Como múmias antigas ajudaram Paolo Guerrero a chegar à Copa do Mundo

Depois que o jogador peruano teve exame antidoping positivo para cocaína, cientistas usaram múmias incas parar argumentar que o resultado poderia ter sido influenciado por outros fatores.

Por Sarah Gibbens
Publicado 26 de jun. de 2018, 16:41 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Paolo Guerrero em ação na Copa do Mundo 2018, quando o Peru enfrentou a França, em ...
Paolo Guerrero em ação na Copa do Mundo 2018, quando o Peru enfrentou a França, em 21 de junho.
Foto de Robbie Jay Barratt, AMA via Getty Images

Quando o exame antidoping do jogador peruano Paolo Guerrero mostrou traços de benzoilecgonina em outubro passado, parecia improvável que o craque fosse participar da Copa do Mundo de 2018.

Isso porque benzoilecgonina é um metabólito encontrada na cocaína.  A Fifa, instituição que funciona como reguladora do futebol mundial, aplica consequências bem severas aos jogadores pegos usando drogas ilícitas. Guerrero foi punido com um banimento de um ano, significando que ele não participaria do evento internacional mais importante do esporte, sediado apenas uma vez a cada quatro anos.

Guerrero lutou contra a decisão, dizendo que a penalidade fora injusta e afirmando ter tido um chá de coca servido por engano quando pediu um chá para sua gripe. Com o açúcar e uma série de especiarias colocados na bebida, o gosto da coca teria sido difícil de detectar, afirmam ele e seus advogados.

Para a sorte do atleta de 34 anos, ele teve o suporte dos fãs de futebol peruanos, da bioquímica e de múmias incas de 500 anos de idade.

Evidências de 500 anos congeladas

“É um dos jeitos mais interessantes que as múmias possuem de ainda conversar conosco direto do passado”, diz o arqueologista Johan Reinhard, explorador da National Geographic do país que ajudou a liderar uma equipe responsável por ter encontrado três múmias de crianças preservadas em gelo na Cordilheira dos Andes em 1999.

Reinhard e um time de mais nove pesquisadores precisaram de duas semanas para descobrir os restos mortais, escondidos no vulcão argentino Llullaillaco, a 6,7 km de altura. Condições geladas diminuem as atividades das bactérias responsáveis pela decomposição, levando à preservação de uma grande quantidade de material genético de pessoas enterradas em gelo. As múmias de Llullaillaco são consideradas umas das maisbem preservadas do mundo.

As três múmias de crianças — uma de 13 anos, conhecida como Moça de Llullaillaco; e duas crianças mais jovens, chamadas de Menino e Menina de Llullaillaco — foram provavelmente vítimas de uma cerimônia de sacrifício infantil. Uma análise forense feita em 2013 observou melhor o material genético presente no cabelo da Moça de Llullaillaco. Os cientistas descobriram que, no último ano de sua vida, ela consumiu uma grande quantidade de folhas de coca, assim como álcool. As substâncias provavelmente foram usadas para torná-la dócil para a viagem pela montanha, ou como parte de vários rituais.

Antropólogo Johan Reinhard descobriu as múmias incas de mais de 500 anos congeladas na Argentina, em 1999.
Foto de Johan Reinhard, National Geographic

Grupos indígenas habitantes dos Andes consumiram coca por milhares de anos. A planta melhora as náuseas causadas pela altitude e pessoas que subiam altas montanhas geralmente colocavam maços da vegetação em suas bocas e as mascavam.

Guerrero e a Moça de Llullaillaco

Tanto o jogador de futebol do século 21 como a múmia do século 16 mostraram traços de benzoilecgonina durante os testes, uma semelhança que jogou a favor no caso de Guerrero.

O arqueologista Charles Stanish, diretor executivo do Instituto de Estudos Avançados de Cultura e Meio Ambiente da Universidade do Sul da Califórnia, testemunhou a favor de Guerrero depois de um bioquímico brasileiro com conexões com o jogador ir procurá-lo.

Stanish diz que seu papel foi provar como uma pessoa podia ter seus testes aprovados para traços de cocaína mesmo sem tê-la consumido.

“O modo mais óbvio de provar isso é mostrar como uma múmia de 500 anos teve seus resultados positivos antes da cocaína existir”, diz ele.

O alcaloide da cocaína, o principal ingrediente ativo nas folhas de coca, foi isolado e sintetizado como droga apenas no século 19.

Stanish também mostrou como as folhas de coca ainda estão presentes na cultura sul americana.

“Eu expliquei que o chá de coca raramente é bebido com apenas folhas de coca. Ele leva muito açúcar para cobrir seu gosto. Hoje, a bebida é parte da alta culinária em Lima”, diz ele, acrescentando que a erva está presente em iguarias que vão de pães a doces.

Guerrero não é a primeira pessoa a ter seus testes positivos para cocaína depois de dizer ter bebido chá de coca. Pilotos e turistas já tiveram sua inocência contestada depois de uma aparentemente simples viagem ao Peru. Para Stanish, isso representa um desentendimento cultural grande sobre o que a coca representa.

Depois de muitos dias em tribunal e um julgamento final na Suprema Corte Federal da Suíça, a suspensão de Guerrero foi temporariamente dispensada para permiti-lo a jogar a Copa do Mundo enquanto a instituição reavalia seu caso.

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