Quão contagiosa é a varíola dos macacos? É preciso tomar vacina?

Atualmente, a doença se espalhou pelo mundo e se dissemina rapidamente, mas existem maneiras simples de reduzir o risco de contágio. Veja o que é necessário saber.

Por Sharon Guynup
Publicado 21 de jul. de 2022, 17:21 BRT

Imagem de microscópio mostra o vírus da varíola dos macacos (em laranja) sobre a superfície das células infectadas (em verde).

Foto de Niaid

Em um mundo exausto após mais de dois anos da pandemia de coronavírus, outra doença, a varíola dos macacos, continua se alastrando mais rapidamente do que nunca. É um vírus muito diferente daquele que causa a covid-19, e sua transmissão é muito mais difícil, mas pode causar internações hospitalares e até mesmo a  morte. A varíola dos macacos também pode deixar os infectados desfigurados: as lesões repletas de pus que marcam a pele – de poucas a milhares – podem deixar cicatrizes permanentes.

Até o momento, 61 países em seis continentes registraram quase 7,5 mil casos, com um aumento de 82% em novas infecções desde 27 de junho. Nos Estados Unidos, a varíola dos macacos foi registrada em 34 estados, no Distrito de Colúmbia e em Porto Rico. Atualmente, os casos chegam a 700 e, embora a maioria dos casos tenha sido relativamente leve, houve três mortes confirmadas na África. A maior circulação da doença tem sido encontrada sobretudo entre homens que mantêm relações sexuais com homens.

Mas é provável que “um número significativo de casos não tenha sido detectado“, afirma Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde. Além das limitações de testes, alguns pacientes apresentam relativamente poucas lesões, tornando ainda mais complexa a contagem de casos.

“Evidências sugerem que a varíola dos macacos não seja apenas uma doença sexualmente transmissível. Quando um caso é sintomático, propaga-se pelo contato com a pele – incluindo por meio de comportamentos sexuais – e também pode ser transmitido por contato com lençóis, toalhas ou roupas.”

por Bernard Moss
Virologista do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (Niaid)

A transmissão entrou em uma fase inédita em que os casos de varíola vêm sendo identificados entre pessoas que não viajaram à África – onde o vírus é endêmico – e infecções surgem em novas localidades. “Simplesmente não se pode abandonar as precauções – especialmente na região europeia, que apresenta um surto em rápida evolução que, a cada hora, dia e semana expande a regiões anteriormente não afetadas”, declarou Hans Henri P. Klugediretor regional da OMS para a Europa, em comunicado.

Na semana de 18 de julho, o Comitê de Emergência da OMS reavaliará se o surto constitui uma emergência global de saúde pública. Mas o órgão observou que controlar a propagação da varíola dos macacos demandará uma “resposta rigorosa”.

Esse surto atualmente em curso em diversos países foi “uma surpresa”, porém “não surpreendente”, afirma Rosamund Lewis, líder técnica de varíola dos macacos na OMS. Os casos vêm aumentando há décadas na África. O surto em andamento na Nigéria começou em 2017 (e pode ser a origem da disseminação atual) e outro na República Democrática do Congo (RDC) apresentou cerca de seis mil suspeitas da doença em 2020.

Embora os casos de covid-19 superem os da varíola dos macacos, especialistas estão preocupados que humanos possam infectar a fauna silvestre nos Estados Unidos e em outras nações, criando acidentalmente novos reservatórios endêmicos da doença, afirma Andrea McCollum, epidemiologista da iniciativa de Resposta ao Surto de Varíola dos Macacos de 2022, dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (“CDC”, na sigla em inglês). Os animais poderiam então retransmitir o vírus às pessoas, dificultando muito – ou talvez impossibilitando – sua erradicação.

Atualmente, existem iniciativas globais para impedir a propagação de casos de varíola dos macacos e evitar outra pandemia. Para tanto, as autoridades de saúde pública estão oferecendo vacinação a pessoas do grupo de risco. O governo Biden, dos Estados Unidos, está aumentando a distribuição de vacinas, atualmente em alta demanda.

Confira o que é necessário saber sobre o vírus, seus riscos, sua prevenção e se é preciso tomar vacina contra a varíola dos macacos.

O que é varíola dos macacos?

A varíola dos macacos é uma prima muito menos grave e menos contagiosa da varíola. Ambas são ortopoxvírus, um gênero de 12 vírus de DNA que também inclui a varíola bovina e a varíola do camelo.

Existem dois clados (ou variedades) genéticos distintos, explica Bernard Moss, virologista do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (Niaid). Um deles, a varíola dos macacos da Bacia do Congo, mata um em cada 10 infectados. Foi confirmado que o atual surto global se trata da segunda variedade: a varíola dos macacos da África Ocidental, menos letal, com uma taxa de mortalidade de menos de 1%.

