Casos de varíola dos macacos estão aumentando – o que se sabe até agora

Um surto de varíola dos macacos, doença que tem parentesco com a varíola, preocupa autoridades de saúde pública. O vírus, no entanto, pode ser contido com as vacinas já armazenadas e disponíveis em alguns países.

Por Priyanka Runwal
Publicado 30 de mai. de 2022, 10:36 BRT, Atualizado 30 de mai. de 2022, 14:33 BRT
Esta imagem de microscópio eletrônico mostra partículas do vírus da varíola dos macacos coletadas de uma ...

Esta imagem de microscópio eletrônico mostra partículas do vírus da varíola dos macacos coletadas de uma amostra de pele humana durante o surto de 2003. À esquerda estão partículas de vírus maduras e ovais; à direita há vírus imaturos esféricos e arqueados.

Foto de Cynthia S. Goldsmith CDC (272110), Science Source (271952)

Quando especialistas do Reino Unido confirmaram o primeiro caso de varíola dos macacos em 7 de maio deste ano, a epidemiologista Andrea McCollum e seus colegas dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos ficaram atentos.

Infecções humanas por varíola dos macacos são raras, sobretudo fora da África Central e Ocidental, onde o vírus é endêmico em animais e circula principalmente nas regiões de floresta densa. Desde 2018, apenas oito casos foram confirmados em países não endêmicos, incluindo Israel, Singapura, Reino Unido e Estados Unidos – e todos os contágios estavam associados a viagens, assim como o paciente diagnosticado em 7 de maio, que havia ido para a Nigéria.

Mas quando casos sem relação com viagens conhecidas à África surgiram em diversos países, ficamos alarmados, afirma McCollum. “Nunca havia sido feito esse tipo de observação de varíola dos macacos”, prossegue ela, “então é bastante preocupante”.

Entre 13 e 24 de maio, ao menos 16 países na Europa e América do Norte, bem como Austrália e Israel, relataram mais de 250 casos confirmados e suspeitas de varíola dos macacos. A cepa do vírus da África Ocidental parece ser a causa dessas infecções. Os pacientes com o vírus manifestam sintomas semelhantes aos da gripe, seguidos por uma erupção cutânea no rosto que pode ocorrer também em outras regiões do corpo. Essa erupção se transforma de manchas vermelhas em bolhas repletas de pus que posteriormente formam crostas e caem. Na maioria das vezes, esses sintomas desaparecem dentro de algumas semanas mesmo sem tratamento. No entanto, pode ser fatais em cerca de 3% dos casos. Outra cepa, a varíola dos macacos da Bacia do Congo, pode evoluir para quadros mais graves e mata quase 10% dos infectados. O vírus da varíola, erradicado em 1979 e parente próximo da varíola dos macacos, foi muito mais letal e matava 30% dos infectados.

“A varíola dos macacos é muito diferente da Covid-19”, afirma Maria Van Kerkhove, epidemiologista de doenças infecciosas da Organização Mundial da Saúde, em uma sessão pública on-line de perguntas e respostas, realizada em 23 de maio. “Na prática, a transmissão ocorre por contato físico próximo, contato de pele com pele.” A varíola dos macacos, ao contrário da Covid-19, transmitida por pequenas gotículas transportadas pelo ar, não se espalha com tanta facilidade.

“É uma situação controlável”, conta Van Kerkhove. Existem possíveis antivirais para os infectados e vacinas para pessoas de maior risco: aquelas que entram em contato próximo com indivíduos infectados. “Essa vacinação não é uma necessidade universal para todos”, observa ela.

Felizmente, até o momento, ninguém morreu neste surto de varíola dos macacos em inúmeros países, porém sua origem e a causa de sua propagação permanecem um mistério.

Ainda restam muitas perguntas sem resposta, prossegue McCollum.

Veja o que se sabe até agora.

