades marginalizadas. Alguns ainda precisam se deslocar para o trabalho para sustentar suas famílias, enquanto outros podem não ter acesso a água corrente, necessária para as práticas de higiene.
“É comovente ver a intensidade com que esses grupos foram atingidos pelo vírus”, afirma o professor. “Eles não têm como ficar em casa.”
Os pesquisadores ainda estão tentando entender por que algumas regiões, como a África Subsaariana, registraram menos mortes por covid-19 em comparação com outras regiões do mundo. Martin destaca que muitos países africanos têm uma população relativamente mais jovem, mas outros fatores podem ser decisivos, desde o clima mais quente até a possibilidade de que a exposição anterior a outras doenças infecciosas possa conferir imunidade cruzada. A vice-presidente de saúde global ressalta que esses números podem simplesmente representar a subnotificação de óbitos e diagnósticos.
Dano colateral
A covid-19 também tirou vidas de maneiras indiretas. A grande taxa de mortalidade no mundo — o número de óbitos acima do esperado por ano — também se deve a condições médicas que não puderam ser prevenidas, diagnosticadas ou tratadas em virtude da covid-19.
“Muitos sistemas de saúde estão sobrecarregados em todo o mundo”, afirma D’Souza. Mesmo em comunidades onde não há escassez de tanques de oxigênio ou leitos de UTI, há falta de profissionais de saúde em todos os lugares devido aos danos físicos e mentais que a covid-19 vem causando nesses profissionais.
A pandemia interrompeu ações sanitárias preventivas contra doenças como tuberculose, bem como outras doenças transmissíveis, como malária, sarampo e ebola. A OMS afirma que, no caso da tuberculose, a pandemia “reverteu anos de progresso global”. Em outubro, a entidade relatou que a taxa de mortalidade por tuberculose aumentou pela primeira vez em mais de uma década voltando a ser de aproximadamente 1,5 milhão, o mesmo número que o do ano de 2017. Os diagnósticos de tuberculose também caíram 18% em 2020, voltando ao nível que foi registrado pela última vez em 2012.
Pessoas doentes preferiram não buscar atendimento médico por medo de se infectarem — e, segundo D’Souza, quando procuram, podem não receber o tratamento adequado.
Além disso, há o fardo que a covid-19 impõe sobre famílias e comunidades. Embora cada morte seja uma perda imensa, Martin destaca novos dados alarmantes que indicam um aumento no número de crianças que ficaram órfãs durante a pandemia. Um estudo publicado em julho no periódico The Lancet estima que a covid-19 deixou cerca de 862,3 mil crianças em 21 países órfãs ou sem um dos avós responsáveis por sua guarda. África do Sul, Peru e Estados Unidos registram o maior número de crianças órfãs.
Para onde vamos?
A disponibilização de vacinas altamente eficazes no início do ano aumentou as esperanças de que o mundo poderia finalmente conter o aumento de mortes por covid-19. Quase sete bilhões de doses de vacina já foram administradas em todo o mundo. Mas as taxas de vacinação permanecem extremamente baixas em alguns países devido à desigualdade e à resistência à vacinação.
Os países da África tiveram mais dificuldades para obter as vacinas contra covid-19. Como resultado, apenas 8% das pessoas em todo o continente africano receberam pelo menos uma dose da vacina. As taxas de vacinação também são baixas na Europa Central e no Leste Europeu, onde campanhas de desinformação semearam desconfiança em relação à vacina.
Mores diz que a baixa taxa de vacinação pode ser ainda mais preocupante para países populosos como a Índia, onde somente cerca de 22% da população está imunizada. Apesar do aumento devastador no início deste ano, os casos e as taxas de mortalidade na Índia permanecem surpreendentemente baixos. Embora a subnotificação certamente esteja relacionada com esses números, Mores alerta para o fato de que há muitas pessoas na Índia ainda não totalmente imunizadas ou que ainda não tiveram contato com o vírus — mas em algum momento o novo coronavírus as atingirá.
E não está claro como as vacinas alterarão o curso da pandemia, mesmo em países com taxas mais avançadas de vacinação. Muitos fatores dependerão do surgimento de novas variantes e da manutenção de medidas de saúde pública nos países, como o uso de máscaras e o distanciamento social.
“Tenho esperança de que as ondas no começo do próximo ano tenham menos mortes do que a do mesmo período anterior”, disse D’Souza. “Mas isso não é garantido.” Ela explica que não há como ter certeza porque o vírus continuará circulando entre as milhões de pessoas nos Estados Unidos e bilhões de pessoas no mundo todo que ainda não estão imunizadas e, desse modo, continuam suscetíveis.
A variante Delta provou ser uma ameaça, diz Martin, por ser mais transmissível e, portanto, mais eficiente para infectar novos grupos e pessoas vulneráveis. Mas, embora as vacinas existentes sejam eficazes contra a variante Delta, D’Souza e outros especialistas temem que, se os países não conseguirem aumentar suas taxas de vacinação, poderá surgir uma variante pior do que a Delta, capaz de driblar as vacinas.
“O objetivo do vírus é sobreviver”, esclarece Martin. “Se não vacinarmos todas as pessoas, a pandemia nunca vai acabar, porque mais e mais variantes surgirão.”
Mas há medidas que podem ser adotadas para ajudar a proteger as pessoas. Comunicar à população as razões para a continuidade das medidas de saúde pública, como o uso de máscara, é essencial para combater a desinformação, diz Martin. De acordo com ela, em países onde a popularidade do governo é baixa, essa mensagem pode ser melhor recebida se for proveniente de uma fonte na qual o público confia.
Em nível mundial, Martin defende que os países precisam compartilhar dados em tempo real para que as autoridades de saúde pública possam se antecipar à próxima pandemia antes que ela aconteça. As tentativas de alguns países de combater um vírus altamente transmissível e que não conhece fronteiras sem ter colaboração internacional foi um dos equívocos da reação inicial à pandemia, diz Mores.
Também precisamos de mais empatia. A cada marco de taxas de mortalidade registrado, Mores diz que é importante encontrar maneiras de sentir as perdas de pessoas que também eram pais, amigos e colegas de trabalho. “É importante não passar a enxergá-los como um número cada vez mais frio”, diz ele. “Eles precisam ser lembrados como as pessoas que perdemos.”
D’Souza concorda. “Eu me lembro de ficar chocada com a marca de 100 mil estadunidenses mortos”, recorda ela. “E pensar que quase 50 mil pessoas morreram de covid-19 nos Estados Unidos só no mês passado — é a prova de como nos tornamos insensíveis aos números.”