Os jovens e solitários corações das cidades em declínio na China
Enquanto a China enfrenta dificuldades para revitalizar o centro industrial, os jovens convivem com o isolamento.
Costumamos pensar nas cidades chinesas em termos de expansão, porém a realidade é muito mais complexa. A verdade é que, nas últimas décadas, as cidades chinesas atraíram milhões de migrantes nacionais, esvaziando vilas rurais. Contudo, outra consequência do milagre econômico da China geralmente passa despercebida: as cidades que encolhem.
Em 2016, o Beijing City Lab (Laboratório da Cidade de Pequim, em tradução livre), uma rede acadêmica que estuda o desenvolvimento urbano na China, informou que mais de um quarto das cidades chinesas perderam habitantes de 2000 a 2010.
“Pouco representadas, pouco estudadas e pouco relatadas”, afirma Ying Long, professor associado da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Tsinghua, na China, que liderou o estudo, referindo-se às cidades com declínio de populações.
Intrigado com o fenômeno, o fotógrafo Ronghui Chen começou visitando a região nordeste no final de 2016. Seu primeiro destino foi Yichun, em Heilongjiang, a província mais ao norte da China. O inverno lá é brutal, com temperaturas chegando geralmente a -34oC, em média. Chen encontrou jovens em academias e cibercafés e em aplicativos de streaming de vídeo, um jeito comum para os moradores do nordeste afastarem o tédio e ganharem dinheiro. Muitos se debatem com a ideia de partir atrás do sonho da cidade grande, geralmente lamentando que suas cidadezinhas têm pouco a lhes oferecer. A família e outras responsabilidades são os principais motivos para alguns ficarem para trás enquanto seus colegas se mudam para cidades maiores, mais promissoras e dinâmicas.
Yichun foi fundada em 1958 como um posto avançado madeireiro circundado por densas florestas boreais. Desde então, ela evoluiu e acabou se tornando uma cidade com mais de 1 milhão de habitantes. A madeira de Yichun representava 10% de toda a madeira utilizada na construção na China, segundo o ChinaDaily. Su Yan, funcionário público de Yichun, de 27 anos, faz alusão aos recursos florestais abundantes da cidade como “grãos de ouro caindo do céu”.
“Se não conseguir pegar todos com as mãos, os grãos escorregarão entre os seus dedos”, afirma ele. “De qualquer forma, você estará rico.”
Assim como muitas pessoas que trabalharam para o governo local, os pais de Yan já foram considerados parte da elite socialista, usufruindo de estabilidade no emprego e benefícios do nascimento à morte. Ele lembra os velhos tempos com carinho. “Óleo, arroz, carne, ovos, legumes…” Yan cita os produtos que seu pai recebia do trabalho quando ele era pequeno. Essas entregas chegavam regularmente e em grandes quantidades, suficientes para a família viver por meses. “Se você não saísse para comprar roupas novas, então não teria nenhuma maneira de gastar seu salário”.
No entanto, o desmatamento excessivo esgotou o único recurso para o qual Yichun tinha sido criada e chegou a crise econômica nos anos 1990. A cidade passou a limitar a exploração madeireira comercial e, em 2013, baniu-a por completo. “As pessoas não se importavam muito com a proibição no início”, conta Yan. “No começo, os madeireiros receberam advertências verbais, depois vieram as multas, detenções e prisões. Pouco a pouco, ninguém mais explorava a madeira”.
A falta de emprego expulsou aqueles que eram fisicamente aptos para cidades maiores e mais prósperas. Entre 2000 e 2010, a população de Yichun reduziu 8%, segundo o Censo Populacional Nacional da China.
Muitas cidades que Chen fotografou no nordeste tiveram destino semelhante. A população de Fularji, localizada em Heilongjiang, conhecida como o centro da indústria pesada da China, minguou 10,3% entre 2000 e 2010, de acordo com o censo populacional do governo. Quanto a Longji, em Jilin, cujos residentes da etnia coreana migraram para a Coreia do Sul atrás de trabalho, esse número foi de 18%. Em Fushun, situada em Liaoning, uma cidade fabril no centro de um esforço de revitalização, a perda foi menor, de apenas 3%, de acordo com dados compilados pelo Beijing City Lab.
Comparadas com cidades do cinturão da ferrugem dos Estados Unidos, as taxas de encolhimento das cidades chinesas podem parecer insignificantes. Detroit, por exemplo, perdeu 25% de sua população entre 2000 e 2010. Contudo, a grande quantidade de cidades da China em encolhimento—e o fato de que o planejamento de oficiais locais ainda se baseia em falsas previsões de expansão da população—tornou-as únicas, afirma Ying Long, o pesquisador principal do Beijing City Lab.
Após identificar 180 cidades em encolhimento, o Beijing City Lab encontrou e estudou os documentos do plano diretor de 63 cidades e todos eles eram baseados em um crescimento populacional. “Apenas se houver crescimento populacional, o governo poderá adquirir e incorporar mais propriedades e obter grandes projetos”, afirma ele.
Em um sistema em que os desempenhos de oficiais locais são julgados predominantemente em função do bem-estar econômico de sua jurisdição, a ideia de encolhimento de cidades é quase um tabu político.
“Muitas pessoas na China agarram-se a uma noção profundamente arraigada de urbanização, a noção de que as cidades precisam expandir e de que as populações precisam crescer”, conta Long, acrescentando que, para muitos, “uma cidade em contração só pode significar deterioração”.
Long espera que os planejadores possam mudar o enfoque para as pessoas que continuam a morar nas cidades que estão diminuindo. “O mais importante no planejamento urbano deve se resumir a atender à qualidade de vida daqueles que ali permanecem”, prossegue ele.
Su Yan não vê como o destino de sua cidade pode ser revertido, já que tantos jovens partiram. Ele estima que 60% de seus colegas de ensino médio mudaram-se para trabalhar em cidades maiores e mais prósperas—escolha que ele também fez quando se formou na faculdade em Harbin, capital de Heilongjiang. Até que o negócio dele faliu e seu pai, ainda em Yichun, ficou doente.
Após Yan voltar para casa, seus pais conseguiram um trabalho para ele com renda garantida em um ginásio esportivo do governo. A vida se tornou confortável—e previsível. “Meu trabalho agora é sentar e, às vezes, descansar, no escritório da recepção da academia. Quando alguém entra, verifico sua carteira de associado”, explica Yan.
Yan tem dificuldade de fazer amigos e sente falta da animação que as grandes cidades possuem. Fã do cantor americano Bob Dylan e do restaurante de fast-food Burger King, frequentado por ele quando morava na capital Harbin, Yan se queixa com frequência de Yichun. “Nem mesmo os músicos menos conhecidos querem se apresentar aqui. E, se você quiser ter um estilo de vida diferente, você tem que consegui-lo pela internet ou algo assim”, afirma. “Mas agora que meus pais estão velhos e minha namorada está aqui também, ir embora requer mais coragem.”