Casos de varíola dos macacos até o momento

Desde a identificação do paciente em 7 de maio, aumentou o número de casos de varíola dos macacos em países não endêmicos.

No momento, autoridades de saúde pública estão rastreando contatos e buscando ligações entre os casos para obter mais informações. Esse processo também pode ajudá-los a localizar casos não diagnosticados que podem ser assintomáticos ou apresentar sintomas leves.

Uma grande proporção dos casos atualmente confirmados foi relatada na Europa, em especial, no Reino Unido, Espanha e Portugal. 

Como a varíola dos macacos é transmitida?

Embora a varíola dos macacos possa ser transmitida por contato sexual, não é uma infecção sexualmente transmissível, ressaltou Andy Seale, consultor do programa de HIV, hepatite e infecções sexualmente transmissíveis da OMS, em uma sessão pública on-line de perguntas e respostas realizada em 23 de maio. A transmissão sexual normalmente requer que o vírus infeccioso seja transportado por meio de sêmen ou fluidos vaginais, e atualmente não há evidências que sugiram isso.

Segundo detalhou Seale, "qualquer um pode contrair a varíola do macaco por meio do contato com uma pessoa infectada".

A doença é transmitida por fluidos corporais de uma pessoa infectada – saliva ou pus – que podem abrigar o vírus. Lençóis ou roupas contaminadas com esse fluido portador do vírus também podem ser uma possível fonte de infecção.

Diante da disseminação generalizada do surto atual, epidemiologistas e virologistas estão tentando entender se houve um aprimoramento na transmissão desse vírus entre as pessoas. Alguns especialistas estudam as sequências genéticas do vírus coletado de pacientes infectados para verificar se houve alguma mutação que possa tornar o vírus atualmente em circulação possivelmente mais transmissível do que qualquer versão anterior. Também estão verificando se o vírus da varíola dos macacos está presente no sêmen ou nos fluidos vaginais para confirmar, caso seja infeccioso, se não é uma doença sexualmente transmissível.

Existem vacinas e tratamentos para a varíola dos macacos?

Nem todos os pacientes com varíola dos macacos necessitam de internação; muitos melhoram sozinhos, sem tratamento, ao se isolar em casa por três semanas. Alguns países, como o Reino Unido, aconselham aqueles que tiveram contato próximo com o indivíduo infectado a permanecerem em quarentena por 21 dias. Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden declarou que não é necessária essa quarentena, pois estão disponíveis vacinas àqueles expostos ao vírus.

Em 2019, a Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) aprovou uma vacina contra a varíola dos macacos da empresa Bavarian Nordic, denominada Jynneos, que pode prevenir a doença ou torná-la menos grave. A ACAM2000, outra vacina aprovada contra a varíola, também pode ser usada. Os Estados Unidos e o Reino Unido, por exemplo, estão oferecendo a vacina Jynneos a profissionais de saúde que tratam ou podem ter sido expostos a pacientes infectados. Os CDC sugerem a imunização com duas doses de vacina dentro de quatro dias após a exposição.

No entanto, nenhum medicamento foi aprovado para tratar a varíola dos macacos. O Tecovirimat, remédio antiviral oral, foi aprovado pela FDA, em 2018, para o tratamento da varíola, mas não há dados que demonstrem que seja eficaz em humanos para qualquer uma dessas infecções. Para casos graves de varíola dos macacos, dois outros tratamentos podem ser usados: o antiviral cidofovir e um anticorpo monoclonal denominado imunoglobulina vaccinia.

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    Qual é a diferença entre a varíola dos macacos e o Sars-CoV-2?

    O vírus da varíola dos macacos é um vírus de DNA, ao contrário do Sars-CoV-2, o vírus de RNA que causa a Covid-19. O genoma do vírus da varíola dos macacos é codificado com cerca de 200 mil unidades genéticas, ao passo que o genoma do Sars-CoV-2 é muito menor: aproximadamente 30 mil unidades. Esses vírus de DNA geralmente não sofrem mutações, explica Rosamund Lewis, chefe da Secretaria de Varíola da OMS, em uma sessão pública on-line de perguntas e respostas realizada em 23 de maio, e normalmente são bastante estáveis e menos propensos a gerar variantes.

