Quão contagiosa é a mpox (antiga varíola dos macacos)? É preciso tomar vacina?
Atualmente, a doença se espalhou pelo mundo e se dissemina rapidamente, mas existem maneiras simples de reduzir o risco de contágio. Veja o que é necessário saber.
Imagem de microscópio mostra o vírus da varíola dos macacos (em laranja) sobre a superfície das células infectadas (em verde).
Em um mundo exausto após anos da pandemia de coronavírus, outra doença, a Mpox, também conhecida como varíola dos macacos, mais uma vez está se alastrando rapidamente pelo mundo. É um vírus bem diferente daquele que causa a covid-19, e sua transmissão é muito mais difícil, mas pode causar internações hospitalares e até mesmo morte. A varíola dos macacos também pode deixar os infectados com a aparência prejudicada: as lesões repletas de pus que marcam a pele – de poucas a milhares – podem deixar cicatrizes permanentes.
(Leia também: Mpox, a varíola dos macacos: o que significa a OMS declarar emergência global novamente)
Após o grande surto ocorrido em 2022, que se espalhou por diversos países fora da África, gerando muitos casos também nos Estados Unidos, Europa e América Latina, novamente o mundo volta a estar em alerta após o anúncio ocorrido em 14 de agosto de 2024 feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que declarou novamente que a varíola dos macacos, conhecida também como Mpox, como uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional.
O novo anúncio (em julho de 2022 a doença foi decretada como emergência mundial também) foi feito pelo diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante uma coletiva de imprensa.
O Dr. Tedros disse oficialmente: “O surgimento de um novo clado de Mpox, sua rápida disseminação no leste da República Democrática do Congo e o relato de casos em vários países vizinhos são muito preocupantes. Além dos surtos em outros países da África, está claro que é necessária uma resposta internacional coordenada para deter esses surtos e salvar vidas”.
“Evidências sugerem que a varíola dos macacos não seja apenas uma doença sexualmente transmissível. Quando um caso é sintomático, propaga-se pelo contato com a pele – incluindo por meio de comportamentos sexuais – e também pode ser transmitido por contato com lençóis, toalhas ou roupas.”
Em 2022, a transmissão entrou em uma fase inédita em que os casos de varíola vêm sendo identificados entre pessoas que não viajaram à África – onde o vírus é endêmico – e infecções surgem em novas localidades. “Simplesmente não se pode abandonar as precauções – especialmente na região europeia, que apresenta um surto em rápida evolução que, a cada hora, dia e semana expande a regiões anteriormente não afetadas”, declarou Hans Henri P. Kluge, diretor regional da OMS para a Europa, em comunicado.
Esse surto atualmente em curso em diversos países foi “uma surpresa”, porém “não surpreendente”, afirma Rosamund Lewis, líder técnica de varíola dos macacos na OMS. Os casos vêm aumentando há décadas na África. O surto em andamento na Nigéria começou em 2017 (e pode ser a origem da disseminação atual) e outro na República Democrática do Congo (RDC) apresentou cerca de seis mil suspeitas da doença em 2020.
Especialistas estão preocupados que humanos possam infectar a fauna silvestre nos Estados Unidos e em outras nações, criando acidentalmente novos reservatórios endêmicos da doença, afirma Andrea McCollum, epidemiologista da iniciativa de Resposta ao Surto de Varíola dos Macacos de 2022, dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (“CDC”, na sigla em inglês). Os animais poderiam então retransmitir o vírus às pessoas, dificultando muito – ou talvez impossibilitando – sua erradicação.
Atualmente, existem iniciativas globais para impedir a propagação de casos de varíola dos macacos e evitar outra pandemia. Para tanto, as autoridades de saúde pública estão oferecendo vacinação a pessoas do grupo de risco.
O Ministério da Saúde do Brasil instalou nesse dia 15 de agosto de 2024 um Centro de Operações de Emergência em Saúde para coordenar ações de resposta à doença no país reforçar a vigilância e o planejamento relacionado à Mpox, conforme publicado na Agência Brasil (órgão oficial de informação do governo brasileiro).
No artigo da Agência Brasil, a ministra Nisia Trindade adiantou que entra as medidas que serão adotadas estão a aquisição de testes de diagnóstico, alerta para viajantes e atualização do plano de contingências. Ela também falou sobre vacinas e disse que, por enquanto, não há previsão de imunização em massa.
