Quanto tempo a Covid-19 permanece no corpo humano?
Um estudo abrangente descobriu que os remanescentes virais podem sobreviver por meses após a infecção em certas pessoas, às vezes causando sintomas de Covid a longo prazo.
Uma paciente é submetida a uma tomografia computadorizada de tórax na Policlínica Gemelli, em Roma, para verificar o estado pulmonar após a Covid-19.
A maioria dos pacientes com Covid-19 se recupera da infecção aguda em duas semanas, mas os resquícios do vírus nem sempre desaparecem imediatamente do organismo. Agora, um novo estudo, um dos maiores com foco em pacientes hospitalizados com a doença, mostra que algumas pessoas abrigam esses remanescentes virais por semanas ou até meses após a resolução dos sintomas primários da Covid-19.
O estudo sugere que, quando o material genético do vírus, chamado RNA, permanece no corpo por mais de 14 dias, os pacientes podem enfrentar sintomas graves da doença, como delírio, permanecer mais tempo no hospital e ter um risco maior de morrer, ao contrário de quem elimina o vírus rapidamente. Com a persistência do vírus, o conjunto debilitante de sintomas pode durar meses. As estimativas sugerem que entre 7,7 e 23 milhões de pessoas apenas nos Estados Unidos são afetadas pela Covid prolongada.
Sem imunidade à vacinação ou a uma infecção anterior, o Sars-CoV-2 (vírus que causa a Covid-19) se espalha por todo o corpo e é eliminado pelo nariz, boca e intestino. Para a maioria das pessoas infectadas, os níveis de vírus no corpo atingem o pico entre três e seis dias após a infecção original, e o sistema imunológico elimina o patógeno em dez dias. O vírus eliminado após esse período geralmente não é infeccioso. Mesmo após enfrentar a gravidade da doença, se a pessoa foi intubada ou teve comorbidades médicas, “há algo aqui que sinaliza que pacientes persistentemente positivos para PCR têm piores resultados”, destaca Ayush Batra, neurologista da Escola de Medicina Feinberg, na Universidade Northwestern, em Chicago, que liderou o novo estudo.
“Em alguns pacientes imunocomprometidos, o vírus fica no organismo por até um ano. ”
O estudo de Batra mostra que os pacientes que tiveram o vírus por mais tempo no organismo correm riscos mais graves causados pela Covid-19, diz Timothy Henrich, virologista e imunologista da Universidade da Califórnia, em São Francisco, que não esteve envolvido na nova pesquisa. Mas o estudo não investiga se esse vírus persistente é diretamente responsável pela Covid prolongada.
“Existem várias hipóteses principais sobre a causa da Covid prolongada, incluindo persistência viral, e pode ser que existam vários caminhos em jogo, talvez em algum grau variável em qualquer pessoa”, acredita Linda Geng, médica do Stanford Health Care, centro de saúda da Universidade de Stanford, na Califórnia, que co-dirige uma clínica para o tratamento de pacientes com Covid prolongada.
Vírus persistente causa piores resultados de Covid-19
Batra e sua equipe começaram a estudar infecções persistentes por coronavírus após observar que alguns pacientes que retornavam ao hospital ainda testavam positivo para o vírus quatro ou cinco semanas após serem diagnosticados com a infecção inicial.
Para o novo estudo, a equipe analisou 2.518 pacientes com Covid-19 hospitalizados no sistema de saúde Northwestern Medicine Healthcare, da Universidade Northwestern, entre março e agosto de 2020. Eles se concentraram em testes de PCR, considerados mais eficazes por detectarem material genético do vírus e, portanto, menos propensos a falsos negativos.
A equipe descobriu que 42% dos pacientes continuaram a testar PCR positivo duas semanas ou mais após o diagnóstico inicial. Após mais de 90 dias, 12% deles ainda estavam testando positivo; uma pessoa testou positivo 269 dias após a infecção original.
A persistência viral foi observada anteriormente em estudos menores. Os pesquisadores mostraram que mesmo pacientes sem sintomas óbvios de Covid-19 abrigaram o Sars-CoV-2 por alguns meses ou mais. Em alguns pacientes imunocomprometidos, o vírus fica no organismo por até um ano.
Em um estudo sobre infecção crônica por Covid-19, 4% dos pacientes infectados continuaram a liberar RNA viral nas fezes sete meses após o diagnóstico. No entanto, o estudo de Batra ilustra que um número maior de pacientes leva mais tempo do que se pensava para eliminar o vírus.
“A liberação persistente de RNA significaria que ainda há um reservatório de vírus em algum lugar do corpo”, aponta Michael VanElzakker, neurocientista afiliado ao Hospital Geral de Massachusetts, Escola de Medicina de Harvard e Universidade Tufts. Acredita-se que esses reservatórios permitem que o vírus persista por um longo tempo e possam fazer com que o sistema imunológico aja de forma distinta, o que poderia causar a Covid prolongada.