É uma doença zoonótica, transmitida por animais a humanos. Descoberta pela primeira vez em 1958 entre macacos em um laboratório de pesquisa dinamarquês, o nome do vírus pode ou não ser um equívoco. Acredita-se que pequenos mamíferos sejam reservatórios do vírus nas florestas tropicais africanas, onde o vírus é endêmico, mas pode infectar muitos mamíferos e, até hoje, foi isolado em animais silvestres apenas duas vezes: em um esquilo da espécie Funisciurus anerythrus, na RDC, em 1985, e um macaco da espécie Cercocebus atys, na Costa do Marfim, em 2012. O reservatório ou reservatórios reais da doença permanecem desconhecidos.

Desde o primeiro caso humano identificado em 1970 – quando um menino foi diagnosticado na RDC – a maioria das infecções ocorreu na África Ocidental e Central. No início, a maioria eram “eventos de spillover ou de troca de hospedeiro”, contraídos devido à caça e abate de animais silvestres contaminados, explica Lewis.

O contato íntimo pode transmitir o vírus entre pessoas. As lesões são “pequenas fábricas de vírus” contagiosas, afirma McCollum, dos CDC. Contudo, até recentemente, o vírus raramente era transmitido além de algumas famílias dentro de uma mesma comunidade.

Embora essa doença tenha sido descrita há pelo menos 52 anos, “na realidade, não sabemos o necessário sobre ela”, observa Lewis.

É uma doença sexualmente transmissível?

Embora um dos casos iniciais tenha infectado pai, mãe e filho no Reino Unido, o atual surto de varíola dos macacos afeta predominantemente homens que mantêm relações sexuais com homens – 99% entre os casos que declararam seu gênero. Para as autoridades de saúde pública, tem sido um desafio conscientizar o público sem estigmatizar essa comunidade.

O surto provavelmente expandiu devido ao comportamento sexual em festas raves na Espanha e na Bélgica, declarou David Heymann, especialista de longa data em doenças infecciosas da OMS, à agência de notícias Associated Press. Esses eventos originaram a transmissão internacional, assim como encontros com muitas pessoas disseminaram a covid-19 durante os primeiros dias da pandemia.

Mas evidências sugerem que a varíola dos macacos não seja apenas uma doença sexualmente transmissível, observa Moss. Quando um caso é sintomático, propaga-se pelo contato com a pele – incluindo por meio de comportamentos sexuais – e também pode ser transmitido por contato com lençóis, toalhas ou roupas.

Surtos anteriores na África infectaram mulheres, crianças e homens de todas as idades. “Não há um impedimento. Esse vírus não ficará necessariamente restrito a um gênero ou a uma população”, adverte Anne Rimoin, epidemiologista de doenças infecciosas e professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade da Califórnia em Los Angeles, Estados Unidos. Essa disseminação já está em curso. A OMS começou a registrar casos em crianças, conta Lewis.

Rosamund considera essa uma situação em evolução que deve ser monitorada atentamente. “Acredito que essa questão necessite de muita atenção e pronta reação.”

A conscientização do público é fundamental. “O objetivo não é causar pânico, mas é preciso conscientização para que sejam tomadas precauções”, acrescenta Lewis. “É necessário que cada pessoa conheça seus próprios riscos… e os previnam.”

Testes e vacinas estão prontamente disponíveis?

Existem testes de varíola dos macacos disponíveis, os quais consistem simplesmente na coleta de amostra de uma lesão. Nos Estados Unidos, os testes são então remetidos a um laboratório para confirmar o ortopoxvírus e, em seguida, enviados aos CDC para confirmar a varíola dos macacos. Após um resultado positivo, é iniciado o tratamento preventivo dos pacientes.

Apesar dos testes existentes da doença infecciosa conduzidos nos EUA pela Rede de Respostas Laboratoriais, iniciativa colaborativa entre o governo norte-americano e laboratórios, ativistas reclamam de acúmulos e atrasos nos testes e resultados; atualmente, a demanda está concentrada em áreas urbanas. 

Até o momento, Califórnia, Nova York, Illinois e Flórida são os estados mais afetados, segundo os CDC. Para oferecer mais testes, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS, na sigla em inglês) dos Estados Unidos enviará testes de ortopoxvírus a cinco laboratórios comerciais.

A obtenção das vacinas tem sido difícil, mas esse cenário está mudando. Em 18 de maio, depois que o primeiro caso nos Estados Unidos foi registrado, os números aumentaram e as vacinas contra a varíola dos macacos esgotaram rapidamente. Em 28 de junho, o governo Biden anunciou que distribuiria 56 mil doses adicionais, priorizando regiões com maior transmissão. Outras 240 mil doses serão distribuídas nas próximas semanas, alcançando um total de 1,6 milhão até o fim do ano.