    A transmissão dos dois vírus também ocorre de forma um pouco distinta. O Sars-CoV-2 se espalha rapidamente pelo ar em minúsculas gotículas quando pessoas infectadas falam, espirram ou tossem. A varíola dos macacos não se espalha tão facilmente pelo ar e, muitas vezes, requer contato físico próximo com uma pessoa infectada, com roupas ou com roupas de cama contaminadas.

    Breve história da varíola dos macacos

    vírus foi descoberto pela primeira vez em 1958, na Dinamarca, quando pesquisadores notaram erupções cutâneas semelhantes à varíola em macacos-cinomolgos oriundos de Singapura e alojados em um centro de pesquisa com animais – origem do nome varíola dos macacos. Na década seguinte, mais surtos foram relatados nos Estados Unidos em macacos mantidos em cativeiro que haviam sido importados da Ásia, onde a varíola dos macacos não fora identificada. Esses primatas foram considerados hospedeiros acidentais do vírus.

    primeira infecção humana por varíola dos macacos foi documentada em 1970 na província de Équateur, no Congo, em um bebê de nove meses que inicialmente se acreditou ter varíola – doença próxima da erradicação e semelhante à varíola dos macacos. Em 1985, a Organização Mundial da Saúde havia registrado 310 casos de varíola dos macacos nas zonas rurais da África Ocidental e Central, sendo a maioria no Congo.

    Isso levou a uma busca pela fonte primária do vírus da varíola dos macacos. Um levantamento conduzido no norte do Congo em 1985 com 383 animais silvestres, incluindo macacos, roedores e morcegos, revelou anticorpos específicos de varíola dos macacos nas amostras de sangue de dois esquilos da espécie Funisciurus anerythrus – um roedor diurno, provavelmente caçado e consumido por humanos. Um dos esquilos teve erupções na pele e pesquisadores conseguiram isolar um vírus de varíola dos macacos idêntico aos observados em humanos a partir de tecidos do animal.

    Em março de 2012, outra equipe de pesquisadores isolou o vírus a partir de um macaco da espécie Cercocebus atys no Parque Nacional Taï, na Costa do Marfim, e, em 2020, em chimpanzés-do-oeste-africanoRecentemente, outro estudo ainda não revisado por pares encontrou evidências do vírus em musaranhos e alguns roedores na Bacia do Congo.

    Embora haja suspeitas de que os roedores sejam os principais reservatórios da varíola dos macacos, não há evidências diretas que demonstrem que esses animais, caçados para consumo humano ou para serem mantidos como bichos de estimação, transmitam o vírus a humanos, afirma Joachim Mariën, ecólogo de doenças da Universidade de Antuérpia, na Bélgica.

    Ainda assim, o infame surto de varíola dos macacos ocorrido nos Estados Unidos em 2003 – o primeiro fora da África fornece um vislumbre de como ocorre a transmissão desse vírus de animais para humanos. Ao menos 37 pessoas de seis estados dos Estados Unidos (Illinois, Indiana, Kansas, Missouri, Ohio e Wisconsin) adoeceram após manusear ou acariciar cães-da-pradaria infectados. Esses roedores provavelmente contraíram o vírus da varíola dos macacos enquanto estavam alojados ao lado de roedores da família Gliridae e da espécie Cricetomys gambianus importados de Gana por um distribuidor de animais de Illinois.

    “Sabíamos que a varíola dos macacos era uma doença que necessitava de atenção devido a seu potencial epidêmico. No entanto o que está em curso no momento é algo bastante peculiar.”

    por Laurens Liesenborghs
    especialista em doenças infecciosas que estuda o vírus no Instituto de Medicina Tropical da Bélgica.