“Alguns pacientes, por várias razões, não conseguem limpar esse reservatório, ou seu sistema imunológico reage de alguma maneira anormal, resultando nesses sintomas persistentes que passaram a ser chamados de Covid”, ressalta Batra.
Ainda assim, muitos cientistas acham que ainda não há evidências suficientes para vincular a persistência do RNA viral à Covid prolongada.
Vírus adormecidos
A lista de tecidos humanos onde o Sars-CoV-2 se esconde muito depois da infecção inicial está crescendo. Estudos identificaram o vírus, ou material genético dele, nos intestinos de pacientes quatro meses após a infecção inicial, e dentro do pulmão de um doador falecido mais de cem dias após a recuperação da Covid-19.
Um estudo que ainda não foi revisado por pares também detectou o vírus no apêndice e em tecidos mamários 175 e 462 dias, respectivamente, após infecções por coronavírus. E pesquisas dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, que também não foram revisadas por pares, detectaram o RNA do Sars-CoV-2 persistindo em níveis baixos em vários tecidos por mais de sete meses, mesmo quando era indetectável no sangue.
“Não é surpreendente encontrar vírus durante a vida, sobrevivendo em tecidos humanos”, diz Kei Sato, virologista da Universidade de Tóquio. De fato, o trabalho de Sato mostrou que os humanos acumulam frequentemente vírus como o Epstein-Barr, o varicela zoster (que causa catapora) e muitos outros em formas latentes. Esses vírus persistentes geralmente estão presentes em níveis baixos, portanto, apenas um sequenciamento genético extenso pode identificá-los.
Isso destaca o quão complicado é provar ou refutar a associação entre a persistência do Sars-CoV-2 e a Covid prolongada. A herpes zoster, por exemplo, se manifesta décadas após uma infecção por varicela, quando o vírus latente é reativado por estresse imunológico.
Da mesma forma, o Sars-CoV-2 persistente pode causar problemas de saúde a longo prazo. Henrich pensa que quando o vírus se aloja em tecidos profundos, potencialmente faz com que o sistema imunológico mude para um estado inflamatório desregulado. Tal estado é “provavelmente uma evidência de que o vírus é capaz de persistir e talvez entrar em uma espécie de trégua desconfortável com o corpo”, explica VanElzakker.
Ainda assim, associar qualquer vírus persistente à Covid prolongada exigirá estudos extensivos. “Ainda não sabemos o suficiente para tirar conclusões sólidas sobre qualquer um dos atuais mecanismos propostos, mas a pesquisa está em andamento para responder a essas perguntas”, ressalta Geng.
A eliminação de vírus persistentes pode curar a Covid prolongada
Os grupos de Geng e Henrich relataram estudos de caso preliminares que mostram uma melhora nos sintomas prolongados de Covid depois que os pacientes foram tratados com Paxlovid, antiviral oral da Pfizer contra o coronavírus. O medicamento impede a replicação do vírus, e é por isso que alguns especialistas acham que ele pode eliminar qualquer vírus remanescente. Mas ambos os autores pedem cautela antes de assumir que o Paxlovid é seguro, eficaz ou suficiente e, portanto, uma cura confiável para a Covid prolongada.
“Existem algumas hipóteses interessantes sobre como o Paxlovid pode ser útil no tratamento da Covid prolongada, mas precisaríamos de mais investigações e ensaios clínicos antes de chegar a qualquer conclusão”, diz Geng.
A Administração de Alimentos e Drogas dos EUA alertou contra o uso sem prescrição de Paxlovid, que não é aprovado para tratamento da Covid prolongada. A agência concedeu ao medicamento uma autorização de uso emergencial para tratar Covid-19 leve a moderada, em pessoas com risco de desenvolver doença grave, duas vezes ao dia por cinco dias logo após um teste positivo.
“Seria importante considerar a duração ideal do tratamento [de Paxlovid] para garantir resultados duradouros e sustentados”, alerta Geng.
O presidente Joe Biden orientou o secretário de Saúde e Serviços Humanos a criar um plano de ação nacional sobre a Covid prolongada, e os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA lançaram um estudo plurianual chamado Recover para entender, prevenir e tratar os efeitos de longo prazo na saúde relacionados à Covid-19.
Enquanto isso, as vacinas não apenas continuam protegendo contra doenças graves, mas também estão surgindo evidências de que elas podem prevenir muitos sintomas prolongados de Covid. Um novo estudo comparou 1,5 milhão de pacientes com covid não vacinados a 25.225 pacientes com covid vacinados. O resultado mostrou que as vacinas reduziram significativamente o risco de desenvolver sintomas graves e mais longos de Covid 28 dias após uma infecção. O efeito protetor da vacinação ficou ainda maior 90 dias pós-infecção.
"Embora a maioria das pessoas não desenvolva Covid por muito tempo, certamente é um risco, e a doença não para após os primeiros dez dias de infecção", explica Henrich. "Pode mudar a vida daqueles que não levam a Covid-19 a sério."