O que vitórias-régias podem ensinar a engenheiros, arquitetos e designers

Os gigantes lírios amazônicos, conhecidos como vitória-régia, são as maiores e mais fortes plantas flutuantes do mundo. O jeito que elas se sustentam podem inspirar estruturas humanas – de arranha-céus a turbinas eólicas.

Por Richard Sima
Publicado 22 de mar. de 2022, 16:38 BRT
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Petra Putova, jardineira-chefe do Jardim Botânico Liberec, na República Tcheca, mostra o menor lírio de água do mundo, o Nymphaea thermarum, ao lado do maior, o gigantesco lírio d’água amazônico – mais conhecido como vitória-régia (Victoria amazonica).

Foto de Radek Petrasek, CTK/AP Images

A gigantesca vitória-régia há muito fascina cientistas, arquitetos e artistas por sua beleza e tamanho. No entanto, a maneira como as folhas da planta, catalogada como um tipo de lírio, são capazes de atingir até 3 m de diâmetro e ficar forte o suficiente para suportar o peso de uma criança pequena era um mistério – até agora.

Uma equipe de cientistas britânicos e franceses que estuda a mecânica dessas folhas gigantes documentou uma rede de ramificações, semelhantes a vigas, otimizadas para dar força e suporte estrutural. A pesquisa, publicada em fevereiro na Science Advances, poderia transformar o que Chris Thorogood, vice-diretor do Jardim Botânico & Arboreto da Universidade de Oxford, no Reino Unido, chama de "um grande enigma botânico" em um guia que poderia inspirar a engenharia e arquitetura de edifícios, particularmente em estruturas flutuantes.

"O que mostramos através de nossos experimentos empíricos e modelagem matemática foi que essas folhas são exclusivamente fortes e têm uma flexibilidade rígida, que lhes permite crescer muito", diz Thorogood, autor sênior do estudo.

Veias inspiradoras

De cima, a folha de uma vitória-régia amazônica se assemelha a um grande prato de jantar verde com uma borda virada. De baixo, pode-ser ver a fonte de sua beleza e força.

"Quando tiramos as folhas da lagoa aqui, e o público as vê, eles realmente suspiram pela beleza das folhas", diz Thorogood. "Elas são surpreendentemente bonitas."

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    O horticulturalista botânico Alberto Trinco exibe uma folha virada das vitórias-régias do Kew Garden, em Londres — as maiores do mundo.

    Foto de Dominic Lipinski, PA Images/Getty Images

    A parte inferior da folha é inteiramente coberta com uma rede fractal – uma forma geométrica que se repete durante toda a estrutura – de veias espinhosas que irradiam para fora da haste central. As veias principais ficam mais finas e se dividem em galhos à medida que se aproximam da borda da folha. Eles são atravessados em intervalos regulares por outras veias que formam círculos concêntricos, que são únicos à vitória-régia. 

    O efeito geral é impressionante: uma intrincada rede de veias amarelas contra o verde escuro ou vermelho da folha. (Existem duas espécies irmãs de lírio de água gigante com cores diferentes na parte inferior.)

    A vitória-régia foi descoberta por exploradores britânicos na América do Sul em 1801. Rapidamente ganhou popularidade na Inglaterra vitoriana, onde seu gênero, Victoria, foi concedido – uma homenagem à jovem Rainha Vitória. A planta tornou-se um símbolo do Império Britânico.

    Como a vitória-regia influencia a arquitetura

    Porém, a planta tornou-se mais do que um símbolo à medida em que botânicos repetidamente tentavam cultivá-la em cativeiro. "Foi uma obsessão", escreve Tatiana Holway em seu livro, A Flor do Império. "Atraindo alguns dos homens mais eminentes e empreendedores da era vitoriana, o esforço para recuperar esta exótica planta das selvas equatoriais, onde cresceu, e cultivá-la na Inglaterra tornou-se uma busca épica que cativou o mundo."

    O jardineiro e arquiteto britânico Joseph Paxton foi o primeiro a cultivar a vitória-régia com sucesso fora das águas amazônicas. A planta inspirou seu projeto do Palácio de Cristal, um marco londrino feito de ferro fundido e vidro para a Grande Exposição de 1851 (e depois destruído pelo fogo).

    "A natureza era o engenheiro", disse Paxton em um discurso de 1850 à Sociedade Real de Artes de Londres, organização de apoio ao desenvolvimento artístico e inovação. "A natureza forneceu vigas longitudinais e transversais e apoios à folha, que eu, pegando emprestado dela, adotei neste edifício."