O Brincidofovir, medicamento antiviral desenvolvido para a varíola, foi licenciado para o tratamento da varíola dos macacos.

Devo tomar a vacina contra a varíola dos macacos? Quem é o público-alvo prioritário de vacinação?

“Não se justifica a vacinação da população em geral”, afirma Moss, do Niaid. Atualmente, o vírus está se multiplicando apenas dentro de um pequeno grupo demográfico.

Mas em meio a esse surto crescente, o rastreamento de contatos não é mais possível. Alguns países, incluindo os Estados Unidos, tiveram de mudar o planejamento e expandir a vacinação de pessoas com contatos conhecidos para qualquer pessoa de alto risco.

“A inoculação é mais eficaz se for feita antes do contágio”, ressalta Moss. Após a exposição, o intervalo de vacinação é de quatro dias, mas as pessoas podem ser imunizadas até duas semanas depois.

Qual é a diferença entre as duas vacinas contra a varíola dos macacos, e quando foram desenvolvidas?

Edward Jenner, considerado o fundador da vacinologia no Ocidente, inoculou com sucesso um menino de 13 anos contra a varíola em 1796 usando o vírus vaccinia – da varíola bovina. Passados dois anos, pesquisadores desenvolveram a primeira vacina contra a varíola. Como os ortopoxvírus compartilham 90% ou mais de sua composição genética, “uma vacina feita contra qualquer um deles protege contra todos eles”, afirma Moss.

Ao contrário da situação no início da pandemia de covid-19 em 2020, a boa notícia é que existem vacinas eficazes contra a varíola dos macacos, observa Lewis. Estão disponíveis duas nos Estados Unidos. Em 2007, a Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA aprovou a ACAM2000 para prevenir a varíola.

 É semelhante às vacinas iniciais do passado, utilizando o vírus vaccinia vivo e atenuado, e é aplicada em militares, funcionários de laboratórios e outros grupos há décadas. Aqueles que foram imunizados contra a varíola antes do encerramento da campanha de vacinação pelos Estados Unidos, em 1972, devem ter alguma imunidade remanescente.

As vacinas atuais nunca foram testadas em ensaios clínicos de fase 3 contra a varíola ou a varíola dos macacos. Embora os profissionais de saúde acreditem que as vacinas contra a varíola sejam eficazes contra a varíola dos macacos, “isso ainda não foi demonstrado em estudos rigorosos”, observa Lewis, “ou até mesmo ‘na prática’ até hoje.

Alguns grupos precisam evitar essa vacina de vírus vivo, incluindo gestantes, pois os imunizantes podem colocar em risco o nascituro. Os imunossuprimidos ou pessoas com problemas de pele também devem ficar longe das vacinas: o vírus pode se espalhar descontroladamente. Essa vacina também pode ser perigosa para pessoas com problemas cardíacos, pois pode provocar inflamação coronária.

A segunda vacina, a Jynneos, causa muito menos efeitos colaterais e é a única aprovada especificamente para a varíola dos macacos.

No entanto, juntamente com a conscientização e as devidas precauções, “a vacinação é a chave para controlar a doença e mantê-la sob controle”, ressalta McCollum.

Esse surto internacional era inesperado?

Especialistas não previram que a varíola dos macacos “se alastraria por contatos sociais íntimos e além das fronteiras nas magnitudes atuais”, responde McCollum.

Mas havia sinais de alerta.

Na África, os casos de varíola dos macacos começaram a aumentar depois que a varíola foi erradicada globalmente em 1980 e as campanhas de vacinação foram encerradas: essas vacinas ofereceram proteção cruzada contra todos os ortopoxvírus. À medida que a imunidade restante diminuiu, infecções por varíola dos macacos dispararam, aumentando 20 vezes entre 1986 e 2007 na RDC.

O primeiro surto no Hemisfério Ocidental ocorreu em 2003, quando um carregamento de bichos de estimação exóticos – roedores da família Gliridae e da espécie Cricetomys gambianus, e esquilos – da África Ocidental provocou 47 infecções humanas nos Estados Unidos.

Posteriormente, em 2018, as autoridades registraram um número crescente de casos relacionados a viagens. “Isso despertou nossa atenção”, conta McCollum. “Estávamos bastante preocupados de que fosse apenas o começo.”

Havia condições ambientais propícias para o início da disseminação, afirma Lewis. Ela relaciona alguns fatores que aumentam o risco de doenças zoonóticas se deslocarem da fauna silvestre a pessoas: as mudanças climáticas e o desmatamento, que abrem o acesso à floresta, a necessidade de proteína e a venda de carne de animais silvestres em mercados.

“Todos nós compartilhamos um planeta”, reitera ela, e são necessárias pesquisas que ajudem a proteger a humanidade e a natureza. “Enquanto não tivermos esses dois objetivos em mente, continuaremos a enfrentar problemas.”

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