Conheça as mulheres que estão lutando pela igualdade nos Andes
As Cholitas Voadoras da Bolívia uniram a luta moderna com a história e ativismo de sua comunidade.
“As pessoas precisam de heróis, lutadores, campeões que possam ser admirados”, reflete a fotógrafa brasileira Luisa Dörr, que passou dez dias em El Alto, Bolívia, com um grupo único de mulheres lutadores conhecidas como Cholitas Voadoras. Reconhecidas por suas roupas elegantes e coloridas, com várias camadas de saias, xales bordados e chapéu coco, as cholitas surgiram na virada do milênio – uma expressão da renascença indígena tomando conta da América.
Dörr, que as compara com super-heroínas de Hollywood capazes de voar, teve seu primeiro encontro com as lutadores enquanto seu marido trabalhava com o arquiteto local Freddy Mamani. Ela lembra de ir às lutas de domingo no centro multifuncional da comunidade: Há muito tempo eu deixei de gostar das lutas masculinas. Elas são sempre iguais, mas as Cholitas sempre salvam o show. Os membros mais jovens da audiência se identificam com as boas heroínas, enquanto os mais velhos preferem as mais duronas”, diz ela.
As Cholitas treinam duas vezes por semana e assistem a vídeos no YouTube de Lucha Mexicana para melhorar suas técnicas e truques. “A luta, mais do que qualquer coisa, é uma constante atualização de golpes. É como andar de bicicleta; se você aprende, você nunca esquece. Mas se você quer fazer manobras, você precisa praticar. A luta é igual. Um eterno aprendizado”, explica Claudina, cujo pai, irmão e irmã também lutam.
Quanto melhores elas ficam, mas elas fortalecem a sua presença em um campo dominado por homens. Às vezes, os dois gêneros até lutam um contra o outro. “Quando uma mulher luta a 100 por cento, um homem quer lutar a mil por cento. Eles não aceitam ser derrotados. Na nossa área, também há anti-Cholas”, diz Mary Llanos Saenz, conhecida como Juanita La Cariñosa no ringue, que luta há quase 20 anos. “No começo, não podíamos entrar no vestiário dos homens. Nós nos trocávamos nas barracas e esperávamos do lado de fora. Por isso criamos uma Associação de Cholitas Lutadoras. Lá, homens não se envolvem”.
Monica, uma amiga e assistente social da comunidade, foi a porta de entrada para Dörr. “[As Cholitas] não se importam com jornalistas e revistas chiques”, diz Dörr. “Muitas delas não estavam interessadas em perder tempo com uma fotógrafa em uma história que elas nunca leriam”. A atitude delas com a mídia se deve em parte ao fato de as Cholitas terem preocupações maiores do que a fama. Há séculos, elas também têm lutado fora do ringue para proteger o bem-estar de sua comunidade.
A maioria das lutadoras cholitas são Aymara, uma nação indígena que reside nas terras altas da América do Sul. O grupo enfrenta a opressão étnica e exploração desde a colonização espanhola da região. Chamados pejorativamente de “cholo” ou “chola” na época, eles eram forçados a fazer tarefas domésticas para os aristocratas; obrigados a adotar costumes europeus; tinham entrada proibida em restaurantes, transportes públicos e certos bairros nobres; e não tinham a oportunidade de votar, ter terras e aprender a ler.
Resiliente, a comunidade se organizou, liderando vários movimentos de sucesso ao longo de muitas décadas, o último foi a derrubada do presidente Gonzalo Sanchez Lozada – que atualmente está sendo julgado por assassinatos extrajudiciais – e a eleição de um político Aymara, Evo Morales, para o cargo mais importante do país. No processo, eles redefiniram o nome que era pejorativo e o estilo de vestimenta, transformando os dois em símbolos de orgulho.
“Quando El Alto fica bravo com o Estado, porque negligenciaram suas escolas, seus hospitais ou seus mercados, ou pela ausência de segurança em seus bairros, são as mulheres que vão para as ruas”, explica Dörr. “E aí está a essência, o motivo para as pessoas gostarem de verem as Cholitas lutarem, porque é a dramatização das mulheres Chola Aymara de El Alto.”