    Paxton tinha uma compreensão intuitiva dos pontos fortes do lírio – mas só agora Thorogood e seus colegas trabalharam os detalhes mecânicos.

    Como a vitória-regia consegue suportar peso

    Vestidos com botas impermeáveis, os pesquisadores entraram na lagoa grande e aquecida do Jardim Botânico da Universidade de Oxford para medir experimentalmente como as folhas respondem ao peso.

    "Meu Deus, esperava muito uma oportunidade de entrar em um lago e cutucar um lírio d’água", diz Finn Box, pesquisador de mecânica de fluidos da Universidade de Manchester, na Inglaterra, e principal autor do estudo. "Foi muito divertido."

    Para crescer até dez metros de diâmetro, muito maior do que qualquer outro lírio d’água, a vitória-régia precisa ser forte. O tecido da folha entre as veias têm apenas cerca de um milímetro de espessura. A água em que a folha flutua suporta seu peso, mas ela também precisa suportar tempestades tropicais ou o peso de uma ave andando por ela sem se desfiar e submergir.

    "Uma vez que uma folha é submersa, ela perde seu espaço na superfície, onde consegue fazer a fotossíntese", diz Box.

    O segredo da vitória-régia é seu proeminente sistema vascular, uma inovação biológica que não existe em lírios d’água menores: ele se assemelha a discos planos com veias finas e quase imperceptíveis.

    Box e seus colegas mediram a força do lírio por uma série de testes de estresse. Primeiro, eles separaram uma folha de vitória-régia de um metro de comprimento da haste que a ancorava na terra e arrastaram a folha até a borda do lago. Eles cuidadosamente evitaram os afiados espinhos de centímetros de comprimento que cobrem a parte inferior e protegem a folha contra mordiscadas de peixes.

    Com uma câmera, eles gravaram o quanto cada folha recuava e deformava quando pressionavam ou colocavam um peso sobre ela. Tais testes de estresse mostraram que as folhas de vitória-régia eram mais rígidas e, consequentemente, mais fortes do que as folhas encontradas em outras espécies de lírios, menores e mais comuns.

    Usando modelos de computador e uma amostra de teste impressa em 3D, a equipe de pesquisa testou uma hipótese de como as plantas amazônicas fazem isso. Eles descobriram que as veias ramificadas da vitória-régia, que começam muito grossas perto do centro e se afunilam próximos da borda, distribuem o peso da folha uniformemente. Eles endurecem e suportam a folha, permitindo que ela se recupere elasticamente quando é deformada, por exemplo, pelo pé de uma ave – e elas o fazem de uma maneira muito eficiente.

    O que podemos aprender com a vitória-régia?

    A vitória-régia prospera em partes inundadas sazonalmente da Bacia Amazônica, onde tem cerca de seis meses para crescer antes que a água seque. Durante o período alagado, suas folhas gigantes permitem que ela absorva muita luz solar.

    As veias que cercam as folhas essencialmente permitem que o lírio cubra mais área de superfície para fotossíntese, usando menos biomassa. Em comparação, folhas de lírios comuns e menores simplesmente não poderiam suportar tanto peso.

    "Quanto maior a superfície, mais fotossíntese você pode fazer", diz Box. "Essa economia entre a matéria vegetal e a capacidade de fotossíntese é obviamente importante para elas."

    Os humanos já desenvolveram aplicações biomiméticas inspiradas em plantas, como o velcro, inspirado pelos carrapichos, e superfícies autolimpantes, a partir de folhas de lótus.

    Ideias a partir de uma folha grande e flutuante não são improváveis; além de melhorar o design de estruturas flutuantes, poderia proporcionar novos projetos econômicos para turbinas eólicas offshore ou até mesmo residências permanentes no mar. Em 2008, o arquiteto belga Vincent Callebaut projetou uma cidade flutuante baseada na estrutura da folha de vitória-régia Lilypad – uma Ecopolis Flutuante para Refugiados Climáticos.

    "Talvez o que nós engenheiros podemos aprender é: 'Ei, alguém já pensou em ramificar vigas ou vigas que têm seções transversais variadas?'" Box se pergunta. "Talvez seja um progresso quando você precisa voltar ao seu próprio mundo e pensar em algumas das coisas que você encontrou enquanto você estava no mundo biológico."

    Há algo poético na ideia de humanos um dia usar painéis solares flutuando placidamente em uma plataforma inspirada em vitórias-régias para coletar o máximo de sol possível, assim como a planta tem feito por milhões de anos.

    "É uma ideia semelhante", diz Box. "Então, por que não podemos aprender com exemplos naturais que evoluíram para uma solução ideal?"

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