O que é varíola dos macacos?
A varíola dos macacos é uma prima muito menos grave e menos contagiosa da varíola. Ambas são ortopoxvírus, um gênero de 12 vírus de DNA que também inclui a varíola bovina e a varíola do camelo.
Até então, existia dois clados (ou variedades) genéticos distintos, explica Bernard Moss, virologista do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (Niaid). Um deles, a varíola dos macacos da Bacia do Congo, mata um em cada 10 infectados. Foi confirmado que o atual surto global se trata da segunda variedade: a varíola dos macacos da África Ocidental, menos letal, com uma taxa de mortalidade de menos de 1%.
É uma doença zoonótica, transmitida por animais a humanos. Descoberta pela primeira vez em 1958 entre macacos em um laboratório de pesquisa dinamarquês, o nome do vírus pode ou não ser um equívoco. Acredita-se que pequenos mamíferos sejam reservatórios do vírus nas florestas tropicais africanas, onde o vírus é endêmico, mas pode infectar muitos mamíferos e, até hoje, foi isolado em animais silvestres apenas duas vezes: em um esquilo da espécie Funisciurus anerythrus, na RDC, em 1985, e um macaco da espécie Cercocebus atys, na Costa do Marfim, em 2012. O reservatório ou reservatórios reais da doença permanecem desconhecidos.
Desde o primeiro caso humano identificado em 1970 – quando um menino foi diagnosticado na RDC – a maioria das infecções ocorreu na África Ocidental e Central. No início, a maioria eram “eventos de spillover ou de troca de hospedeiro”, contraídos devido à caça e abate de animais silvestres contaminados, explica Lewis.
O contato íntimo pode transmitir o vírus entre pessoas. As lesões são “pequenas fábricas de vírus” contagiosas, afirma McCollum, dos CDC. Contudo, até recentemente, o vírus raramente era transmitido além de algumas famílias dentro de uma mesma comunidade.
Embora essa doença tenha sido descrita há pelo menos 52 anos, “na realidade, não sabemos o necessário sobre ela”, observa Lewis.
É uma doença sexualmente transmissível?
Embora um dos casos iniciais tenha infectado pai, mãe e filho no Reino Unido, o atual surto de varíola dos macacos afeta predominantemente homens que mantêm relações sexuais com homens – 99% entre os casos que declararam seu gênero. Para as autoridades de saúde pública, tem sido um desafio conscientizar o público sem estigmatizar essa comunidade.
O surto provavelmente expandiu devido ao comportamento sexual em festas raves na Espanha e na Bélgica, declarou David Heymann, especialista de longa data em doenças infecciosas da OMS, à agência de notícias Associated Press. Esses eventos originaram a transmissão internacional, assim como encontros com muitas pessoas disseminaram a covid-19 durante os primeiros dias da pandemia.
Mas há evidências que a varíola dos macacos não é apenas uma doença sexualmente transmissível, observa Moss. Quando um caso é sintomático, propaga-se pelo contato com a pele – incluindo por meio de comportamentos sexuais – e também pode ser transmitido por contato com lençóis, toalhas ou roupas.
Surtos anteriores na África infectaram mulheres, crianças e homens de todas as idades. “Não há um impedimento. Esse vírus não ficará necessariamente restrito a um gênero ou a uma população”, adverte Anne Rimoin, epidemiologista de doenças infecciosas e professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade da Califórnia em Los Angeles, Estados Unidos. Essa disseminação já está em curso. A OMS começou a registrar casos em crianças, conta Lewis.
Rosamund considera essa uma situação em evolução que deve ser monitorada atentamente. “Acredito que essa questão necessite de muita atenção e pronta reação.”
A conscientização do público é fundamental. “O objetivo não é causar pânico, mas é preciso conscientização para que sejam tomadas precauções”, acrescenta Lewis. “É necessário que cada pessoa conheça seus próprios riscos… E os previnam.”
Devo tomar a vacina contra a varíola dos macacos? Quem é o público-alvo prioritário de vacinação?
“Não se justifica ainda a vacinação da população em geral”, afirmou Moss, do Niaid na época do surto de 2022. Atualmente, o vírus está se multiplicando apenas dentro de um pequeno grupo demográfico.