    Por que os casos de varíola dos macacos estão aumentando?

    Em regiões da África Central e Ocidental, onde o vírus é endêmico, os casos de varíola dos macacos humana vêm aumentando desde a década de 1970. Um estudo conduzido em 2022 estimou um aumento mínimo de 10 vezes nos números globais de casos confirmados, prováveis e possíveis nas últimas cinco décadas. Esse aumento é mais drástico no Congo, que registrou mais de 28 mil casos entre 2000 e 2019, e na Nigéria, onde a doença ressurgiu em 2017 após 40 anos.

    Uma grande razão para o aumento de casos de varíola dos macacos é a eliminação da varíola. Em 1980, a Organização Mundial da Saúde declarou a erradicação da varíola e a vacinação contra o vírus foi encerrada. Mas pesquisadores demonstraram que essa vacina descontinuada contra a varíola, que pode ter efeitos colaterais, forneceu 85% de proteção contra a varíola dos macacosUm estudo conduzido no centro do Congo em 2010 concluiu que pessoas vacinadas tinham um risco quase cinco vezes menor de contrair varíola dos macacos do que não vacinados.

    A escalada do desmatamento também pode expor mais pessoas ao vírus. A derrubada de florestas para substituição por plantações e pela agricultura provavelmente aproximará humanos e animais silvestres contaminados, aumentando as oportunidades de deslocamento do vírus entre espécies, como se sugere que ocorreu com o ebola.

    Além disso, um estudo conduzido em 2014 documentou uma versão da cepa do vírus da varíola dos macacos da Bacia do Congo com um gene ausente, em uma possível adaptação à transmissão entre humanos.

    “Sabíamos que a varíola dos macacos era uma doença que necessitava de atenção devido a seu potencial epidêmico”, afirma Laurens Liesenborghs, especialista em doenças infecciosas que estuda o vírus no Instituto de Medicina Tropical da Bélgica. “No entanto o que está em curso no momento é algo bastante peculiar.”

    Esse surto de varíola dos macacos é causado por um vírus mais transmissível?

    Outra questão que persiste é se o vírus evoluiu para se espalhar mais facilmente entre humanos. Com relação ao vírus da varíola, que é um vírus de DNA, esse aspecto normalmente está ligado a perder ou ganhar genes que o tornam mais transmissível, explica Gustavo Palacios, virologista da Faculdade de Medicina Icahn no Monte Sinai, em Nova York, Estados Unidos.

    Com base nas sequências genômicas de vírus retiradas de três pacientes recentemente infectados com varíola dos macacos em Portugal, Bélgica e Estados Unidos, não há evidências de tal exclusão ou adição de genes, segundo ele. Aliás, a sequência de rascunho do genoma de Portugal apresenta uma correspondência aproximada com a do vírus exportado da Nigéria a Israel, Singapura e Reino Unido em 2018 e 2019. A sequência genética do rascunho da Bélgica é muito semelhante à obtida a partir do paciente português, o que faz sentido, afirma Philippe Selhorst, virologista do Instituto de Medicina Tropical da Bélgica, uma vez que o belga havia viajado recentemente a Portugal.

    Mas, para identificar mudanças sutis na composição genética da varíola dos macacos, os pesquisadores precisam sequenciar o DNA viral de mais pacientes e comparar regiões do genoma que podem ser diferentes das sequências de surtos anteriores. A questão é se essas variações, se encontradas, apresentam uma correlação com a forma de infecção do vírus em humanos.

    A preocupação de Selhorst, entretanto, é que, ainda que não tenha ocorrido uma mutação no vírus, haja mais oportunidades de haver essa mutação quanto mais tempo persistir esse surto atual.

    Embora a varíola dos macacos não seja tão contagiosa quanto a Covid-19, Selhorst afirma que “não é nada promissor o fato de um vírus que estava em um animal passar a circular cada vez mais entre pessoas”.

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