DNA da sífilis é extraído de ossos da era colonial
Os genes de 350 anos podem ajudar pesquisadores a encerrarem o debate sobre a origem da doença.
Em 1494, logo após a primeira viagem de Colombo ao Novo Mundo, relatos históricos europeu descreviam uma epidemia debilitante de uma doença ainda não registrada, que hoje conhecemos como sífilis. A coincidência do momento levantou então um debate que permanece sem resposta na ciência moderna: a sífilis era uma doença sexualmente transmissível em ascensão nos Estados Unidos, e levada para a Europa das Américas com os primeiros exploradores, ou ela já estava presente em populações ao leste do Atlântico?
Métodos anteriores que tentaram encontrar as origens da doença dependiam de relatos históricos que descreviam a infecção, ou através da identificação de lesões ósseas. O problema, no entanto, é que muitos sintomas e lesões visíveis característicos da sífilis também podem ser causados pela bouba, doença causada por uma subespécie diferente da mesma bactéria, a Treponema pallidum. Diferente da sífilis sexualmente transmissível, a bouba é uma doença transmitida pelo simples contato com a pele, e pode causar lesões e feridas.
Agora, cientistas desenvolveram uma maneira de detectar a diferença entre as subespécies de sífilis e bouba em restos mortais, e dizem que este avanço pode ajudar a revelar a origem misteriosa da doença.
Olhando mais de perto
Pesquisadores começaram buscando por restos ósseos humanos com sinais de lesões, indicando que abrigavam a bactéria responsável pela sífilis. Cinco conjuntos de restos mortais com deformações ósseas visíveis foram selecionados de um cemitério no Convento de Santa Isabel, local histórico na Cidade do México administrado por freiras da ordem franciscana de 1681 a 1861. Entre os cinco, três conjuntos de restos infantis continham DNA infectado com a Treponema pallidum.
“Nossa estratégia foi observar recém-nascidos já infectados com sífilis e, assim, com uma maior probabilidade de apresentarem uma carga de patógenos mais alta”, diz Verena Scheunemann, principal autora do estudo que detalha a descoberta na revista PLOS Neglected Tropical Diseases. Bebês contraem sífilis de suas mães durante a gestação e, como seus sistemas imunológicos ainda são fracos, abrigam concentrações maiores da bactéria.
Geneticistas então isolaram os genomas históricos da sífilis pela primeira vez, conseguindo identificar subespécies da bactéria causadora da sífilis em dois dos indivíduos, e uma subespécie da bactéria causadora da bouba no outro indivíduo.
“Agora, com os métodos utilizados aqui, é possível voltar ainda mais no tempo e observar a sífilis pré-Colombo para descobrir sua origem”, diz Scheunemann.
Precisa-se de pacientes
Embora a técnica de sequenciamento do genoma em restos mortais ofereça uma nova e animadora ferramenta para o estudo da doença, a antropóloga da Universidade Estadual do Mississippi Molly Zuckerman diz que encontrar restos mortais para testar será o maior obstáculo.
O motivo é que diversas doenças deixam lesões ósseas - a marcação visível muitas vezes procurada pelos pesquisadores para identificar um esqueleto com sífilis - e apenas os piores casos de sífilis resultam em deformidades ósseas visíveis.
Para encontrar casos diagnosticáveis de sífilis mais antigos, “o próximo passo será olhar para diferentes amostras”, diz Scheunemann. “Não temos ideia se a linhagem encontrada no México colonial é a mesma encontrada na Europa”.
Um estudo de 2016 publicado na revista International Journal of Paleopathology analisou os ossos de um homem adulto de 2,2 mil anos do norte do Chile. Os restos mortais apresentavam sinais de um aneurisma de aorta torácica, que pode às vezes ser observado em casos de sífilis grave, e levou os autores do estudo a sugerirem que seria um exemplo mais antigo da doença. Mas sem a tecnologia disponível hoje para os pesquisadores, não ficou claro se o homem, na verdade, sofria de bouba.
“Não é possível distinguir [a doença] pelos ossos, mas saber que podemos fazer isso geneticamente é empolgante”, diz Zuckerman, cujo trabalho tem como foco a evolução de doenças infecciosas. Sua própria pesquisa a levou a suspeitar que a bactéria Treponema teve origem no Novo Mundo, manifestando-se como bouba e transmitida através do contato com a pele exposta pelo clima quente. Quando o patógeno se espalhou pela Europa, o clima mais temperado fez com que o contato com a pele ocorresse mais frequentemente através do contato sexual, forçando a bactéria a evoluir.
“No que diz respeito às evidências ósseas”, observa Zuckerman, “nós não encontramos nenhum caso do Velho Mundo anterior a Colombo”.
Diagnosticando a sífilis mais cedo
Compreender a evolução da bactéria também pode ajudar pesquisadores médicos a melhor compreenderem como diagnosticar a doença em estágio inicial.
“Ter a percepção sobre como a virulência mudou no passado pode auxiliar melhores diagnósticos [hoje]”, observa Zuckerman. Os testes atuais são mais eficazes em diagnosticar a doença em seus estágios mais avançados, mas uma melhor compreensão da evolução da bactéria poderia ajudar especialistas médicos a diagnosticarem a sífilis em seu estágio inicial.
É um tratamento extremamente necessário, uma vez que a sífilis está sempre de volta. De 2014 a 2015, casos reportados aos Centros de Controle de Doenças aumentaram um pouco além de 17%, e continuam a despontar em todo o mundo.