Mas em meio a esse surto crescente, o rastreamento de contatos não é mais possível. Alguns países, incluindo os Estados Unidos, tiveram de mudar o planejamento e expandir a vacinação de pessoas com contatos conhecidos para qualquer pessoa de alto risco.
“A inoculação é mais eficaz se for feita antes do contágio”, ressalta Moss. Após a exposição, o intervalo de vacinação é de quatro dias, mas as pessoas podem ser imunizadas até duas semanas depois.
Qual é a diferença entre as duas vacinas contra a varíola dos macacos, e quando foram desenvolvidas?
Edward Jenner, considerado o fundador da vacinologia no Ocidente, inoculou com sucesso um menino de 13 anos contra a varíola em 1796 usando o vírus vaccinia – da varíola bovina. Passados dois anos, pesquisadores desenvolveram a primeira vacina contra a varíola. Como os ortopoxvírus compartilham 90% ou mais de sua composição genética, “uma vacina feita contra qualquer um deles protege contra todos eles”, afirma Moss.
Ao contrário da situação no início da pandemia de covid-19 em 2020, a boa notícia é que existem vacinas eficazes contra a varíola dos macacos, observa Lewis. Estão disponíveis duas nos Estados Unidos. Em 2007, a Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos aprovou a ACAM2000 para prevenir a varíola.
É semelhante às vacinas iniciais do passado, utilizando o vírus vaccinia vivo e atenuado, e é aplicada em militares, funcionários de laboratórios e outros grupos há décadas. Aqueles que foram imunizados contra a varíola antes do encerramento da campanha de vacinação pelos Estados Unidos, em 1972, devem ter alguma imunidade remanescente.
As vacinas atuais nunca foram testadas em ensaios clínicos de fase 3 contra a varíola ou a varíola dos macacos. Embora os profissionais de saúde acreditem que as vacinas contra a varíola sejam eficazes contra a varíola dos macacos, “isso ainda não foi demonstrado em estudos rigorosos”, observa Lewis, “ou até mesmo ‘na prática’ até hoje.
Alguns grupos precisam evitar essa vacina de vírus vivo, incluindo gestantes, pois os imunizantes podem colocar em risco o nascituro. Os imunossuprimidos ou pessoas com problemas de pele também devem ficar longe das vacinas: o vírus pode se espalhar descontroladamente. Essa vacina também pode ser perigosa para pessoas com problemas cardíacos, pois pode provocar inflamação coronária.
A segunda vacina, a Jynneos, causa muito menos efeitos colaterais e é a única aprovada especificamente para a varíola dos macacos.
No entanto, juntamente com a conscientização e as devidas precauções, “a vacinação é a chave para controlar a doença e mantê-la sob controle”, ressalta McCollum.
Esse surto internacional era inesperado?
Especialistas não previram que a varíola dos macacos “se alastraria por contatos sociais íntimos e além das fronteiras nas magnitudes atuais”, responde McCollum. Mas havia sinais de alerta.
Na África, os casos de varíola dos macacos começaram a aumentar depois que a varíola foi erradicada globalmente em 1980 e as campanhas de vacinação foram encerradas: essas vacinas ofereceram proteção cruzada contra todos os ortopoxvírus. À medida que a imunidade restante diminuiu, infecções por varíola dos macacos dispararam, aumentando 20 vezes entre 1986 e 2007 na RDC.
O primeiro surto no Hemisfério Ocidental ocorreu em 2003, quando um carregamento de bichos de estimação exóticos – roedores da família Gliridae e da espécie Cricetomys gambianus, e esquilos – da África Ocidental provocou 47 infecções humanas nos Estados Unidos.
Posteriormente, em 2018, as autoridades registraram um número crescente de casos relacionados a viagens. “Isso despertou nossa atenção”, conta McCollum. “Estávamos bastante preocupados de que fosse apenas o começo.”
Havia condições ambientais propícias para o início da disseminação, afirma Lewis. Ela relaciona alguns fatores que aumentam o risco de doenças zoonóticas se deslocarem da fauna silvestre a pessoas: as mudanças climáticas e o desmatamento, que abrem o acesso à floresta, a necessidade de proteína e a venda de carne de animais silvestres em mercados.
“Todos nós compartilhamos um planeta”, reitera ela, e são necessárias pesquisas que ajudem a proteger a humanidade e a natureza. “Enquanto não tivermos esses dois objetivos em mente, continuaremos a enfrentar problemas.”